Terminou ontem o prazo para os partidos apresentarem propostas de alterações ao relatório preliminar da comissão de inquérito parlamentar (CPI) à tutela política da gestão da TAP, da autoria da deputada socialista Ana Paula Bernardo, que foi alvo de várias críticas por toda a Oposição, que critica um documento feito à medida para que não exista qualquer consequência política para o Governo e sinaliza omissões como a atuação do ministro João Galamba e o caso SIS.
À exceção da Iniciativa Liberal, todos os partidos da Oposição entregaram propostas de alteração e o PSD optou por apresentar conclusões próprias que, o Jornal Económico sabe, passarão por defender a existência de ingerência política na companhia aérea e denunciar os acontecimentos no ministério das Infraestruturas, que culminaram no não envio ao Parlamento de muitas das notas relativas à TAP que constavam do computador do ex-adjunto do ministro João Galamba, equipamento que acabou por ser entregue ao SIS e recuperado posteriormente pela PJ.
Também o Chega reclama responsabilidades políticas de João Galamba nas notas sobre a TAP que nunca chegaram às mãos dos deputados.
Na CPI à TAP, os deputados do PSD pediram, entre outros, esclarecimentos sobre a classificação de documentos e o envio das notas respeitantes à TAP que estavam no PC de Frederico Pinheiro, mas os socialistas acabaram por chumbar os pedidos de documentação. Em causa estão notas que Pinheiro tirou ao longo dos anos, que, segundo o maior partido da Oposição, é o centro do objeto desta CPI, na medida em que podem conter algo de comprometedor para a posição política de algum ministro – incluindo de João Galamba - ou para o primeiro-ministro no âmbito do escrutínio à tutela política da gestão da companhia aérea.
O PSD tinha já avançado que iria apresentar as suas próprias conclusões por escrito, que deverão ser hoje anunciadas, e o Chega iria propor "alteração estrutural profunda" ao relatório da CPI. Já a Iniciativa Liberal garantiu “não participar em farsas" e comprimiu o prometido: não fará propostas de alteração.
O Bloco de Esquerda, que propôs esta CPI no seguimento da polémica indemnização de meio milhão de euros, disse, por sua vez, que está em causa “uma omissão”, uma vez que “o país assistiu a trabalhos da comissão de inquérito que não estão no relatório”, algo que classificou como incompreensível. E o PCP, por último, diz acreditar que o documento foi desenvolvido para "defender e justificar" a privatização da companhia e criticou que não tenham sido retiradas consequências do incumprimento do estatuto do gestor público.
O PSD, que vai votar contra o relatório, garantiu que “não se pode rever na tentativa de salvar o ministro João Galamba e na tentativa de o primeiro-ministro ter uma saída airosa num relatório levezinho”, segundo deputado social-democrata Paulo Moniz. Luís Montenegro também já comentou o relatório, que considera “tendencioso”, “faccioso” e que "branqueia toda a ação dos membros do Governo”.
Também o Chega inclui as notas de Frederico Pinheiro como parte dos pedidos de alteração ao relatório preliminar da CPI à TAP, como explicou o deputado Filipe Melo ao Jornal Económico.
As propostas de alteração
A par com as notas de Frederico Pinheiro, o Chega vai "pedir que seja alterada a questão de Lacerda Machado ter passado à margem do relatório quando foi consultor do Governo para a TAP e depois integrou a administração da TAP".
A questão do gestor público é outra das propostas de alteração do Chega. "A questão do gestor público também e da colegialidade que houve por parte da CEO para com o ministério das Infraestruturas em que pede autorização para fazer um pagamento, é-lhe dada essa autorização e depois é demitida por incumprir com os estatutos de gestor público quando o próprio Fernando Medina tinha dito que não achava que tivesse agido de má fé ou com conhecimento do estatuto de gestor público", detalhou Filipe Melo.
O Chega vai ainda pedir "que seja substituído o não haver interferência política quando houve, como o caso da alteração do voo do Presidente da República, o facto de Hugo Mendes ter dito que a única porta de entrada da companhia era o ministério das infraestruturas".
Do lado do BE, Pedro Filipe Soares explicou que o partido não apresenta "um novo relatório", mas sim "propostas de alteração com base no raciocínio da relatora". A primeira proposta dos bloquistas remete para a própria CPI. "A comissão parlamentar de inquérito não é só agora que está a sofrer pressões, não é só agora com as declarações de Pedro Adão e Silva, não é a primeira vez que o PS tenta pressionar a comissão parlamentar de inquérito", afirmou Pedro Filipe Soares em conferência de imprensa. "Essa é a primeira das propostas de alteração".
Tal como Chega também o BE tem entre as propostas "os contratos de gestão pública". "Diz-nos a sua relatora que os contratos de gestão, dá ela a entender, cuja responsabilidade era dos conselhos de administração das empresas". "Do nosso ponto de vista as audições não permitem tirar tal conclusão", frisou.
Além disso, Pedro Filipe Soares apontou "a tentativa de desvalorização das obrigações legais". "Isso é uma das correções que nós fazemos ao relatório porque não se pode retirar, como retira a relatora que acaba por haver uma aceitação sem responsabilidade da tutela sobre o incumprimento legal".
"Não, houve incumprimento legal, ele era conhecido e a responsabilidade última é sempre do poder político", considerou.
A IL depois de ter feito na semana passada uma "avaliação negativa" do documento e sinalizado que a Iniciativa Liberal "não participa em farsas", cumpriu o prometido e não entregou qualquer proposta de alteração. Rui Rocha tinha assegurado que o partido "nem quer fará qualquer tipo de proposta de alteração" ao documento, que é "uma tentativa de enganar os portugueses", lembrando que há “uma diferença brutal” entre o que é dito no relatório e aquilo que os deputados acompanharam “durante horas”.
A discussão e votação do relatório em comissão parlamentar de inquérito está marcada para 13 de julho e a sua apreciação em plenário para 19 de julho.
Omissões e ingerência política afastada
O relatório preliminar da CPI concluiu que “não se registam situações com relevância material que evidenciem uma prática de interferência na gestão corrente da empresa por parte das tutelas”.
Ana Paula Bernardo afasta assim do documento qualquer ingerência política como é o caso do pedido de alteração de voo do Presidente da República por iniciativa da agência de viagens e da CEO da TAP. Considera aqui que se tratam de meras “iniciativas de membros da Administração da TAP solicitando à tutela uma orientação ou tomada de decisão sobre assunto concreto”. Ou, diz, “situações em que a tutela intervém quando uma decisão de gestão da administração assumiu repercussões políticas, num contexto delicado da vida da empresa e dos enormes sacrifícios que estavam a ser impostos aos trabalhadores, como os cortes salariais e os despedimentos. É o caso da substituição da frota automóvel“.
A CPI apurou também “não existirem evidências de que a tutela acionista da TAP, o Ministério das Finanças, tivesse tido conhecimento do processo de saída de Alexandra Reis", refere-se.
O documento iliba também o antigo ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos, alegando que o ex-ministro não conhecia o clausulado do acordo assinado com Alexandra Reis. A maior parte das ‘culpas’ são, assim, atribuídas à ex-CEO da TAP e aos advogados da companhia (da SRS, do lado da TAP, e Morais Leitão, pela parte da ex-administradora).
Os advogados externos da TAP são, assim, responsabilizados, ficando com o ónus de terem negociado um acordo que viola o EGP e elaborado um comunicado que foi enviado à CMVM com informação que não estaria 100% de acordo com a verdade, sobre a demissão de Alexandra Reis.
A relatora da CPI, Ana Bernardo, rejeita ainda que a utilização de mensagens de WhatsApp - onde Pedro Nuno Santos deu o seu O.K. ao pagamento da indemnização - permita concluir que o processo não tenha sido formal e defende a legalidade da demissão da ex-CEO. A deputada do PS chega mesmo a defender que Pedro Nuno Santos e o seu secretário de Estado Hugo Mendes “assumiram as suas responsabilidades políticas na gestão deste processo, tendo apresentado as suas demissões em 28 de dezembro de 2022”.