Entre dezembro de 2022 e junho de 2024, o peso dos cidadãos estrangeiros no stock de crédito à habitação aumentou de 6,9% para 8,2%, avançou o Relatório de Estabilidade Financeira.
"O crédito a cidadãos estrangeiros (residentes e não residentes) aumentou no período recente. Entre dezembro de 2022 e junho de 2024, o peso dos cidadãos estrangeiros no stock de crédito à habitação aumentou de 6,9% para 8,2%," revela o relatório.
O aumento da população estrangeira residente e a procura de habitação por não residentes contribuem para este crescimento.
Clara Raposo, Vice-Governadora do Banco de Portugal, explicou que "em 2023 e no primeiro semestre de 2024, a percentagem de novos créditos à habitação que foi concedida a cidadãos estrangeiros foi de 18%, o que significa que no nosso stock de crédito à habitação já temos, até ao primeiro semestre, mais de 8% de crédito concedido a estrangeiros, o que é uma novidade."
O perfil também mudou. Segundo Clara Raposo, entre os estrangeiros, há pessoas mais novas a contratar crédito à habitação em Portugal.
"Em termos agregados, este efeito estará também a ser potenciado por uma alteração no perfil de procura, em particular por uma maior procura de habitação própria e permanente por estrangeiros em idade ativa e de escalões etários mais baixos," refere o relatório.
O que é certo é que baixou a participação de compradores não residentes no mercado imobiliário residencial nos últimos anos.
"No primeiro semestre de 2024, os compradores de imobiliário residencial não residentes representaram 6% do número de transações e 10% do montante, um pouco abaixo do observado nos últimos anos," refere o documento.
O valor médio de aquisição de uma habitação de um comprador não residente (345 mil euros) manteve-se superior ao valor médio dos residentes (198 mil euros), revela o relatório.
Entre os não residentes, também se observa uma diferenciação no valor médio das aquisições entre compradores com residência fiscal na União Europeia, 280 mil euros, e nos restantes países, 408 mil euros.
Por sua vez, a população estrangeira residente em Portugal tem crescido significativamente, compensando os saldos naturais negativos e contribuindo para o crescimento da população total, com impacto nos preços da habitação.
De acordo com o “Parecer sobre A Conta Geral do Estado de 2023” do Tribunal de Contas, o número de residentes não habituais alcançou 115 mil inscritos em 2023.
"A procura por parte de estrangeiros com maior poder de compra e, assim, em segmentos mais elevados, com possíveis efeitos de contágio sobre outros segmentos, foi potenciada por algumas medidas. Numa primeira fase, destacou-se o regime de vistos-gold, que atribuiu o direito à residência a um comprador de habitação estrangeiro, perante a aquisição de uma habitação de valor igual ou superior a 500 mil euros," destaca o BdP.
Por sua vez, nos últimos anos, os benefícios fiscais incluídos no regime de residentes não habituais (em vigor desde 2009) têm-se destacado como fator de atratividade, segundo o relatório.
O Banco de Portugal ressalva também que as estimativas poderão não estar a captar adequadamente a participação de não residentes no mercado e os efeitos do turismo na determinação da oferta e da procura no mercado de habitação, fatores determinantes para a evolução dos preços durante os últimos anos.
Indícios de sobrevalorização no mercado residencial português persistem
O Banco de Portugal destaca no relatório que "os indícios de sobrevalorização no mercado residencial português persistem".
"No primeiro semestre de 2024, os indicadores estatísticos continuaram acima dos valores de referência para sinalizar potenciais situações de sobrevalorização," alerta o banco central.
Desde 2016, os preços da habitação quase duplicaram, enquanto o stock de crédito à habitação teve um crescimento moderado de 5%, constata o Banco de Portugal.
O rácio entre o índice de preços da habitação e o rendimento das famílias estava 24% acima da média de longo prazo, e o rácio entre os preços e as rendas estava 28% acima.
Também o índice de preços da habitação em termos reais se encontra acima da sua tendência de longo prazo, em 15%, acrescenta o BdP.
Outro fator revelado é que, em Portugal, o peso do crédito à habitação no rendimento disponível das famílias também se encontra abaixo da média da área do euro. No final do segundo trimestre de 2024, o crédito à habitação representou 53,8% do rendimento disponível das famílias em Portugal, menos 2,7 pontos percentuais do que no final de 2023. A média da área do euro, de 56,8%, igualmente diminuiu 2,9 pontos percentuais face a dezembro de 2023.
O Banco de Portugal destaca ainda que os empréstimos à habitação representavam 77,3% dos empréstimos bancários a particulares em junho de 2024.
O Relatório da Estabilidade Financeira diz que, de acordo com o inquérito aos promotores e mediadores que operam no mercado imobiliário residencial, "a atividade na primeira metade de 2024 foi moderada, sendo que as expetativas relativamente às vendas e procura de habitação são mais favoráveis para a segunda metade de 2024".
A expetativa de retoma das vendas é acompanhada de uma expetativa de continuação do aumento dos preços dos imóveis residenciais, refere o relatório.
"As respostas ao inquérito poderão estar a refletir a evolução recente das taxas de juro e as recentes medidas governamentais, que deverão traduzir-se num aumento da procura por habitação, com possível impacto nos preços," admite o BdP.
Um cenário de desenvolvimentos económicos adversos, a nível nacional e internacional, em particular se associados a uma maior restritividade e/ou prolongamento da restritividade da política monetária, poderá ter efeitos negativos na procura e nos preços do mercado imobiliário, defende o Banco de Portugal que ressalva, no entanto, que esses efeitos tenderão a ser reduzidos, em particular no segmento residencial, face à escassez de oferta no mercado português, que tem sustentado uma significativa e prolongada subida dos preços.
A oferta limitada de habitação nova e o stock de casas disponíveis no mercado igualmente limitado mitigam o impacto sobre os preços em caso de redução da procura. Assim, a mitigar um eventual risco para os bancos com origem no mercado imobiliário está a escassez de oferta de habitação, que contribui para o aumento dos preços no mercado imobiliário residencial.
"A escassez atual da oferta de habitação em Portugal deve-se à reduzida atividade de construção e conclusão de novas habitações nos anos subsequentes à grande crise financeira, que restringiu o crescimento do parque habitacional," explica o BdP.
Os dados do Relatório revelam que, nos últimos oito anos (entre 2015 e 2023), construíram-se menos de metade do número de novas habitações construídas nos oito anos anteriores (entre 2007 e 2014).
Num estudo recente, verifica-se que, nos últimos anos, a oferta de habitação em Portugal foi incapaz de contrabalançar a pressão ascendente sobre os preços associada aos fatores do lado da procura, segundo o banco central, que acrescenta que Portugal está entre os países da Europa com menos licenciamentos de novos fogos para habitação.
Entre 2013 e 2022, licenciaram-se, em Portugal, 17 fogos por cada mil habitantes, o que compara com 60 em França e 34 na Alemanha. Países com maior intensidade de licenciamento de novos fogos para habitação, como a Finlândia, Chipre, França e Suécia, apresentam um crescimento mais moderado dos preços da habitação.
"Depois da forte queda observada entre 2007 e 2014, o número de fogos para habitação familiar construídos por ano tem vindo a aumentar lentamente," salienta o relatório.
No primeiro semestre de 2024, os novos fogos concluídos aumentaram 3%, enquanto os licenciamentos caíram 8%, contrariando a trajetória de crescimento que se verificava desde 2016.
O relatório aponta que o inquérito aos obstáculos à atividade de construção identifica a falta de mão-de-obra e de materiais, e a dificuldade na obtenção de licenças de construção como os principais condicionantes da atividade.
Destaque ainda para a percentagem de empresas que apontam ter dificuldade em obter crédito e em lidar com o nível das taxas de juro, que permanece contida.
"A falta de mão-de-obra e de materiais reflete-se em custos de construção elevados, que se transferem para o preço das novas habitações," refere o relatório.
Entre dezembro de 2019 e dezembro de 2023, os custos da construção subiram 25% (a inflação acumulada neste período foi de 15%), sendo que, ao longo de 2024, o custo dos materiais estabilizou e o custo da mão-de-obra continuou a aumentar (taxa de variação homóloga de 8,5% em setembro).
Baixa expressão do mercado de arrendamento
A travar a queda dos preços da compra de casas, e a par com a escassez de oferta, está ainda a pequena dimensão do mercado de arrendamento e o número elevado de habitações secundárias e desocupadas.
Em 2021, 922 mil alojamentos familiares estavam arrendados, correspondendo a 15% do parque habitacional, segundo o relatório.
O Banco de Portugal lembra que um número significativo de países tem um peso do mercado de arrendamento superior a 30%.
Adicionalmente, 31% do parque habitacional português não tem ocupação permanente, sendo que 19% são habitações secundárias e 12% são habitações desocupadas.
"A percentagem de habitações desocupadas figura entre as mais elevadas da área do euro, comparando com 14% em Espanha, 8% em França, 7% na Irlanda e 3% nos Países Baixos (Observatório Europeu da Habitação)," lê-se no relatório.
"Em 2022, o parque habitacional contava com 6 milhões de alojamentos familiares, mas uma parte poderá não corresponder às atuais características da procura," adianta o BdP.
Por outro lado, a menor dinâmica de construção na última década refletiu-se no envelhecimento dos alojamentos familiares. Entre 2011 e 2021, aumentou o número de alojamentos familiares com necessidade de reparações, sendo que, em 2021, um terço dos alojamentos familiares estava localizado em edifícios com necessidade de reparações.
"A reabilitação do parque habitacional, apesar de se ter intensificado nos últimos anos, é reduzida," diz o banco central, que cita dados do INE sobre o Parque Habitacional de 2011–2021.
Por sua vez, o aumento do número de agregados familiares nos últimos anos (9% entre 2011 e 2023) foi superior ao crescimento da população (0,8%), "colocando uma pressão adicional na procura".
"Os agregados familiares têm atualmente uma menor dimensão em termos médios e, por isso, diferentes necessidades no que se refere às características da habitação," acrescenta o documento.
No primeiro semestre de 2024, os novos empréstimos à habitação (excluindo transferências) representaram 35% do montante de transações de habitação, sendo que esta percentagem é inferior à média no período compreendido entre 2018 e 2023, segundo a mesma fonte.