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Mil fogos e 220 milhões de investimento imobiliário travados no Porto com 'Mais Habitação'

Dois projetos que totalizariam mais de 900 habitações para a classe média perderam a viabilidade económica com a proposta de alteração do IVA na reabilitação urbana, que colocou o tributo destas empreitadas em 23%, revela o presidente da APPII. IDE em queda é explicado em parte pela incerteza legislativa em torno da habitação.

A incerteza legislativa em torno da habitação em Portugal já levou à suspensão ou cancelamento de vários projetos imobiliários no país, a maioria de gama residencial para a classe média, como é exemplo o caso de dois projetos na Área Metropolitana do Porto (AMP) totalizando quase mil fogos. A revelação é feita pelo presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) que explica ao JE que a medida relativa ao IVA na reabilitação urbana proposta no pacote fez destes investimentos inviáveis financeiramente, contribuindo para a queda recente do investimento direto estrangeiro (IDE) no país.

Os dois empreendimentos imobiliários representariam 220 milhões de euros de investimento e mais de 900 fogos destinados à classe média, começa por referir Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII, mas a alteração proposta ao nível da tributação da reabilitação urbana representou uma subida de custos tão significativa que inviabilizou a sua rentabilidade.

“Dois projetos no Porto que totalizariam perto de mil fogos não avançaram por uma das medidas que consta no pacote, a de limitação da aplicabilidade do IVA a taxa reduzida na reabilitação urbana”, revela o presidente da APPII, lamentando uma medida “altamente limitadora dos projetos” nesta modalidade.

Recorde-se que o pacote ‘Mais Habitação’ sugere, entre outras medidas, a alteração da legislação do IVA nestes projetos, permitindo apenas a aplicação da taxa reduzida em “empreitadas de reabilitação de edifícios”, ao invés de “empreitadas de reabilitação urbana”. Em termos práticos, o imposto associado aos dois projetos na AMP passou de 6% para 23%, causando um disparo nos custos.

O caso não é único, com Hugo Santos Ferreira a falar de muitos mais projetos em suspenso, aguardando maior definição legislativa. Depois do chumbo presidencial, o pacote deve ser aprovado sem alterações pela maioria absoluta socialista e o presidente da APPII, discordando de vários pontos, tenta salientar os positivos.

“Há medidas que foram trabalhadas connosco e há que aplaudir o Governo nessas. Uma questão que nos dá esperança de alguma luz ao fundo do túnel é o programa de construção privada para arrendamento acessível”, em que o Executivo cede solos ou edifícios públicos para construção de imóveis destinados a arrendamento acessível. Explica o presidente da APPII que este tipo de medidas tem despoletado o interesse de “fundos de pensões e seguradoras internacionais”, ou seja, “de capital responsável e zero oportunista” que busca oportunidades de rentabilidade a muito longas maturidades.

O 'Mais Habitação' volta ao debate parlamentar no regresso do ano legislativo, em setembro, devendo ser novamente discutido entre 15 e 30 daquele mês. Com uma maioria absoluta parlamentar, o PS já indicou através de Eurico Brilhante Dias, líder parlamentar, a intenção de confirmar a legislação sem alterações, para descontentamento da oposição.

Reindustrialização para aproveitar

No entanto, e apesar das medidas positivas, o balanço global do pacote arrisca-se a ser negativo, ao disponibilizar menos casas no mercado, projeta Hugo Santos Ferreira, em linha com as palavras do Presidente da República que vetou a 21 de agosto o programa 'Mais Habitação'. Ao mesmo tempo, a expectativa destas alterações – bem como a instabilidade em torno da sua discussão política – afastam investidores estrangeiros, contribuindo para o colapso do IDE no primeiro semestre.

O indicador caiu 57% em termos homólogos, com o Banco de Portugal (BdP) a apontar para o mercado imobiliário como um dos principais motores da evolução. Explica Pedro Brinca, professor universitário e economista, há dois fatores principais a explicarem a quebra de um indicador com bastante volatilidade.

Por um lado, “o forte abrandamento económico que o conjunto da UE demonstrou no primeiro semestre” significa uma menor propensão para investir dos parceiros europeus, também eles enfrentando uma subida de juros histórica; por outro, “dado o considerável peso que o IDE no sector imobiliário tem, uma quebra de confiança dos investidores estrangeiros, quer por um enfraquecimento dos fundamentais, quer por um pessimismo face as alterações legislativas trazidas pelo pacote ‘Mais Habitação’” contribui para um decréscimo do investimento.

Convergindo nesta avaliação, Pedro Braz Teixeira analisa o cenário do lado da oportunidade perdida pela economia nacional. Confrontada com a necessidade de deslocalizar indústrias e reduzir a sua dependência de países longínquos e com políticas incertas, como a China, a UE pretende estimular o sector secundário no continente, um movimento que deveria ser aproveitado por Portugal, defende o diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade.

“Isso veio dar nova força ao processo de reindustrialização europeu, que já tinha os documentos oficiais pelo menos desde 2014 – ou seja, um fenómeno anterior à pandemia. […] Ora, Portugal se tivesse feito o trabalho de caso deveria estar pronto a beneficiar deste fenómeno”, algo que não sucede.

Assim, o país arrisca a perder nova oportunidade de convergência com a UE, embora ainda haja margem “para trabalhar no sentido de corrigir” esta dinâmica, projeta Pedro Braz Teixeira. No entanto, com o atual rumo, Portugal fica “a perder tempo” para os restantes Estados-membros, conclui.