Qual o balanço que faz do seu mandato à frente da OSAE?
Foi um mandato marcado pela instabilidade política e, obviamente, isso traz desafios e condicionantes. Materializemos: ao longo deste mandato, levámos as nossas propostas e reivindicações a três ministras da Justiça. Quer queiramos, quer não, estamos perante um fator impeditivo do desenvolvimento de projetos estruturais e que impliquem compromissos a longo prazo. Além disso, e sem esquecermos que assumimos a direção num período ainda muito marcado pelos impactos da pandemia, enfrentámos o processo de revisão dos Estatutos das Ordens Profissionais, associado ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Foi um processo demorado, exigente e que, pelos prazos impostos, ocupou intensamente os recursos da OSAE. A verdade é que, apesar de distantes da satisfação plena, só com este foco e entrega conseguimos impedir retrocessos perigosos para as profissões que representamos e, acima de tudo, para os cidadãos. Conseguimos, inclusivamente, travar uma proposta que passava pela extinção desta e de outras ordens profissionais. Posto isto, e tendo sido um mandato mais curto do que o expectável, o balanço só poderá ser: fizemos o possível e procurámos sempre fazer o melhor, restando a certeza de que gostaríamos de ter feito muito mais.
Houve alguma alteração legislativa ou regulamentar significativa que impactou diretamente o trabalho dos solicitadores e agentes de execução?
Sem dúvida. A revisão dos estatutos das Ordens Profissionais e, ainda, da Lei dos Atos Próprios dos Advogados e Solicitadores trouxe incongruências que continuamos a tentar dirimir. Por exemplo, continua a ser gritante a incoerência dos limites impostos às ações cíveis assumidas por solicitadores. É essencial que se avance com a revisão dos valores estabelecidos e que passe a estar prevista a possibilidade de estes profissionais discutirem e alegarem questões de Direito. Outro exemplo: não faz qualquer sentido a incompatibilidade do exercício da solicitadoria com a mediação imobiliária. Isto permite que solicitadores, inscritos na OSAE, tenham de concorrer com licenciados, os quais, naturalmente, não estão sujeitos às regras impostas aos nossos associados.
Que iniciativas marcaram o ano? Na sua visão, quais foram os maiores avanços ou conquistas alcançados pela classe em 2024?
Olhando apenas para 2024, destaco todos os avanços dados no âmbito da implementação do protocolo de cooperação com a AIMA, essencial na resolução de um problema estrutural e que condiciona a vida de milhares de pessoas. A par disto, saliento todos os momentos de diálogo e cooperação com a tutela.
Tenho ainda de fazer referência às Jornadas de Estudo que promovemos, marcantes na vida interna da classe, mas também no debate de grandes questões que se fazem sentir na atualidade.
Por fim, e no plano internacional, relembro o facto de dirigentes da OSAE terem passado a integrar as direções da Union Internationale des Huissiers de Justice (UIHJ) e da Union Européenne des Huissiers de Justice (UEHJ), bem como a vitória da candidatura de Portugal para acolher o Congresso Internacional da UIHJ previsto para 2027. Sendo inegável que o fenómeno da globalização também tem impactos no funcionamento da Justiça, estes factos assumem uma relevância incontestável e corroboram o quanto Portugal tem sido apontado como um exemplo no desenvolvimento e implementação de boas práticas, nomeadamente na ação executiva. E, neste contexto, relembro ainda o facto de a OSAE estar integrada no novo projeto europeu eFILIT, tendo em vista uma melhor implementação da legislação da União Europeia (UE) através da formação interprofissional, bem como o acordo de parceria celebrado com a FACUL – Centro Académico Digital, visando a promoção conjunta de formações profissionais focadas nas temáticas do processo executivo, nos dois países – Portugal e Angola.
No início do ano passado assinaram um contrato de cooperação com a AIMA para a verificação de processos de imigrantes. Como está a correr?
Tal como noutras circunstâncias, como aquando da reforma da ação executiva e da questão do cadastro, a OSAE quis fazer parte da solução e, mais uma vez, contou com a disponibilidade e interesse dos seus associados. Em poucos dias, cerca de 750 solicitadores formalizaram a sua candidatura e manifestaram o seu interesse em participar na resolução deste problema. Um problema com impactos diretos e bem visíveis nas vidas das pessoas e na vida do país. Com toda a sua experiência, competência, empenho, idoneidade e forte dimensão ética e deontológica, os solicitadores estão a reforçar a capacidade de resposta da administração pública e a fazer a diferença no cumprimento de uma missão que, na verdade, nos mobiliza diariamente: o serviço à causa pública e a defesa dos direitos humanos.
Assim sendo, e estando em pleno funcionamento, só podemos fazer um balanço positivo desta cooperação com a AIMA e com a Estrutura de Missão para a Recuperação de Processos Pendentes. Afinal de contas, uma decisão, por melhor e mais acertada que seja, jamais poderá ser justa se demorar anos a ser tomada. Estamos, portanto, a trabalhar para que haja mais e melhor Justiça, ao acesso de todas e de todos e num tempo que não a torne injusta. E, claro, para que, no lugar de um problema, surjam uma solução, confiança no país e esperança no futuro.
Que tendências observou em relação à litigância, cobrança de dívidas e mediação de conflitos?
Falando apenas sobre a ação executiva, e conscientes de que as tendências refletem o contexto socioeconómico, a verdade é que a intervenção do agente de execução continua a ser determinante na resolução dos processos e na redução da pendência – uma redução que é inegável, designadamente desde a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, em 2013, e com a implementação de mecanismos como a penhora eletrónica de saldos bancários.
Algo que tem vindo a marcar a Ordem é a alteração dos estatutos das ordens profissionais. Como tem sido?
Como tive oportunidade de referir, foi um processo exigente e cujos resultados estão distantes do que ambicionávamos. Tivemos a oportunidade de expressar isso mesmo às tutelas (anterior e atual), alertando para riscos e incongruências. Seja como for, e ainda não tendo este processo sido revisitado, temos procurado, dentro do possível, minimizar os impactos e garantir, por um lado, a resposta ao que está estabelecido (as eleições, agora ocorridas, são prova disso e permitem a entrada em funcionamento dos novos órgãos) e, por outro, o bom e pleno funcionamento da Ordem, tendo em vista o cumprimento da sua missão.
Qual o balanço que faz da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS)?
A pandemia deixou evidentes as fragilidades do regime existente para solicitadores/agentes de execução e advogados. Já havia provas de que assim era, designadamente em situação de doença ou aquando da chegada da parentalidade. Mas a verdade é que foi angustiante o que vivemos naqueles tempos em que fomos forçados a parar e em que, sem qualquer rendimento, tivemos de continuar a pagar as contribuições para a CPAS. Na altura, a OSAE tentou minimizar o problema e, tendo em conta as suas atribuições e competências, estabeleceu a possibilidade de suspensão da cédula profissional. Mas não tinha de ser assim… E este capítulo menos feliz da história da CPAS deu lugar ao questionamento da sua pertinência. Assim sendo, neste momento, e embora esteja prestes a terminar o meu mandato, creio que compete à direção da OSAE aguardar os resultados do estudo que está a ser levado a cabo pelo grupo de trabalho criado para o efeito e, obviamente, pugnar pelo cumprimento da deliberação aprovada pelos seus associados, a qual vai no sentido da implementação da livre escolha.
Como está a situação da revisão salarial dos agentes de execução?
Os agentes de execução terminaram o ano na mesma condição em que estão há mais de 10 anos. Sim, a tabela remuneratória dos agentes de execução não é revista há mais de uma década e este é um aspeto que faz toda a diferença na garantia da máxima idoneidade destes profissionais, que têm de ser devidamente recompensados pelo seu trabalho. Um trabalho que, estando tantas vezes associado a riscos e ameaças à integridade física, também tem impactos na saúde mental.
Como é que vê a possibilidade de eliminação de substituição do agente de execução pelo exequente?
Como algo que tem de acontecer urgentemente. Não pode existir qualquer condicionante que ameace a imparcialidade do agente de execução. Porque é isso que importa realçar: o agente de execução executa uma decisão judicial e não atua em nome de um qualquer interveniente – seja exequente ou executado. Assim sendo, não faz qualquer sentido permitir a substituição do agente de execução a pedido do exequente, comprometendo a transparência e neutralidade do processo.
Como correu o ano para as plataformas informáticas da OSAE?
Quando falamos de plataformas informáticas, falamos de evolução e atualização permanentes. Assim foi, por exemplo, com o Sistema Informático de Suporte à Atividade do Agente de Execução, o qual comunica com dezenas de entidades e assegura milhares de consultas essenciais ao processo executivo. Para melhor compreendermos o seu alcance, basta recordar que a penhora de saldos bancários acontece de forma eletrónica. O mesmo aconteceu com a plataforma GeoPredial, a qual continua a ter um papel muito relevante na georreferenciação de terrenos e na conservação desse levantamento, assim como com a plataforma e-Leilões, que continua a possibilitar a venda de bens penhorados a valores mais justos e que, além da liquidação da dívida, chegam a contribuir para os necessários recomeços. Aliás, esta última registou uma evolução tecnológica e uma transformação ao nível da usabilidade, logo no início do ano de 2024.
E, claro, não posso deixar de referir toda a colaboração que a OSAE tem assegurado no contexto da transição digital na Justiça. Recordemos o que aconteceu no âmbito da regulação e operacionalização da citação e notificação por via eletrónica das pessoas singulares e das pessoas coletivas. Nas reuniões que tivemos com a tutela, deixámos sempre clara a disponibilidade da OSAE para trabalhar e cooperar com todos os recursos e organismos do Ministério da Justiça, em prol da plena interoperabilidade e do real funcionamento da solução em causa.
Quais as prioridades que a OSAE deve considerar estratégicas para 2025? Existe alguma expectativa de mudanças legislativas ou de novos regulamentos que possam impactar a classe? De que forma a Ordem planeia fortalecer a formação e o reconhecimento dos seus membros?
Estando o mandato da atual direção a chegar ao fim, apenas poderei responder enquanto associado de uma casa que quero que continue a afirmar-se como um exemplo de cooperação, diálogo, inovação e espírito de iniciativa. Esse tem sido o segredo do sucesso e acredito que assim continuará a ser. Afinal de contas, esta atitude é, na verdade, o que define os profissionais que orgulhosamente a OSAE representa. E, por isso, tudo temos feito para que, por exemplo, haja mudanças no acesso ao Direito, designadamente no que respeita ao apoio judiciário na modalidade de atribuição de agente de execução e, também, em relação à possibilidade de exercício por parte de solicitadores – algo que viria melhorar a resposta do sistema de Justiça e contribuir decisivamente para a proteção do superior interesse do cidadão. Posto isso e como associado da OSAE, torço para que o progresso seja uma constante, para que novas áreas de intervenção se conquistem, para que solicitadores e agentes de execução permaneçam como peças essenciais ao bom funcionamento da Justiça e para que a OSAE continue a fazer a diferença enquanto parte da solução.