Os sindicatos dos médicos já tinham alertado para a situação incomportável que se vive no Serviço Nacional de Saúde. Em reação à entrevista do presidente executivo do SNS, Fernando Araújo, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) revela que os "alertas vermelhos" têm sido visíveis mas que o Governo não tem sido capaz de negociar.
O secretário-geral do SIM, Jorge Roque da Cunha, relembra que os sindicatos começaram a soar os alertas "há mais de dois anos para as dificuldades agora ocorridas", seja do fecho dos blocos de parto ou das equipas dos serviços de urgência.
Ao Jornal Económico, Roque da Cunha lembrou as sucessivas demissões em hospitais da Área Metropolitana de Lisboa, nomeadamente o Beatriz Ângelo, Fernando da Fonseca, Garcia da Orta ou São Francisco Xavier e a entrega das isenções de responsabilidades por parte de médicos em todo o país.
Mas, para Roque da Cunha, esta não é uma "situação surpreendente". "Já sabíamos que este ano se iriam reformar mil médicos do SNS", acrescentando os mil médicos que saíram este ano e 1.100 do ano passado.
Por sua vez, Joana Bordalo e Sá, presidente da FNAM, assume que a falta de ética que acusam os médicos está do lado do Governo. "Entendemos que é falta de ética um Governo que mantém os médicos em Portugal como sendo os mais mal pagos da Europa". Para a responsável máxima da Federação Nacional dos Médicos, os profissionais de saúde "estão mesmo a trabalhar acima dos seus limites" e apenas pretendem ser reconhecidos.
Também as cinco milhões de horas extraordinárias realizadas por médicos do SNS contribuíram, segundo o SIM, para a atual situação do serviço de saúde português.
"São alertas vermelhos que, não tendo sido atacados no devido momento, poderiam dar naquilo que o Dr. Fernando Araújo expressa publicamente". De relembrar que o diretor executivo do SNS alertou para um "novembro dramático" caso o Governo não chegue a acordo com os médicos.
Ainda assim, o diretor executivo deixou um apelo a estes profissões de saúde, dizendo ao "Público" que os médicos devem reclamar direitos mas "de forma eticamente irrepreensível".
Perante as críticas, Roque da Cunha relembrou que o SNS não colapsou porque a própria classe médica tem um "grande sentido ético e de responsabilidade" junto dos próprios doentes. "Quando um médico, para ultrapassar problemas dos serviços, faz 300 a 400 horas extraordinárias não se pode pedir mais".
"Só queremos o pagamento justo pelo nosso trabalho. Não estamos a pedir nada mais que isso, para nos permitir um poder de compra semelhante ao que tínhamos antes da intervenção da troika e que comente também a inflação", aponta Joana Bordalo e Sá ao JE, simultaneamente com uma melhoria das condições de trabalho.
Nova reunião na sexta-feira
Esta sexta-feira, 27 de outubro, os sindicatos dos médicos preparam-se para voltar à mesa de negociação com o Governo. O secretário-geral do SIM diz que, neste momento, a situação 'dramática' "está nas mãos do Governo".
E o que espera o SIM? "Esperamos que haja, por parte do Ministério da Saúde, abertura a medidas que, no nosso ponto de vista, são absolutamente essenciais".
O sindicato espera ainda que Manuel Pizarro tenha "conseguido convencer Fernando Medina, que está inebriado pelo excedente orçamental, a investir no Serviço Nacional de Saúde".
Nas palavras de Jorge Roque da Cunha, é "inqualificável a diminuição do acesso dos portugueses ao serviços de saúde", porque terá "consequências financeiras, sérias incapacidades e uma mortalidade antecipada".
Novamente, o SIM mostra-se disponível a negociar com o Governo. "Não queremos tudo para ontem. Estamos disponíveis, como reafirmarmos desde sempre, que algumas dessas medidas possam ser calendarizadas durante a legislatura".
"Com certeza que não vamos ter tudo aquilo que pensaríamos que seria o ideal. O Ministério da Saúde tem de ter abertura para chegar a um acordo que seja minimamente aceitável, para que os médicos não saiam do SNS e para que os médicos regressem ao SNS".
A presidente da FNAM aponta estar também disponível para ouvir o Ministério, embora as reuniões anteriores não tenham dado em nada. "Até agora nunca ouviram as soluções que tínhamos em cima da mesa nem as incorporaram", destaca.
A FNAM assume que não se sente ouvida pela tutela da saúde mas que, ao fim de 16 meses de negociações, continua disponível para se sentar à mesa das negociações. No entanto, admite ao JE, "a expectativa é baixa".
Agora, o problema reside no facto do "Ministério da Saúde não mostrou uma verdadeira abertura em ceder aos pontos principais" das reivindicações, diz Joana Bordalo e Sá.
Formar mais médicos?
O diretor executivo do SNS diz que é urgente formar mais médicos em Portugal, ainda que a solução seja ir buscá-los ao estrangeiro. Na entrevista ao "Público", Fernando Araújo dá o exemplo de Inglaterra, que propõe duplicar a formação desta profissão até 2030.
Questionado sobre esta secção da entrevista, Jorge Roque da Cunha responde prontamente: "Não há falta de médicos em Portugal. Isso é uma falácia". Joana Bordalo e Sá admite a mesma questão: "é um erro de todo o tamanho" dizer que é preciso formar mais médicos.
"Há falta de médicos no SNS e a verdade é que o sector privado está a esfregar as mãos e a fazer o seu papel. Não tenho nada contra porque tem tido crescimento de dois dígitos nos últimos anos".
Segundo o sindicalista, as faculdades de Medicina portuguesas estão "a formar cerca de 2.200 médicos" por ano, um número considerável mas que depois não se traduz na entrada para o serviço público.
"Tem havido uma capacidade crescente, por parte dos médicos do SNS, de formar especialistas", algo aplaudido pelo responsável, uma vez que "não faz sentido criar médicos que não tenham especialidade".
Roque da Cunha lembra que os médicos, tal como outras profissões, têm procurado melhores condições de vida fora de Portugal.
"Uma estatística recente evidencia que, no primeiro trimestre deste ano, teriam saído de Portugal cerca de 130 mil quadros superiores formados nas nossas universidades. Com a carga fiscal do país, não havendo salários suficientes, aumento do custo de vida, naturalmente que as pessoas vão encontrar outras formas de trabalho".