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"Máquina do Estado é defensiva e monta teia burocrática inimiga da inovação", defende presidente do INESC TEC

José Manuel Mendonça, presidente do conselho de administração do INESC TEC, defende um maior aconselhamento das políticas públicas por cientistas e investigadores e critica o "superministério" com a tutela da Educação e Ciência.

O INESC TEC - Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (Universidade do Porto) tem mais de 900 investigadores, dos quais cerca de 400 doutorados, em oito áreas técnico-científicas: Inteligência Artificial (IA), fotónica, bioengenharia, comunicações, ciência e engenharia dos computadores, sistemas de energia, robótica e engenharia e gestão de sistemas.

Já foi berço de 25 startups criadas por académicos, das quais apenas seis não sobrevieram. No entanto, o presidente do conselho de administração do INESC TEC, José Manuel Mendonça diz ao Jornal Económico (JE) considera que seria possível haver mais empresas caso se criasse um Simplex dos critérios de candidatura a fundos públicos para inovação para incentivar o empreendedorismo no contexto das universidades.

Esta quarta-feira será formalmente inaugurado o “Industry Club”, um clube criado entre o INESC TEC e a NOS, o Kaizen Institute, a Porto Business School e a COTEC para criar pontos de contacto entre empresas para uma nova era de excelência digital, promovendo uma rede colaborativa.

O que podemos esperar dos trabalhos dos investigadores do INESC TEC este ano?

Temos cerca de 300 projetos abertos em simultâneo. Trabalhamos em investigação mais fundamental e aplicada em cinco grandes sectores - indústria, energia, saúde, agrotech e mar - embora façamos projetos de mobilidade e financeiro. Por exemplo, na área da bioengenharia, estamos a trabalhar com neurologistas em técnicas especiais para ajudar a implantar elétrodos no cérebro para diminuição dos sintomas de epilepsia ou Parkinson. No extremo oposto, relacionado com o mar, temos uma embarcação, a "Mar Profundo", e robôs para monitorizar zonas marinhas vulneráveis com o IPMA - Instituto Português do Mar e da Atmosfera. Fazemos levantamento da informação para os biólogos e geólogos a 650m de profundidade e temos o objetivo de chegar aos mil metros. Tudo com tecnologia portuguesa.

Na área da energia, temos trabalhado com vários governos nas renováveis, redes elétricas inteligentes e mobilidade elétrica, em parceria as empresas nacionais (REN, EDP, Efacec…). O código Match on Card [MoC] do Cartão de Cidadão foi desenvolvido por nós e duas startups para a Casa da Moeda. Outro dos desafios para 2024 é utilizar robôs para manipulação de materiais flexíveis (cabos, tecidos…) para o têxtil. É difícil para os robôs, porque estão mais habituados ao metal ou plástico. Na energia, queremos trabalhar na inserção de eletrolisadores na rede elétrica na ordem dos megawatts.

Quantas startups têm no portefólio?

Nós lançamos uma startup quando um desenvolvimento tecnológico que fazemos não tem ninguém no mercado capaz de o receber, capaz de o endogeneizar. Preferencialmente, trabalhamos com empresas que estão no mercado e às quais podemos passar a tecnologia, as patentes e o conhecimento. Se é tão inovador que não há no mercado lançamos a startup. Já lançámos mais de 20 startups, o que não é muito. Podíamos ter lançado mais, mas não temos meios financeiros e é sempre difícil encontrar investimento. Neste momento, temos seis startups no portefólio, nomeadamente a Ubirider, duas na área médica e uma de robótica subaquática (inspeção de minas inundadas) com a qual batemos o recorde do mundo de profundidade em cavernas naturais (450m) na República Checa.

Porque é que diz “podíamos ter lançado mais?”

Não há financiamento e também não há empreendedores, porque muitas vezes os investigadores são excelentes a fazer ciência, mas não estão motivados para lançar empresas, portanto é preciso investigadores que queiram ir por um caminho empresarial e fazerem equipa com pessoas com motivação, capacidade de gestão, procura de investimento, montagem de negócio e plano financeiro… Para alguns investigadores, esse processo é chato. O problema é não haver uma abundância de pessoas capazes de levarem as empresas para a frente. Apesar disto, não temos uma grande taxa de mortalidade. Diria que, das nossas 24-25 empresas, fecharam meia dúzia. Somos cautelosos e ajudamos muito. Quase todos os unicórnios de base tecnológica em Portugal saíram da investigação em universidade e depois foram arranjar financiamento na Europa e nos Estados Unidos.

Podia-se fazer o mesmo com menos esforço se houvesse uma política de acreditar e dar o benefício da dúvida aos investigadores e às instituições de investigação. Depois, mais tarde, avaliava-se e quem infringisse seria punido e não tornaria a concorrer. Iria para uma lista negra

No entanto, li numa entrevista sua que defende que não é preciso mais apoios financeiros, mas melhores procedimentos da máquina do Estado. Como?

Sabendo que os fundos públicos para apoio à inovação empresarial e à investigação, que vêm dos nossos impostos, têm de ter escrutínio e responsabilização (accountability) e ser investidos – gosto de dizer “investidos” em vez de “gastos” ou “executados” – cumprindo todas as normas legais e financeiras de uma forma escrupulosa, também é verdade que, muitas vezes, a máquina pública, defensivamente, monta uma teia de regras burocráticas que são inimigas da inovação, da ciência e da boa execução desses fundos. Podia-se fazer o mesmo com menos esforço se houvesse uma política de acreditar e dar o benefício da dúvida aos investigadores e às instituições de investigação. Depois, mais tarde, avaliava-se e quem infringisse seria punido e não tornaria a concorrer. Iria para uma lista negra. Em vez disso, a máquina pública, prefere ter as garantias todas à partida e pedir documentação e verificações que também não evitam a fraude. Teria de haver uma avaliação rigorosa dos outputs (resultados): onde estão os produtos? Como é que estão as vendas? Porque é que isto é diferente? Como é que cresceu? Na maioria das vezes, não há verificação de responsabilização de impacto posterior desses investimentos. Em vez disso, há uma teia burocrática para garantir ex-ante que toda a gente vai cumprir as regras, o que é difícil. Diria que a ênfase está no lado errado: jurídico-financeiro em vez do impacto da inovação financiada. Mais economistas e engenheiros e menos advogados e funcionários administrativos e a verificar papéis. O paradigma teria de ser mudado. Obviamente, não se faz de um dia para o outro.

Acha que o facto de agora só haver um ministério para Educação e Ciência vai condicionar essa eventual mudança?

Sou da opinião que é errado ter um superministério em que se coloquem coisas tão diferentes como como educação, ensino superior, investigação e inovação. É um risco muito grande. Desejo o melhor a quem tem esse desafio enorme. Confio e até conheço as pessoas que têm esta responsabilidade, mas não é fácil. Já na anterior passagem de Governo, o Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, ao qual eu presidia, disse em reunião: “Por favor não criem um superministério, porque fica muito complexo”.

A Stayaway Covid foi uma lição de que a tecnologia sozinha não resolve uns problemas

Em relação ao anterior Governo, um dos projetos nos quais o INESC TEC esteve envolvido foi a aplicação Stayaway Covid, que foi considerada um fracasso por vários especialistas. O que é que correu mal?

A Stayaway Covid foi uma lição para nós e para muitos. Foi uma lição de que a tecnologia sozinha não resolve uns problemas. Quem desenvolveu a app foram cientistas a nível europeu, com o INESC TEC como parceiro, e os protocolos até foram adaptados até pela Apple e pela Google. A pedido do ministério da Ciência e da Fundação para a Ciência e Tecnologia, o INESC TEC e as startups Keyruptive e Ubirider responderam rápido. Criou-se um sistema, cuja maior preocupação era a privacidade. Depois de 3,3 milhões de portugueses terem feito download, houve zero problemas de segurança. O servidor estava em Portugal, na Casa da Moeda. No entanto, a CNPD entendeu que o médico dar o código ao doente para pôr no telemóvel a dizer que tinha Covid-19 e, anonimamente, avisar os contactos de risco, seria um ato médico. No meio da pandemia, confusão e stress, informar esse código verbalmente ou por telefone percebeu-se que não era o mais urgente. O número [de utilizadores e notificações] foi muito escasso [em Portugal]. Em Itália e Espanha também não funcionou muito bem por razões diferentes.

Acha que a opinião dos cientistas é suficientemente ouvida pelo legislador?

Sou completamente apoiante do science based policy advice, o aconselhamento das políticas públicas pela ciência. Vejamos o caso do novo aeroporto. O Governo reuniu-se com um conjunto de académicos, cientistas e técnicos sobre o assunto e eles um produziram (bem ou mal, não vou opinar) um relatório. Agora contestem o relatório, façam melhor, façam o que quiserem, mas é um exemplo de aconselhamento de política pública por pessoas apetrechadas com experiência e conhecimento sobre as matérias.