Élisabeth Vigée Le Brun (1755-1842) foi uma das mais famosas retratistas francesas. Entre a sua clientela, contava-se a rainha Maria Antonieta, de quem fez 30 retratos. Forçada ao exílio devido à Revolução Francesa, viveu no estrangeiro durante 12 anos, após os quais regressou ao seu país, gozando de novo de um enorme sucesso, algo particularmente raro na época, para uma mulher.
Entre a realeza europeia, teve outras clientes, como a rainha de Nápoles, aquando da sua estadia nesta cidade – “Da minha janela, gozava da mais bela vista e do espectáculo mais exuberante. Em frente, o mar e a ilha de Capri; à esquerda, o Vesúvio prometendo nova erupção, pela quantidade de fumo que exalava; à direita, a encosta de Posillipo povoada de casas encantadoras e de uma vegetação deslumbrante; e como a baía de Chiaia estava sempre muito animada, oferecia-me sem cessar quadros divertidos e variados” –, mas apressa-se a regressar a Roma, a cidade que a fez esquecer a sua amada França.
Neste primeiro volume de memórias, publicado pela Documenta, Madame Le Brun relata episódios da sua vida em França e os anos do exílio em Itália, primeiro em doze cartas destinadas à princesa Kurakin, a que se segue um registo diferente do epistolar, devido à morte da aristocrata russa, em 1931.
A exaltação provocada pela montanha, que nunca tinha visto, e a visita a Turim, Parma, Modena, Bolonha e Florença (onde vai à célebre galeria dos Médicis – o Museu Ufizzi –, o Palácio Pitti e algumas igrejas, sempre procurando as grandes obras de arte), não lhe fazem esquecer a sua “pobre França”; tal só viria a acontecer em Roma.
Aí, encontra alojamento na Praça de Espanha, de onde terá de sair pois “todas as noites as viaturas não paravam de atravessar essa praça”, não a deixando “descansar antes das cinco da manhã”. Seguir-se-ão outros, numa sucessão vertiginosa, devido ao frio, às ratazanas, ao caruncho ou ao barulho das lavadeiras a usar uma bomba de água para as suas lavagens noturnas. Durante o dia, nas horas vagas, percorre Roma e os arredores, visitando palácios repletos de grandes e belíssimas coleções de obras de arte.
Na viagem de regresso, com escala em Viena, passa por Veneza, Vicenza (onde observa a elegância notável dos palácios e do teatro construídos por Palladio), Pádua, Verona, Milão (horrorizando-se com os maus-tratos sofridos pela ‘Última Ceia’, de Leonardo da Vinci, e onde assiste a vários concertos) e, de novo, Turim (onde milhares de franceses procuravam refúgio), deixando em Itália vários retratos da sua autoria.