O Governo prepara-se para anunciar nos próximos dias o lançamento do concurso para a construção e concessão do primeiro troço da ligação de Alta Velocidade entre o Porto e Lisboa. Mas como chegámos até aqui? O que foi feito e o que falta fazer? E o lançamento do concurso garante, como deixou implícito o primeiro-ministro demissionário, António Costa, que Portugal não perde verbas comunitárias para co-financiar o projeto? A resposta à última pergunta acaba por trazer mais luz às restantes.
É um facto: o concurso público para as PPP que vão ser escolhidas para conceber e construir o primeiro troço da linha de Alta Velocidade Porto/Lisboa tem de ser lançado até dia 30 deste mês. Sem ele ficam em risco cerca de 729 milhões de euros em fundos comunitárias que poderiam comparticipar o custo total do projeto. Mas o seu lançamento não garante que estas verbas sejam mesmo adjudicadas. Apenas garante o “nível mínimo de admissibilidade de uma nova candidatura” de Portugal ao programa [denominado CEF2] que dá acesso aos fundos, indica uma “informação de serviço” da Direção-Geral dos Assuntos Europeus, a que o Jornal Económico teve acesso.
Esta informação foi pedida pelo gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Europeus aos vários serviços para responder a dúvidas colocadas quanto a esta matéria e tem a data de 5 de dezembro.
A mesma nota indica que “a fase 1 do projeto de Linha de Alta Velocidade Porto-Lisboa é constituída pelos troços Porto/Oiã e Oiã/Soure e tem associado um investimento superior a 3,5 mil milhões de euros”. Logo aqui há uma discrepância com o que foi anunciado no lançamento do projeto, no final do verão de 2022. Nessa altura o valor estimado para a primeira fase era de 2.950 milhões de euros. De acordo com o jornal “Eco”, para o aumento de cerca de 20% contribuiu “a elevada inflação que se fez sentir nos materiais de construção”, sobretudo em algumas parcelas do projeto.
Depois, a nota explica que o desenvolvimento doprojeto “pode beneficiar de 729 milhões de euros ao abrigo do Programa Connecting Europe Facility for Transport (CEF2), na sua componente de ‘envelope coesão’”. E explica a atual pressa de fechar tudo até ao final do mês. Estes fundos estão afetos em exclusividade a Portugal até à “Call 2023”, publicada em 26 de setembro de 2023, cuja apresentação de candidaturas termina em 30 de janeiro.
“Caso não seja aprovada uma candidatura associada ao desenvolvimento do projeto de Linha de Alta Velocidade Porto /Lisboa no quadro da Call 2023, os montantes do ‘envelope coesão’ consignados a Portugal ficarão disponíveis em regime concorrencial para todos os 15 Estados-membros elegíveis para o Fundo de Coesão”. Ou seja, Portugal terá de concorrer com os projetos dos outros países e a sua adjudicação a Portugal resultará apenas do mérito do projeto nacional.
Mas por que razão Portugal não candidatou o primeiro troço da Alta Velocidade Porto/Lisboa mais cedo? Na verdade, Portugal fez isso mesmo: apresentando o projeto à Call 2022.
Indica a mesma nota dos serviços do MNE: “no âmbito da Call 2022, Portugal candidatou o projeto da fase 1 da Linha de Alta Velocidade Porto /Lisboa (troços Porto/Oiã e Oiã/Soure), no valor de 729 milhões de euros de financiamento europeu. Portugal salientou que esta infraestrutura ferroviária, integrada na RTE-T Ferroviária Principal e no Corredor Atlântico, configurava-se de vital importância para o desenvolvimento da alta velocidade numa perspectiva quer nacional, quer ibérica/europeia”.
Só que esta candidatura foi chumbada. Primeiro, porque Portugal candidatou o projeto sem lhe juntar a sempre obrigatória Declaração de Impacte Ambiental e também ser ter lançado o concurso para a PPP de concepção e construção.
“Não obstante sinalizar os méritos do projeto, a Comissão Europeia assinalou que este não apresentava ainda um nível de maturidade adequado, resultante no essencial da não existência de uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) e de o concurso para a atribuição das Parcerias Público-Privadas não ter ainda sido lançado. Por esta razão, a Comissão/CINEA [Agência de Execução Europeia do Clima, das Infraestruturas e do Ambiente] considerou que não era possível selecionar o projecto no contexto da Call 2022”, sublinha nota de informação.
E complementa que mais tarde, “em reuniões realizadas entre as autoridades portuguesas e a CINEA e a DGMOVE [Direção Geral da Mobilidade e dos Transportes, da Comissão Europeia], foi referido por estas entidades que o lançamento do concurso público relativo à primeira fase do projeto de LAV Porto /LIsboa será fundamental para garantir o nível mínimo de admissibilidade de uma nova candidatura ao programa CEF2”. Ou seja, garante o “nível mínimo de admissibilidade”, mas não garante a aprovação.
Por outro lado, com a candidatura entregue dentro do prazo (incluindo as DIA, que já existem, e o lançamento do concurso), a Comissão Europeia tem até, pelo menos, julho de 2024 para dar uma resposta de sim ou não, indicou à Lusa uma fonte oficial do executivo comunitário.
Há um outro potencial engulho no caminho: a data de conclusão dos projetos. O regulamento que enquadra a Call 2023 (aquela cujo limite termina no final deste mês) estabelece o final de 2028 como o prazo limite para a conclusão dos projetos candidatados. Isso significa que todos os projetos que estão contemplados na primeira fase – que incluem uma nova travessia sobre o Douro, estações ferroviárias novas em alguns pontos do trajeto, adequação da linha do Porto até Oiã e de Oiã até Soure, bem como as obras de arte [termo técnico para os equipamentos essenciais à ferrovia] ao longo do percurso têm de estar prontos até ao final de 2028. Isto num processo que ainda não tem concurso lançado, nem estão publicadas as peças de projeto a concurso, nem tem candidato escolhido.
Claro que Portugal poderá candidatar o projeto da Linha de Alta Velocidade Porto/Lisboa nas “calls” seguintes – ou seja a de 2024 e a de 2025 – “mas num contexto de concorrência com os restantes 15 Estados-membros (da coesão)”, conclui a nota dos serviços do MNE.