A zona euro passou em pouco mais de um ano de uma situação de quase deflação estrutural e política ultra-acomodatícia para o maior aperto monetário da sua história, pressionada por uma inflação a fazer lembrar os anos 70. Do outro lado do Atlântico o cenário não foi muito diferente, com a subida de juros mais agressiva em 40 anos, trazendo a política monetária de volta ao foco. Para 2024, a expectativa dos mercados passa por cortes de juros, um cenário que nem Banco Central Europeu (BCE), nem Reserva Federal admitem por enquanto.
Com o mercado apostado no pico dos apertos monetários europeu e americano, a questão passa agora para a sua duração. Questionada sobre cortes de juros após a subida de setembro, a presidente do BCE, Christine Lagarde, evitou a questão; nos EUA, Jerome Powell também havia afastado a possibilidade no simpósio anual da Fed, em agosto.
António Nogueira Leite, economista e professor universitário, começa por sublinhar a incerteza em torno da política monetária no próximo ano. Com a inflação a dar sinais de persistência e várias fontes de volatilidade ainda bem vivas, torna-se “extremamente arriscado” fazer qualquer tipo de previsões; no caso do mercado, este “está a fazer apostas”, dada a falta de informação disponível.
Já Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, vê uma janela para cortes em 2024. Caso a inflação nominal continue a recuar, a zona euro pode ver taxas de juro reais positivas em breve, dando margem ao BCE para começar a descer juros.
“Admito que se possa sentir a necessidade de criar uma recessão para baixar a inflação dos 10%, […] mas 3,2% ou 2,9% já não tira o sono a ninguém”, afirma, visitando o máximo registado no atual processo inflacionista.
Os países do Sul mostram-se mais preocupados com as taxas elevadas e, apesar da exposição portuguesa às subidas de juros, as contas públicas estão robustas. Assim, do lado da dívida pública, as preocupações europeias recaem sobretudo sobre Espanha e Itália. A possibilidade de fragmentação continua a pairar sobre o bloco euro, mas Nogueira Leite não antevê “esse perigo para Portugal”.
Por outro lado, a economia europeia quer prosseguir com as transições climática e digital, o que obrigará a fortes investimentos. Havendo formas de contornar o disparo nos custos de financiamento para estes projetos, António Nogueira Leite quer mesmo é ver a inflação recuar “para próximo dos objetivos”.
“Isso permitirá nos anos seguintes ir baixando taxas; caso contrário, este programa será obviamente afetado, porque não podemos querer estar a baixar a inflação e fazer um programa gigantesco de investimento público. Portanto, esta inflação é realmente problemática e acho que o melhor é acabar com ela”.