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Nordea AM prevê arranques dos cortes pelo BCE só no terceiro trimestre

Gestora de ativos do banco finlandês identifica como risco para este ano a eventualidade de o BCE demorar a arrancar com os cortes nos juros.

O Nordea Asset Management (NAM) espera que o Banco Central Europeu (BCE) arranque com os cortes das taxas de juro mais tarde este ano, só lá para o terceiro trimestre. Cortar antes faria o banco de Frankfurt desperdiçar uma arma importante para travar a inflação perante algum evento inesperado.

“O mercado espera que o BCE corte as taxas a partir de abril. Podemos argumentar que abril é provavelmente muito cedo. Porquê? Porque Lagarde já mencionou múltiplas vezes publicamente que o BCE queria ver os dados de junho, porque depois de junho teriam dados sobre salários e outros indicadores para tomar a primeira decisão sobre o início do ciclo de cortes. Ela já disse isto várias vezes”, disse Fabio Angelini, especialista sénior de investimentos do NAM em entrevista ao Jornal Económico.

“É claro que as pessoas podem argumentar que o BCE não é cego e que não precisa necessariamente de esperar pelos dados de junho para saber como estão a correr as coisas, mas pensamos que não estão com pressa para cortar. E o facto de ter mencionado que queriam olhar para os dados de junho, sinaliza claramente que estão a dizer ao mercado: ‘vamos cortar, mas não estamos com pressa para cortar'”, acrescentou na entrevista após um encontro com clientes em Lisboa.

Para quando um corte? “Consideramos que pode vir a cortar algures no terceiro trimestre deste ano, a não ser que algo em grande surja, penso que é realista apontar para o terceiro trimestre”.

Para o analista italiano sediado no Luxemburgo “não é fácil ser um banqueiro central e é muito fácil criticá-los, mas se o BCE esperar antes de arrancar com um ciclo de cortes pode ser a posição mais razoável que tomam porque o BCE publicou um paper sobre isto recentemente, sobre as fontes da inflação em 2023, e concluíram que, segundo os seus modelos, que a fonte é da oferta e normalmente o BCE atua sobre a procura porque conseguem travar a economia, podem cortar pernas ao corredor e abrandar as coisas”.

“Já a oferta é muito difícil para o BCE controlar de forma direta. Agora, existem as tensões no Mar Vermelho e torna mais caro enviar bens via marítima. Estas são pressões inflacionistas no lado da oferta. O BCE não pode controlar o Mar Vermelho, mas pode esperar antes de cortar. Não é fácil estar na cabeça dos banqueiros centrais, mas é realista imaginar que é mais seguro para eles esperar para verem se este problema no Mar Vermelho escala”, de acordo com o especialista da gestora de ativos do banco finlândes.

“Agora o mercado espera inflação abaixo de 2% em 2024, se houver pressão inflacionista que a coloque em 3% não será o fim do mundo, mas provavelmente o BCE tomará a decisão de esperar-para-ver porque pode subir para 3%-3,5%-4% e talvez seja temporária antes de regressar a 2%. Não vemos porque é que poderão cortar cedo e depois perceber que foi cedo demais”, sinalizou o responsável.

Entre os seus ativos favoritos estão “obrigações cobertas, que são obrigações super-sénior colaterizadas e emitidas por bancos. É o instrumento mais seguro que existe no rendimento fixo, porque é uma obrigação bastante sénior, profundamente investment grade. A qualidade de crédito média varia entre AAA e AA, e tem colateral, portanto, se o banco falir é possível ir buscá-lo, é um pouco como um paraquedas. Na verdade, nunca houve default. Estas obrigações viveram tempos bastante turbulentos nos últimos anos. A razão para isto é que os bancos precisaram de pagar de volta algum dinheiro ao BCE porque, como parte do ‘quantitative easing’, o BCE deu os TLTROs aos bancos, que são basicamente linhas de crédito em condições muito boas”.

“Agora que o ‘quantitative easing’ acabou, estas linhas de crédito vão expirar este ano e os bancos vão devolver este dinheiro ao BCE. Mas os banco emitiram toneladas de obrigações cobertas nos últimos anos e estão preparados para pagar ao BCE. Foi um ano recorde em termos de volume de missões e as obrigações são como tomates: se todos venderem tomates no mercado, os preços descem. Ainda estão muito baratas face a outras obrigações corporativas e é possível obter um yield mais elevado, acima da dívida soberana. É por isso que preferimos obrigações cobertas: são igualmente seguras, emitidas por um banco, super séniores e com colateral e, ao mesmo tempo, com uma yield melhor do que as obrigações soberanas.  Existem obrigações cobertas de dois anos anos, de dez anos”, afirmou.

Uma das maiores preocupações da Nordea AM é a recessão na Europa. “O consenso aponta que a recessão vai ser relativamente moderada. Olhando para as yields europeias, estão em médias históricas. Não esperamos que a recessão seja muito dura, mas podemos argumentar que será muito difícil ter a certeza de que a recessão vai ser suave com os dados disponíveis. E consideramos isto um risco, porque se todos esperam uma recessão suave, é muito fácil surpreender o mercado. Vimos de um ambiente de baixas taxas de juro, não temos uma bola de cristal, mas não é difícil imaginar que a taxa de incumprimentos será mais alta do que zero no futuro.

Outro dos riscos identificados é o “BCE atrasar-se a iniciar os cortes das taxas de juro, devido a problemas como a tensão no Mar Vermelho, o aumento do transporte marítimo de bens que leve a uma subida dos preços da alimentação, criando inflação”.

Questionado sobre a posição do governador do Banco de Portugal Mário Centeno que defende cortes mais cedo, “faz sentido porque existe aqui a variável dos empréstimos à habitação, existe pressão e todos os governos tentam defender a economia local”