"É uma desilusão". A transformação digital e energética em Portugal pode estar comprometida tendo em conta a forma como o Orçamento do Estado 2024 (OE2024) "esquece objetivos estratégicos" como estas duas transições: "Centra-se na prudência e alheia-se da economia". A posição é defendida por Daniel Ribeiro diretor-geral da Associação Empresarial dos Setores Elétrico, Eletrodoméstico, Eletrónico e das Tecnologias da Informação e Comunicação (AGEFE) em entrevista ao JE.
Nesse âmbito, este responsável explica que a AGEFE (que representa 158 empresas com um volume de negócios global que ultrapassa cinco mil milhões de euros e emprega 11 mil colaboradores) apresentou algumas propostas ao Governo antes da elaboração do OE2024 mas "nenhuma está perto sequer de ser contemplada" nesse documento.
Este é precisamente o universo empresarial que apresenta "elevado potencial para implementar soluções que potenciem a economia nacional, numa ótica de transformação digital e energética, com perspetiva mais sustentável". Em entrevista ao JE, o responsável máximo da AGEFE reforça que faltam medidas que tornem o parque de eletrodomésticos mais eficiente (para diminuir a fatura energética) e que não há nenhuma menção a investimentos em infraestruturas para uma mobilidade elétrica "sustentável a curto prazo". Além disso, a AGEFE considera que deveria existir "um apoio disseminado à produção elétrica descentralizada ou um incentivo às comunidades de energia" e um apoio que ajude as PME a "dar um salto ao nível da sua intensidade digital".
Como definem este Orçamento do Estado?
Tínhamos sugerido ao Governo um sinal de ambição sem imprudência (até porque a economia não precisa de imprudências) mas não notamos qualquer sinal de ambição neste OE. O que vimos é que este Orçamento entra na prudência mas alheia-se da economia e portanto, não era este o sinal que esperávamos. Sentimos um abrandamento no tecido económico e perspectiva-se um 2024 com contenção da procura. Tínhamos expectativa que o Governo desse um sinal, apesar de termos consciência que o OE não é a panaceia de tudo. No entanto, sabemos a importância dos sinais que o OE dá não só para a gestão das expectativas mas também para o impulso que a atividade económica precisa.
A transição energética e digital está comprometida com este OE?
Este documento esquece os objetivos estratégicos que tem anunciado para o país como a transição energética e digital. O Governo esquece-se da vida dos portugueses por via da transformação da procura que contribui para uma maior competitividade. Isso é uma desilusão.
Sugerimos algumas medidas no âmbito do que é a atividade das nossas empresas, que são parte da solução pela sua competência tecnológica e pela inovação que introduzem no mercado. Estas empresas têm uma oferta de base tecnológica que é parte da solução para a transição energética e digital no nosso país e para a aceleração da criação de fatores de competitividade. Sugerimos que houvesse sinais da transformação da procura e que os portugueses precisam. Propusemos que os eletrodomésticos instalados em casa dos portugueses fossem mais eficientes para não sobrecarregar tanto a fatura energética. Nesse sentido, acreditamos que seria importante implementar um programa de substituição de equipamentos existentes por eletrodomésticos mais eficientes. Isto está previsto nos planos de ação de eficiência energética desde 2008 e nunca saiu do papel. O OE também não dá nenhum sinal.
Fala-se muito da mobilidade elétrica mas em concreto, o que está por fazer nesse capítulo?
Há um grande dilema em relação ao futuro da mobilidade elétrica porque há uma convicção de que temos de descarbonizar mas temos que criar infraestruturas para eletrificação da mobilidade elétrica e por isso, temos que criar infraestruturas. Claro que sabemos que há um programa europeu virado para a infraestruturação pública mas mais uma vez esquecemos a infraestruturação dos condomínios e de inúmeros edifícios multifamiliares que existem e que deveriam infraestruturas de carregamento. Consideramos que devia ter havido um sinal não só para apoiar as pessoas mas também como factor de competitividade. Ter uma mobilidade elétrica sustentável sem que haja investimentos em infraestruturas para que isso seja possível levanta problemas. Se há uma procura crescente de veículos elétricos, têm que ser criadas condições para essa transição.
E o mesmo se pode dizer em relação à transição digital?
Metade das nossas PME ainda não têm uma utilização de tecnologias que se consideram básicas para a transição digital, de acordo com um relatório europeu referente a 2022 que determina a intensidade digital das PME a nível europeu. Para combater essa questão, há uma série de países europeus que tomaram medidas para combater isso. O peso do acesso à disponibilização dos fundos europeus tem sido um calvário. Em Espanha, foi definido um conjunto de tecnologias consideradas essenciais para as PME e para aceder a essas tecnologias, foi criado um voucher digital que vai ajudar a essa transição. Apesar deste sector estar a crescer ao nível das exportações, a nossa preocupação passa pela transformação da procura interna que é fundamental para que as empresas em Portugal possam gerar valor acrescentado na economia porque sem isso é difícil ter uma componente distributiva.