A proposta de Lei do Trabalho apresentada pelo Governo de Luís Montenegro é "manifestamente positiva", caso passe pelo Tribunal Constitucional, e deverá ser "uma ferramenta essencial" para renovar o tecido empresarial e combater o desemprego, considera Nuno Cerejeira Namora, advogado especialista em Direito do Trabalho e sócio fundador da Cerejeira Namora, Marinho Falcão. Contudo, fica também um conselho. Esta reforma deveria e poderia "ter ido mais longe".
Sobre o conteúdo da nova Lei do Trabalho, apresentada pelo executivo, Nuno Cerejeira Namora considera que o projeto lei vem "aumentar" os direitos dos trabalhadores e "flexibilizar" a prestação de trabalho. Na visão do advogado, com as mudanças que foram introduzidas pelo Governo, os empregadores "nunca mais se poderão queixar" da rigidez da legislação laboral.
"Os patrões ficam sem desculpas", reforça Nuno Cerejeira Namora.
Numa análise mais detalhada da proposta apresentada, Nuno Cerejeira Namora refere que, no que diz respeito às questões de afetam a parentalidade, estas "devem ser analisadas de um ponto de vista fáctico, com a devida frieza que a sensibilidade e seriedade" do assunto exige.
Ainda na questão da parentalidade, e mergulhando no tema da amamentação, que tanta polémica provocou, o especialista em Direito do Trabalho considera que atualmente Portugal possui "um dos regimes mais favoráveis" da Europa. Contudo existem assuntos, dentro deste tema, que necessitam de maior clareza.
"É importante clarificar se o legislador pretende uma dispensa com duração máxima de duas horas diárias para as mães que estão a amamentar ou, ao invés, atribuir uma dispensa diária a todas as mães, independentemente ou não de estarem a amamentar", considera Nuno Cerejeira Namora.
"Defendo a possibilidade de ser atribuída uma dispensa até aos dois anos de idade, que seria quase equiparada a um regime de trabalho a tempo parcial. No entanto, o ónus do pagamento da respetiva retribuição tem de pertencer ao Estado. Seria um verdadeiro incentivo à natalidade. Da mesma forma, estaria não só a apoiar o tecido empresarial, como também a minimizar potenciais conflitos laborais, preservando o direito das progenitoras, bem como garantindo o bem-estar das crianças em tão tenra idade", defende o especialista em Direito do Trabalho.
Advogado saúda alterações no horário de trabalho
Nuno Cerejeira Namora analisa também outro tema que no seu entender tem gerado polémica referindo-se ao regime de horário flexível que é proposta pelo executivo de Luís Montenegro, considerando que as mudanças que o Governo pretende introduzir nesta área são positivas e "evita potenciais discriminações" entre trabalhadores.
"Atualmente, verifica-se a possibilidade de os pais de filhos menores de 12 anos ou, independentemente da idade, pais de filhos com deficiência ou doença crónica que com eles vivam em comunhão de mesa e habitação, trabalharem em regime de horário de trabalho flexível. A lei em vigor estabelece que o horário é elaborado pelo empregador", explica Nuno Cerejeira Namora.
"Com o regime atual, não só estamos perante uma colisão de direitos entre empregadores e trabalhadores, pois, como se disse, um dos direitos essenciais do empregador é a elaboração do horário de trabalho, como também entre os próprios trabalhadores, na medida em que os trabalhadores pais de filhos menores de 12 anos, com deficiência ou doença crónica, obtêm uma prerrogativa que não é atribuída aos trabalhadores que não têm estas condições, por opção ou por verdadeira impossibilidade", refere o especialista em Direito do Trabalho.
O especialista em Direito do Trabalho considera que não existe outra solução à atual formulação da lei no que diz respeito à elaboração do horário do trabalho, com essa responsabilidade a recair sobre o empregador.
Mas Nuno Cerejeira Namora salienta que tem "havido entendimentos jurisprudenciais" que têm permitido ao trabalhador de definir os horários de início da jornada laboral.
A alteração que é proposta na nova lei laboral, do executivo de Luís Montenegro, explica Nuno Cerejeira Namora, "reforça" que o horário "é elaborado pelo empregador, após proposta do trabalhador".
O especialista em Direito do Trabalho considera que esta formulação, introduzida pelo Governo, "salvaguarda" que a questão do horário laboral deve "ajustar-se às formas especiais" de organização de tempo de trabalho que decorram do período de funcionamento da empresa ou da natureza das funções do trabalhador, em situações como por exemplo o trabalho noturno ou prestado habitualmente aos fins-de-semana e feriados.
"Não vejo a atual alteração como uma limitação ao horário flexível, mas sim como uma clarificação necessária, que equilibra direitos e evita interpretações divergentes. É uma proposta que traz equidade e segurança para ambas as partes", afirma Nuno Cerejeira Namora.
Licença parental
Nuno Cerejeira Namora destaca que outras das grandes alterações na lei está ligada ao alargamento da licença parental.
"Este alargamento proposto prevê que a licença parental possa durar até seis meses (o equivalente a 180 dias) se, depois de gozados os 120 dias obrigatórios, os dois progenitores optarem por mais 60 dias em regime partilhado".
O advogado destaca que além do aumento temporal existem mudanças também na remuneração.
"Nos primeiros 120 dias de licença, o subsídio vai continuar a corresponder a 100% da remuneração de referência. Com a proposta de alteração, o subsídio continua a equivaler a 80% da remuneração, na grande maioria dos casos, passando a chegar a 90%, nos casos em que cada um dos progenitores goza, no mínimo, 30 dias consecutivos ou dois períodos de 15 dias igualmente consecutivos. Todas estas alterações vão no sentido de aumentar, não só a duração, como também o pagamento das licenças parentais", explica o advogado.
Para Nuno Cerejeira Namora "não restam dúvidas" que estas alterações são "um passo em frente" no sentido de "modernizar e flexibilizar" a legislação laboral.
"Numa sociedade onde tudo é imediato, o próprio mercado de trabalho exige soluções e rapidez de resposta, bem como capacidade de adaptação e redução de burocracia, tão penalizadora no nosso país", defende o advogado.
Banco de horas é visto como positivo
O banco de horas individual é outro tema abordado por Nuno Cerejeira Namora.
No seu entender, o banco de horas individual é outra medida que "devolve às empresas a capacidade de ajuste de horários em virtude nas necessidades reais" das atividades, "sem a rigidez que agora limita a gestão operacional" das mesmas.
"Esta flexibilidade, especialmente em setores sazonais, garante a possibilidade de assegurar a competitividade e, em muitos casos, preservar mesmo postos de trabalho", adianta Nuno Cerejeira Namora.
Mudanças nos contratos a termo garante maior flexibilidade
Sobre as novas regras para os contratos a termo, que sofrem um aumento na sua duração máxima de dois para três anos, Nuno Cerejeira Namora considera que a medida "garante maior flexibilidade" às empresas na gestão de recursos humanos.
"Acreditamos que os empregadores vão aderir e criar milhares de novos postos de trabalho, ajudando a sair do desemprego cerca de 300 mil portugueses", admite o especialista em Direito do Trabalho.
Nuno Cerejeira Namora considera também que o fim da proibição de recorrer a outsourcing nos moldes atualmente existentes, também dá condições aos empregadores para responderem de forma "mais eficaz e rápida" a picos de negócio.
O advogado diz ainda que outra medida importante para as empresas é a redução das horas de formação anuais obrigatórias para metade, no caso das microempresas.
"As alterações propostas podem traduzir-se numa legislação laboral mais equilibrada, continuando protetora dos trabalhadores, mas reconhecendo a necessidade de flexibilizar e desburocratizar. Não tenho dúvidas que as alterações que estão a ser discutidas se traduzem num passo importante para aproximar o país dos seus competidores europeus", afirma Nuno Cerejeira.
Lei poderia ter ido mais longe
Apesar dos vários elogios às mudanças efetuadas na Lei do Trabalho, pelo Governo, Nuno Cerejeira Namora considera que se poderia "ter ido mais longe".
Para Nuno Cerejeira Namora o executivo "deveria ter olhado com atenção para matérias prementes" como a igualdade e transparência salarial, "acelerando" a transposição da Diretiva comunitária sobre a matéria.
"Também ao nível da flexibilização dos tempos de trabalho poderia ir mais além, considerando as novas formas de trabalho e reconhecendo que há muito que a generalidade dos empregos deixaram de ser fechados numa fábrica ou numa produção standardizada e com hora de entrada e saída rigorosa. Como queremos caminhar para semanas de quatro dias de trabalho sem imprimir flexibilidade na forma como o trabalho deve ser prestado, aumentando com isso uma conciliação da vida profissional e pessoal? No limite, poderíamos dotar o privado de ferramentas que os trabalhadores públicos hoje já possuem", defende o advogado.
Nuno Cerejeira Namora defende ainda que a matéria de contratação de estrangeiros "deveria ser objeto de uma revisão" por estas, do seu ponto de vista, "não se mostrarem apropriadas as limitações e exigências" ainda previstas no atual Código de Trabalho.
"Uma outra matéria que deveria ser revista é o manancial de informação, documentação e elementos que os empregadores devem afixar nos locais de trabalho, ignorando a falta de praticidade e desmaterialização. Num mundo de tecnologia e inteligência artificial a entrar nas relações laborais, onde todos tem facilidade de acesso a plataformas digitais e de trabalho conjunto, seria de ponderar permitir expressamente formas alternativas à afixação ou disponibilização física de informação e documentação aos trabalhadores", defende Nuno Cerejeira Namora.