“A guerra comercial com a China, que Trump tão confiantemente previu que resultaria num grande acordo, torna-se agora uma ameaça, característica permanente das relações EUA-China. Possivelmente tem menos haver com as questões comerciais específicas em disputa do que com o estilo de negociação e os princípios operacionais amplamente diferentes das lideranças dos dois países.
Lembremos que a disputa passou por vários estádios, conversas de alto nível e acusações mútuas. Trump é o dono desta guerra comercial: ele condenou as práticas comerciais injustas da China e o consequente superávite comercial abismal por muitos anos. Como presidente, aproveitou a oportunidade para colocar em prática a sua hostilidade em relação à China. A China é seu principal inimigo. Ele disse há muito tempo que, se fosse presidente, seria capaz de forçar a China a recuar. Segundo Trump, a China precisa mais de nós do que nós da China.
Salvo uma mudança drástica no pensamento em Washington ou em Pequim, Trump vai continuar com a ameaça de aplicar a taxa tarifária de 25% a 300 mil milhões de dólares resultantes de importações chinesas. Este cenário vai obrigar as empresas chinesas a refletir, nomeadamente a Huawei, a gigante das telecomunicações, que vai diminuir a dependência de componentes fabricados nos EUA, e, possivelmente, abdicar da sua utilização. A Hikvision, líder em equipamentos de vigilância por vídeo, pode ser a próxima - e não por questões de direitos humanos. O que Trump está a fazer está em linha com o seu estilo de empresário: ameaçar o adversário, evitar concessões, não desistir e, acima de tudo, vencer.
O problema do estilo agressivo de Trump é que o seu homólogo chinês tem uma longa história em lidar com ameaças de um país mais poderoso, tipicamente denunciando-os como “intimidação” e “humilhação”. Nem Trump nem os seus conselheiros têm a menor noção da história e do poder do nacionalismo chinês. Um deles, Mike Pompeo, acha que a luta com a Huawei é ideológica: ou “valores ocidentais” ou valores comunistas dominam a Internet, diz ele. Pode-se imaginar o que Trump pensa ao ler as traduções da imprensa chinesa de como Xi Jinping e a liderança do partido estão a reagir a este último ataque estrangeiro: as referências a uma nova “Longa Marcha”, superar dificuldades e defender o caminho do desenvolvimento económico chinês que agora chama de “interesse nacional”.
“O que é mais importante”, diz Xi, “é que ainda fazemos bem as nossas coisas”. Por outras palavras, a China não se irá desviar do seu percurso, no qual sempre se deu bem e pode até mesmo ter dado como uma vantagem moral, com alguns dos melhores aliados da América, por exemplo os japoneses e os coreanos, que também sentiram a mão pesada do estilo comercial de Trump.
Trump, evidentemente, está convencido de que os chineses acabarão por ceder às exigências comerciais dos EUA. Sem dúvida que está certo de que a guerra comercial prejudicará a economia da China mais do que a economia dos EUA, mas é muito improvável que a liderança chinesa acate as exigências de Trump por esse motivo. História, rosto e opinião pública fornecem a espinha dorsal considerável para resistir aos americanos. Tão pouco a “grande amizade” de Trump com Xi fará diferença - não mais do que seu caso amoroso com Kim Jong-un influenciou a estratégia de Kim. Trump pode pensar que sorrisos e recepções glamorosas transcendem os interesses nacionais, mas isso certamente não é a visão que os chineses partilham. Se alguma coisa que Trump provou a Xi é que as avaliações chinesas iniciais de compatibilidade com o novo presidente dos EUA estavam muito enganadas.
Apesar da perspetiva pessimista de muitos observadores, a dor recíproca e as realidades políticas podem levar a uma solução temporária para o comércio, o que será benéfico para as empresas americanas e chinesas, bem como para os investidores chineses e acionistas de Wall Street. Mas esse acordo comercial, entre outros como o NAFTA 2, não oferecerá proteções exequíveis aos trabalhadores. Esse é o ingrediente que falta, também, na maioria dos relatos noticiosos que fazem parecer que o “comércio” é apenas sobre fretes e mercados, assim como os governos dos EUA e da China o veriam.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China disse em 23 de maio que, se a atitude dos EUA for “sincera” e “séria”, a China voltará à mesa de negociações. Mas acrescentou que “um bom acordo deve ser fundamentado no respeito mútuo, igualdade e benefícios iguais”. Esses princípios antigos chineses só podem ser entendidos num contexto histórico. O lado americano percebe o que está na base desses princípios? A primeira referência a “interesses de Estado”, geralmente reservada a Taiwan e ao Tibete, sugere uma linha vermelha chinesa que a administração Trump deve tomar como uma indicação de que “vencer” não é uma meta realista?
A guerra comercial é muito mais do que a competição tecnológica, a soja e até mesmo os direitos dos trabalhadores. É a ponta do icebergue, apenas um reflexo de uma ordem mundial que, para os chineses, está a mudar rapidamente. O relacionamento EUA-China é o mais importante do mundo e pensá-lo em termos de “aquele que ganha” é um jogo de perdedores. Se os EUA e a China não chegarem a acordo, as hipóteses de um resultado violento, seja intencional ou por erro de cálculo, aumentam significativamente. Infelizmente, os principais ingredientes para o acordo estão em falta: a compreensão mútua, a busca de uma base comum, e a igualdade e responsabilidade global, bem como social.