A subida dos juros dificultou o acesso das famílias ao crédito à habitação, o que acabou por ditar uma quebra na procura por este tipo de financiamento. Mas esta tendência parece querer inverter-se. O sector financeiro nacional vê uma mudança nos próximos meses, apanhando a onda de recuperação que já se observa na Europa. Uma retoma da procura por empréstimos para a compra de casa que os especialistas ouvidos pelo Jornal Económico (JE) justificam com a perspetiva de uma descida das taxas de juro e não tanto com as medidas adotadas pelo Governo para apoiarem os mais jovens na compra da primeira habitação.
O mais recente inquérito aos bancos sobre o mercado de crédito, divulgado pelo Banco de Portugal, revelou que a procura de empréstimos por parte das famílias portuguesas, nomeadamente no segmento da habitação, não sofreu alterações no segundo trimestre, depois de ter registado uma quebra no ano passado. “É possível verificar que, quando as taxas de juro subiram muito rapidamente, houve uma sensível desaceleração e até diminuição da procura de crédito para a habitação”, afirma ao JE fonte oficial da Associação Portuguesa de Bancos (APB).
A mesma fonte indica que “uma parte da explicação para esse movimento estará no efeito preço (do crédito) propriamente dito – o rendimento disponível não comportava a taxa de esforço – e outra parte estará no adiamento do recurso ao crédito, assente em expectativas de descida próxima das taxas de juro e, portanto, de condições mais favoráveis a curto prazo”. Um movimento que já foi iniciado pelo Banco Central Europeu (BCE). O banco central liderado por Christine Lagarde fez o primeiro corte das taxas de juro em junho e o mercado espera mais descidas nas reuniões agendadas para setembro e dezembro.
O efeito da inversão da política monetária está a ter impacto nos outros países europeus. Um inquérito à banca realizado pelo BCE mostra que a maioria dos bancos da região analisados já regista um aumento do número de famílias a querer contratar crédito para a compra de casa. “Os bancos reportaram um aumento da procura por crédito à habitação pela primeira vez desde o primeiro trimestre de 2022”, indicou o banco central liderado por Christine Lagarde, destacando as subidas observadas em países como a Alemanha, Espanha e Itália.
Este crescimento vai manter-se nos próximos meses. “Os bancos preveem um forte aumento da procura por crédito à habitação” no terceiro trimestre, indica o BCE, justificando-a com a melhoria das perspetivas no mercado imobiliário - nomeadamente na Alemanha onde os preços das casas registaram uma forte descida nos últimos trimestres -, o nível das taxas de juro e melhoria da confiança dos consumidores.
Esta tendência ainda não chegou à banca portuguesa, mas está para breve. Os dados revelados pelo regulador liderado por Mário Centeno mostram que a expectativa do sector bancário para o terceiro trimestre é que haja um “ligeiro aumento da procura de empréstimos, mais acentuado no segmento da habitação”, passando a acompanhar o ritmo observado nas outras instituições financeiras europeias. Perante a descida dos juros, “quem adiou [a contratação de crédito] começa a achar que já será oportuno recorrer e, para quem estava em situação de impossibilidade, a evolução entretanto verificada pode ter tornado comportáveis as taxas de esforço. Por outro lado, estará retomada a normal dinâmica de novas famílias ou indivíduos que procuram autonomia de vida”, refere a APB.
Também Filipe Garcia indica que a “recuperação deste mercado poderá estar ligada à perspetiva de juros mais baixos, ou pelo menos de que a subida dos juros já terá terminado”. Esta perspetiva já se reflete nas taxas Euribor, com os prazos a seis e a 12 meses a caírem para novos mínimos de mais de um ano. A taxa Euribor a seis meses, que passou em janeiro a ser a mais utilizada em Portugal nos créditos à habitação com taxa variável e que esteve acima de 4% durante vários meses no ano passado, recuou para 3,590%. Apesar do crescimento recente dos novos créditos com taxa mista, historicamente a opção recai na taxa variável que representava, no final de 2023, 86,2% do total de créditos à habitação vivos.
O economista da Informação de Mercados Financeiros (IMF) afasta, porém, que esta recuperação possa estar relacionada com as medidas adotadas pelo Governo liderado por Luís Montenegro, como a garantia pública para os mais jovens conseguirem ter acesso a crédito à habitação. “Não me parece que tenha um impacto que promova uma alteração significativa nos números globais”, refere, frisando que o “número de beneficiados e os montantes em causa não serão provavelmente suficientes para ser o fator principal de alteração de tendência”.
A partir de 1 de agosto, os jovens até aos 35 anos que queiram comprar a primeira casa vão ter acesso à isenção do IMT e do Imposto de Selo. Esta medida junta-se à garantia pública (ainda por regulamentar) que vai permitir que aqueles que não consigam pagar a “entrada” da casa possam beneficiar deste mecanismo que poderá cobrir até 15% do valor da habitação. De acordo com as regras do Banco de Portugal, definidas em 2018, os bancos apenas podem dar até 90% do valor da avaliação da casa.
Maior procura pode aumentar preços das casas
Apesar de a descida dos juros dar algum alívio às famílias na hora de pedir empréstimos para a compra de casa, a maior procura por financiamento pode ditar um aumento dos preços das habitações numa altura em que o mercado imobiliário já está em valores recorde. Ainda assim, recorda Filipe Garcia, muitas das aquisições têm sido feitas com recurso a capitais próprios e não a financiamento bancário.
“Historicamente há uma correlação entre a disponibilidade e preço do crédito com a evolução do imobiliário, mas esta fase mais recente da evolução do mercado parece ter estado bastante destacada da evolução de crédito. Muitas aquisições de imobiliário têm sido feitas com o objetivo de investimento, com uma percentagem superior de capitais próprios”, refere o economista da IMF, notando que a “maior procura por crédito poderá levar a preços mais elevados, mas não tem sido, nem deverá ser, o principal fator a conduzir o mercado nos próximos tempos”.
O valor das casas calculado pelos bancos na hora de conceder crédito à habitação subiu oito euros para 1.618 euros por metro quadrado (m2) em junho, o sétimo mês consecutivo de aumentos e um novo máximo desde que o Instituto Nacional de Estatística (INE) começou a compilar os dados em 2011. No primeiro trimestre do ano, o preço mediano das casas em Portugal aumentou 5% face ao período homólogo para um valor de 1.644 euros/m2, com os municípios de Lisboa (4.190 euros/m2), Cascais (3.881 euros/m2), Oeiras (3.281 euros/m2), Porto (2.941 euros/m2) e Funchal (2.640 euros/m2) a destacaram-se com os preços mais elevados entre os 24 municípios com mais de 100 mil habitantes.