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Mercados afastam-se da possibilidade de cortes de juros no primeiro trimestre na zona euro e EUA

A descida da inflação em ambos os blocos económicos levou investidores e analistas a projetarem cortes nos juros já no arranque de 2024, mas a comunicação dos banqueiros centrais resfriou essa visão. Mário Centeno tem sido dos maiores defensores de descidas graduais e a arrancar mais cedo.

Com os juros diretores em máximos e, espera o mercado, já no pico do aperto monetário, o foco dos investidores e analistas tem-se virado para o timing dos cortes de taxas. Perante a descida significativa da inflação na zona euro e nos EUA, a visão dominante chegou a ser de reduções dos juros já em março, mas estas apostas têm esfriado nos últimos tempos face à postura hawkish dos bancos centrais.

A correção das expectativas dos investidores é mais evidente nos EUA, mas também fica bem visível na zona euro: há um mês, o mercado atribuía 60,8% de probabilidade a um corte de 25 pontos base (p.b.) nos juros diretores norte-americanos, o que colocaria o indicador entre 5,0% e 5,25% – esta sexta-feira, a probabilidade implícita era de apenas 15,5%; na zona euro, o mercado inclinava-se mais para um pivot em abril, mas também para a reunião de março as probabilidades de um corte caíram de cerca de 30% em meados de janeiro para 14,6%.

Os dados da Bloomberg mostram ainda que as apostas dos investidores para a reunião de abril passaram de 70% de probabilidade de um corte de 25 p.b. para apenas 55%, embora o consenso entre os analistas continue a ser o arranque da normalização da política monetária apenas em junho. Nesse caso, o mercado antecipa um corte de 50 pontos.

Esta incorporação pelo mercado de cortes esperados pode mesmo levar a um prolongamento do aperto monetário, advertiu a presidente Lagarde, visto que torna a transmissão das subidas de juros menos eficiente e as taxas reais efetivas mais baixas.

“Em parte, este desenvolvimento tem sido ditado pela subida das perspetivas relativamente à evolução das taxas de juro da Fed. Os rendimentos do Tesouro dos EUA têm sido impulsionados pela robusta economia norte-americana, sobretudo alicerçada num mercado de trabalho resiliente”, explica Paulo Rosa, economista chefe do Banco Carregosa.

A economia norte-americana criou 353 mil postos de trabalho em janeiro, quase o dobro dos 180 mil projetados, isto depois de os números para dezembro terem sido revistos em alta para 333 mil, pulverizando a expectativa de 170 mil.

Perante esta robustez do mercado de trabalho, a Reserva Federal tem vindo a colocar água na fervura quanto ao timing dos cortes de juros, temendo possíveis efeitos de segunda ordem decorrentes de uma dinâmica salarial sobreaquecida. O crescimento salarial homólogo tem acelerado nas últimas três leituras, com dezembro a revelar um avanço de 6,8%, muito acima da inflação de 3,4% registada no mesmo mês.

Como tal, a política monetária europeia move-se por arrasto, dado que a Fed continua a ditar o ritmo. Como se viu no início do aperto monetário nos EUA, que começou alguns meses mais cedo do que na zona euro, o diferencial entre as taxas pode criar ainda mais problemas para a economia europeia, um cenário que o Banco Central Europeu (BCE) quererá evitar.

“Em boa verdade, o banco central dos EUA continua a ditar, de algum modo, as regras para a evolução das taxas de juro da zona euro e das restantes economias avançadas”, refere Paulo Rosa. “Dificilmente um eventual novo ciclo de descida das taxas de juro encetado pelo BCE será bem-sucedido sem uma postura idêntica de redução das taxas de juro pela Reserva Federal dos EUA, sob pena de gerar uma crise cambial, redundando numa inflação importada acrescida” para o bloco da moeda única.

Centeno lidera 'pombas'

Apesar de os membros do BCE estarem numa senda cautelosa, procurando afastar cortes prematuros dos juros, o governador do Banco de Portugal (BdP) tem destoado da norma, apresentando-se como um dos membros mais dovish do comité de política monetária. Mário Centeno tem advertido para os riscos de manter os juros altos por demasiado tempo, vendo já sinais de que há margem para reverter as subidas das taxas de referência no último ano.

Já depois da reunião de janeiro, Centeno falou à Reuters, defendendo que não será necessário aguardar pelos dados de maio para tomar uma decisão quanto à normalização da política monetária. Segundo o antigo ministro das Finanças português, há já “bastante evidência de que a inflação está a cair de forma sustentada”.

“Podemos reagir mais tarde e com mais força ou mais cedo e gradualmente. Sou completamente a favor de um cenário mais gradual, porque assim damos mais tempo aos agentes económicos para se adaptarem”, afirmou no final de janeiro.

Apesar de se destacar pela defesa clara de cortes, Centeno tem visto os seus homólogos europeus aproximarem-se da sua posição – ou, pelo menos, afastarem-se de defenderem mais subidas, começando a reconhecer que a normalização dos juros estará para breve.

Um dos membros mais hawkish do BCE, a alemã Isabel Schnabel, procurou resfriar os ânimos do mercado quanto às próximas reuniões, pedindo paciência, mas reconheceu que os sinais têm sido globalmente positivos. Há ainda preocupações quanto à dinâmica salarial e efeitos de segunda ordem, mas os dados têm mostrado “progresso substancial” na recuperação da estabilidade de preços.

Klaas Knot, governador do Banco Neerlandês, reforçou esta visão, mostrando-se confiante que “está tudo em linha” para um regresso do indicador de preços a 2%, o objetivo do BCE.

“A única peça ainda em falta é a certeza de que os aumentos salariais se adaptarão a esta inflação mais baixa”, acrescentou, colocando o foco no mercado laboral.