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Política francesa transformada num vaudeville escrito por Macron

50 dias depois de o Executivo de Gabriel Attal ter renunciado, a 16 de julho, os franceses ainda não têm um novo governo. Emmanuel Macron é acusado de ter transformado o drama político gaulês numa comédia. O problema é a deterioração da economia.

As eleições para a presidência francesa serão apenas em abril ou maio de 2027, mas Emmanuel Macron – que já não poderá concorrer a um terceiro mandato – têm-nas constantemente em vista numa altura em que tenta encontrar uma solução governativa ao cabo de mais de 50 dias sem que o consiga fazer. Está muito longe do ‘recorde mundial’ de dias sem governo – o topo da lista continua a ser liderado pela Bélgica (493 dias desde as eleições de maio de 2019 e 650 desde a queda do governo então liderado por Charles Michel, recentemente substituído por António Costa na presidência do Conselho Europeu). Mas, segundo os jornais, os franceses começam a desesperar, até porque os grandes números da macroeconomia começam a evidenciar um perigoso abrandamento da atividade.

Os comentadores afirmam que o drama político para onde Emmanuel Macron atirou o país na sequência da vitória da extrema-direita nas eleições para o Parlamento Europeu há já muito que se transformou numa peça de vaudeville – é este o termo usado pelo circunspecto “Le Monde” – para a qual o presidente não consegue encontrar um fecho. No início desta semana, parecia que haveria um caminho em vista, mas tudo voltou a ficar baralhado quando, na passada terça-feira, o ex-primeiro-ministro (e o primeiro primeiro-ministro de Macron) Edouard Philippe, anunciou oficialmente a sua candidatura às presidenciais de 2027. “Serei candidato às próximas eleições presidenciais. Os franceses decidirão”, afirmou o chefe do partido Horizontes. Convém recordar que o seu nome era um dos ‘ministeriáveis’ desde as eleições antecipadas de junho-julho – com vários analistas a considerarem que seria um dos nomes mais ‘acarinhados’ pelo presidente – na tentativa de manter em alta a influência do Palácio do Eliseu sobre a política gaulesa.

Para Solenn de Royer, analista do “Le Monde”, o impasse de Matignon (a sede do governo), ligado à má-fé e aos cálculos táticos dos partidos, é também o do Presidente da República, de um método e de uma governação vertical que já mostrou os seus limites.

Claro que o país não está sem um governo em funções. E, ao contrário do que poderia pensar-se, não está propriamente em regime de gestão corrente. Pelo menos a ver pelo facto de, segundo a imprensa francesa, mais de 1.500 decretos, ordens e outros atos legais terem sido adotados pelo governo liderado por Gabriel Attal desde a sua renúncia no já longínquo dia 16 de julho. O Diário Oficial não deixa dúvidas sobre o assunto. Muitos deles, a maioria, são, segundo a mesma fonte, “assuntos ordinários”, com pouco ou nenhum conteúdo político, como prevê a norma que limita o papel de um governo que renunciou. Mas há também um lado ‘saboroso’: as nomeações de altos funcionários. Ou dito de outra forma: o governo Attal está a tratar de prover ao futuro dos que lhe são próximos – sendo o exemplo mais recente o de Jean-Benoît Eyméoud, até agora assessor para a Macroeconomia e Políticas Públicas do próprio primeiro-ministro.

Entretanto, a envolvente económica vai-se deteriorando, como fica evidente pelos indicadores económicos mais recentes. De acordo com os ministros das Finanças, Bruno Le Maire, e seu colega das Contas Públicas, Thomas Cazenave, as despesas dos municípios franceses tiveram um aumento “repentino”, ao mesmo tempo que as receitas caíram. Neste contexto, em 2024, o défice suplementar equivale a 16 mil milhões de euros de despesas não contabilizadas em relação à previsão enviada à Comissão Europeia, no segundo trimestre deste ano. Citado pela imprensa, o presidente da Comissão de Finanças da Assembleia, Eric Coquerel (do França Insubmissa), “diante de um quadro destes só existem duas políticas possíveis: aumentar a tributação dos mais ricos e aumentar os salários, para impulsionar a poupança”. Ora, isto é tudo o que os empresários não querem ouvir.

Desde o final de julho, a França está sob procedimento de controlo europeu por conta de défice excessivo: até 20 de setembro, o governo francês deve enviar a Bruxelas o seu plano de saneamento das contas públicas até 2027, data em que o teto dos 3% do PIB volta a entrar em vigor. Além do facto de em Matignon não haver provavelmente ninguém disponível para pensar no assunto até 20 de setembro, os empresários já fizeram saber que não querem nenhum aumento do salário mínimo. São 1.398,69 euros (líquidos, quase 1.800 brutos) que os patrões não querem ver alterados. E para isso apostam tudo nos moderados e vociferam contra todos os extremos. Em 2023, o défice francês fixou-se em 5,5% do PIB, enquanto a dívida pública do país atingiu os 110,6% do PIB. A economia cresceu 0,2% no segundo trimestre do ano – abaixo dos 0,3%apurados no primeiro trimestre, segundo o Instituto Nacional de Estatística francês (Insee). O aumento ficou a dever-se essencialmente ao aumento das exportações (mais 0,4%). O contributo da procura interna para o crescimento do PIB foi nulo no segundo trimestre, tal como no primeiro trimestre – ou seja: o rendimento disponível bruto das famílias aumentou 0,6% e a taxa de poupança das famílias passou de 17,6% no primeiro trimestre para 17,9% no segundo trimestre. O investimento caiu 0,4% no segundo trimestre, depois de ter recuado 0,5% no primeiro trimestre.

A federação patronal francesa Medef (que reúne 200 mil empresas) disse desde a primeira hora (antes das eleições) que os programas económicos do Reagrupamento Nacional (RN), de extrema direita, e da Nova Frente Popular (NFP), de esquerda, são “inadequados” e “perigosos”. “Várias medidas propostas pela Nova Frente Popular e pelo RN parecem ser inadequadas e até mesmo perigosas para a economia, para o crescimento e para o emprego em França”. “Se esses programas forem implementados em 2024 ou mais tarde”, levariam a “aumentos de impostos (…), a saída de investidores estrangeiros e a falências maciças de empresas e, portanto, perda de empregos”, alertava em junho passado. A Medef advertia que as propostas eram caras ou não tinham financiamento claro, encontrando-se entre as mais ‘inapropriadas’ a indexação automática dos salários à inflação, o salário-mínimo de 1.600 euros líquidos, o congelamento de preços e a redução do IVA sobre produtos energéticos.

Mas, para já, o drama ainda não chegou aos investidores: apesar de todas as promessas de abandono se os extremistas ganhassem, a evolução do principal índice francês, o CAC 40 – que desceu perigosamente nos dias a seguir às eleições para o Parlamento Europeu – não sofreu o rombo que muitos vaticinavam. Assim, fechou esta quarta-feira nos 7.575 pontos, bem melhor que os 7.279 pontos atingidos no dia 4 de setembro de 2023 – quando todo este carrocel ainda não estava no horizonte político de nenhum francês.

Recorde-se que a Assembleia francesa está dividida da seguinte forma: Esquerda Democrática e Republicana 17 lugares, La France insoumise 72, Ecologistas 38, Partido Socialista 66, Ensemble pour la République 99, Les Démocrates 36, Horizons et indépendants (os macronnistas) 3, Direita Republicana 47, A droite! 16 Rassemblement National 126, independentes 22 e não inscritos 7.