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Miguel Cadilhe critica “grave sofisma da composição” do excedente orçamental

O antigo ministro das Finanças considera que o país vive com "impostos a mais" e "qualidade a menos" nos serviços públicos, uma crítica recorrente de vários quadrantes do panorama político nacional e que se estende a economistas. Ao JE, Miguel Cadilhe diz mesmo que impostos que, apesar do excedente orçamental "assinalável", com aquela conjugação "não podemos ter boas finanças públicas".

O antigo ministro das Finanças e atual Conselheiro de Estado, Miguel Cadilhe, critica o “grave sofisma da composição” do excedente orçamental de 2023, sublinhando a falta de qualidade nos serviços públicos, uma crítica recorrente à execução orçamental do Governo demissionário. Apesar do resultado "assinalável" do excedente de 1,2%, aponta ao JE, "impostos a mais e qualidade a menos nos serviços públicos", alertando que "com esta conjugação não podemos ter boas finanças públicas". A falta de investimento e o desfasamento recorrente entre montantes orçamentados e executados também tira credibilidade ao exercício, dificultando a avaliação do que seria um excedente “excessivo”, como afirmou Carlos César, presidente do PS.

"Com todo o respeito pelo ministro Medina, por quem tenho elevada consideração há muitos anos, vejo um formidável excedente orçamental em 2023 mas infelizmente vejo também um grave sofisma da composição. Temos impostos a mais, temos qualidade a menos nos serviços públicos, com esta conjugação não podemos ter boas finanças públicas", avançou ao JE Miguel Cadilhe.

O excedente histórico, o mais elevado em 49 anos de democracia, representa um valor absoluto de 3.194 milhões de euros, invertendo o ligeiro défice com que fechou o ano anterior, de 779 milhões de euros. Tal foi conseguido à custa, sobretudo, um disparo acima do esperado do lado da receita causado, por um lado, pela inflação elevada que se registou e, por outro, pelo forte mercado laboral.

A receita do Estado cresceu assim 9,5 mil milhões de euros em termos absolutos, um aumento de 9% em relação ao ano anterior. De assinalar o salto de 10,4% nas contribuições sociais e de 10,7 nos impostos sobre rendimento e património, além do assinalável crescimento de 68,9% das receitas de capital, fruto do Plano de Recuperação e Resiliência. Ainda assim, há outros fatores a ter em conta, destaca o economista Pedro Brinca.

“Por detrás deste excedente que não estava orçamentado está sobretudo receitas fiscais e contributivas muito acima do esperado, despesa abaixo do que estava orçamentado e, em particular, a não execução do investimento previsto, que atingiu apenas 75% do valor orçamentado”, aponta.

“As taxas de execução foram particularmente baixas na saúde e educação - duas áreas em que o investimento público não tem sido suficiente sequer para manter as infraestruturas existentes. De todas as áreas, apenas a Ciência, Inovação, Tecnologia e Ensino Superior tiveram uma execução acima do previsto, sendo que todas as outras ficaram aquém”, prossegue.

Sobreorçamentação mata credibilidade

Esta tendência no investimento português leva Pedro Brinca a questionar “a relevância de um debate sobre as rubricas de um Orçamento de Estado cuja execução acaba por ditar uma realidade bem diferente”, dado o desfasamento recorrente entre os montantes orçamentados e executados.

“Era importante para a credibilidade das políticas e dos políticos que os objetivos dos orçamentos de estado aprovados em assembleia da república pudessem ser cumpridos. Apenas nesse contexto concebo uma discussão acerca da caracterização deste superavit como excessivo”, considera, visitando as palavras do dirigente socialista Carlos César durante o fim-de-semana.

Recorde-se que o presidente do PS classificou a política de contas certas como “extraordinariamente positiva” para o país, mas admitiu temer que o saldo orçamental se revele “um excesso” perante as exigências de vários sectores.

“O saldo positivo é fruto de boas políticas públicas, que promoveram o crescimento económico, o emprego e a melhoria dos rendimentos; e de uma boa gestão orçamental, que teve sempre presente o contexto de elevada incerteza económica e geopolítica”, refere o Ministério das Finanças em reação a estes números, que “aumentam a nossa proteção perante a instabilidade e incerteza internacionais e alargam as opções de políticas públicas ao dispor dos portugueses”.

Olhando por sectores da administração pública, o excedente orçamental deve-se à evolução dos fundos da Segurança Social, que compensaram mais do que na totalidade os défices registados na administração central e na regional e local. O saldo destes fundos disparou 33,2%, chegando a 5.670 milhões de euros, ou seja, mais do que os 2.329 milhões de défices das duas outras contas combinadas.

Esquerda em uníssono

À esquerda, a obtenção do saldo positivo é confrontada com o seu custo, ou seja, os serviços públicos. Em reação aos números conhecidos esta segunda-feira, os líderes de BE e PCP, que estavam reunidos, criticaram a preferência por contas certas em vez de mais investimento público em sectores que, argumentam, necessitavam do mesmo.

Mariana Mortágua, líder bloquista, começou por argumentar que o saldo histórico se deve à “degradação das condições sociais”, nomeadamente pela falta de investimento em sectores importantes para o país. Para a coordenadora do BE, “enquanto o PS apresentava excedentes cada vez maiores, ia negando a resposta” em áreas como a educação, saúde ou segurança.

Também Paulo Raimundo, secretário-geral comunista, optou pela mesma linha de críticas, argumentando que “houve uma clara opção” do Governo socialista por contas certas em detrimento do investimento em áreas onde o país tem evidenciado mais dificuldades.

Os dirigentes partidários estavam reunidos para debater a estratégia de oposição à maioria parlamentar de direita, reunião essa vista como positiva por ambas as partes.