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“Muitos imigrantes já regressaram ao país de origem, outros desistiram do processo”

Migração : A dificuldade que o Estado tem demonstrado na resposta aos profissionais especializados que vêm para Portugal já está a ter impacto negativo nas empresas que procuram talento. Gilda Pereira, fundadora da EI!Assessoria Migratória e ‘advisor’ da Bridgewhat alerta para as consequências.

A migração é um tema da máxima atualidade, com implicações políticas, sociais e económicas. A mobilidade alargou o mercado de trabalho e multiplicou as possibilidades de escolha para o talento, com Portugal a ser destino, mas também ponto de partida. Gilda Pereira tornou-se especialista nestes movimentos, através da EI! Assessoria Migratória, que fundou e da qual é CEO, e que tem como objetivo “ajudar todas as pessoas que se encontram em mobilidade geográfica, ou seja, aquelas que estão Portugal e querem sair, emigrar, e as que estão fora e querem vir para Portugal, imigrar”.


Em entrevista ao Jornal Económico (JE), conta que o projeto nasceu há 10 anos, num contexto diferente do atual. “Estávamos naquela fase de muita emigração e Portugal ainda não era um país tão apelativo para a imigração. Começámos por ser, essencialmente, uma empresa a auxiliar os emigrantes e a tratar dos assuntos dos aqui Portugal. Éramos as pessoas que cuidavam dos seus assuntos e das suas burocracias em Portugal”, diz. O projeto evoluiu, como o mercado. “A partir de 2017, 2018, começou a virar completamente o nosso público-alvo de uma forma natural, porque Portugal começou a ser procurado por muitos estrangeiros para aqui fixarem residência e, hoje em dia, posso dizer que quase 90% do nosso trabalho é direcionado aos imigrantes e não aos emigrantes”, explica.


É procurada tanto por particulares como por empresas, para os ajudar a ultrapassar dificuldades. “O nosso core business é exatamente ajudar a ultrapassar obstáculos”, sublinha.


Esses obstáculos traduzem-se, por exemplo, no apoio a quem está fora, pela relação com o Estado, “muitas vezes, nos consulados portugueses pelo mundo fora e, também, nas diversas entidades públicas, principalmente porque não existe uma uniformização dos serviços”, diz. “Vamos a um departamento de Finanças em Lisboa e é-nos pedida uma documentação, se formos a um do Porto, pelo mesmo assunto, é nos pedida outra, e se formos a Faro outra. Isso torna o nosso trabalho muito mais difícil”, explicita.


Quando o serviço é apoiar quem escolheu Portugal para viver e desenvolver a sua atividade, o choque é, mais uma vez, com a máquina pública, a inexistência de critérios estabelecidos, a imprevisibilidade reinante, e o mediatizado caos dos serviços de migração em Portugal, antes com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, agora com a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).


Um exemplo é o que acontece com os nómadas digitais. “A nossa legislação migratória é muito favorável à vinda e fixação de nómadas digitais, no entanto, existe ainda alguma incerteza quanto à tributação destas pessoas, nomeadamente em sede de segurança social. E também existem dificuldades, neste momento, em fazer marcações na AIMA para transformar o visto em autorização de residência. São essas as principais questões que acabam, muitas vezes, por demover os nómadas digitais a fixarem residência aqui”.


Gilda Pereira afirma ao JE que esta situação já tem impacto. “Principalmente desde que foi anunciado o fim do Estatuto de Residente Não Habitual, muitas pessoas regressaram ao país de origem, outras que estavam em processo desistiram, umas que tinham comprado imóveis venderam, e, depois, seguiu-se toda aquela incerteza política e toda aquela incerteza em relação à legislação migratória e houve muitas pessoas que desistiram”, conta.


Também se nota esta tendência na Casa Portuguesa, o projeto de serviços de mediação imobiliária que é complementar à EI!. “A Casa Portuguesa surge como braço imobiliário da assessoria migratória, porque nós constatamos que todos os nossos clientes que vinham para Portugal acabavam por nos pedir ajuda para a compra ou para o arrendamento de imóveis. Então, a Casa Portuguesa é uma consultoria imobiliária que não tem carteira de imóveis – tudo aquilo que nós fazemos é acompanhar o cliente na seleção, no aconselhamento do local onde querem morar, na seleção dos imóveis e, depois, em todo o processo de compra ou arrendamento”. O que pesa na redução da procura não é o estado do mercado – a evolução dos preços, por exemplo –, mas o enquadramento dos migrantes. “O que pesa mais, efetivamente, são as questões migratórias e o facto de a AIMA não estar a funcionar naquilo que concerne a abrir vagas para autorizações de residência e reagrupamentos familiares. Temos pessoas que vieram e trouxeram as suas famílias, de forma legítima, e que depois tinham – e têm, por lei – o direito de fazer o reagrupamento familiar. No entanto, já não abrem vagas há quase dois anos e essas famílias estão aqui em banho-maria e sem conseguirem sair do país, ou podem sair, mas depois não conseguem entrar, porque a sua estadia como turistas já expirou há muito tempo. É um problema muito sério e por isso muitas pessoas estão a vender os imóveis e a regressar ao país de origem”, diz.


É assim para particulares e para empresas. Antes da entrevista, Pereira contactou uma cliente, diretora financeira de um grupo empresarial português da área das tecnologias de informação, muito pressionada porque muitos dos consultores querem deixar o país por causa destas. “Estão quase todos a querer regressar e, depois, há muitos projetos que ficam por acabar, há muitos projetos que estão a demorar muito mais tempo do que era suposto devido a estas questões migratórias”, afirma. “O impacto disto é enorme, as pessoas não têm noção, mas o impacto daquilo que está a acontecer é enorme”, sublinha.