Paulo Dimas, vice-presidente para a Inovação da Unbabel e líder do consórcio Center for Responsible AI, esteve à conversa com o Jornal Económico (JE) para abordar o tema da Inteligência Artificial (IA) no sector da saúde e qual o impacto que esta pode ter na área de prevenção, investigação e tratamento de doenças.
O líder do consórcio afirma que Portugal já é "líder a nível global nesta áreas", sendo que esta área no consórcio já conta com uma escala de investimento de 78 milhões de euros.
Como é que chegámos até aqui? Como é que, de alguma forma de repente, há toda uma panóplia de ferramentas de IA com diversas aplicações?
Foi através do nome que já está na boca de toda a gente que é o ChatGPT. Portanto, o que é que aconteceu? Em novembro do ano passado, foi lançado o produto tecnológico que teve o crescimento mais rápido de toda a história da tecnologia, que é um fenómeno, digamos, surpreendente. O ChatGPT demorou dois meses a atingir 100 milhões de utilizadores. Porque é que houve esse fenómeno? Porque é que toda a gente começou a usar o ChatGPT, para fazer os trabalhos de casa, para perceber o que é que pode fazer com os ingredientes que tem lá em casa, para jantar, enfim, todo o tipo de aplicações? Porque houve uma combinação de fatores que partiu primeiro de ter modelos para tentar simplificar a linguagem não técnica.
A saúde é uma dessas aplicações. Em que medida pode atuar, quer na área de investigação quer no contacto com o doente, médicos, enfermeiros...? Ainda serve como assistente ou vai ter um papel maior do que esse?
A grande discussão é sempre até que ponto é que a IA vai eliminar postos de trabalho. Será que os médicos vão ser substituídos? A minha visão em relação a isso é que não. É que, no fundo, vai sempre funcionar como algo que aumenta a capacidade do médico ou o torna, por exemplo, mais consistente na tomada de decisões. E nós temos o exemplo de um produto no Centre for Responsible AI, no nosso consórcio responsável, que ajuda o médico. Por exemplo, quando ele está a decidir se vai dar alta a um doente, classifica todos os seus relatórios clínicos, usando uma classificação de doença internacional e com isso o médico vai conseguir perceber se esta pessoa tem determinado indicador nas análises ao sangue ou tem este raio-X, então se calhar tem esse tipo de patologia. Então, há um diálogo entre o artificial e o médico. Acredito que estamos a falar de aumentar a nossa capacidade de tomada de decisão, aumentar a nossa inteligência e nunca substituir a nossa inteligência. Até porque, especialmente na área da saúde, há uma questão muito importante, que é a da empatia. E a empatia é algo que, por muito que nós digamos que as máquinas têm algum tipo de empatia, é insubstituível em relação ao ser humano.
Qual é que acha que é a reação dos pacientes nestes casos?
Acho que, se houver sempre a presença do médico, parece-me que a parcela que é invisível não é. Acho que ninguém quer receber a notícia de que tem um melanoma por uma hipótese artificial. Não se faz isso. Não faz sentido nenhum. O que se fala aqui é haver sempre um fundo falso como um assistente do médico. Só é positivo e só pode ser, porque o médico é o filtro, é aquele que garante, de facto, que aquele diagnóstico é de facto rigoroso e tem sempre de haver esta combinação entre o médico e o artificial.
Na sua opinião, a saúde no futuro passa, obrigatoriamente, por querer investir em IA?
Acho que, sem dúvida, tem de passar por aí e vai passar por aí. Os maiores avanços que estão a haver na área da saúde, por exemplo, na área da descoberta de novos medicamentos, como o Discovery. Nós temos no nosso consórcio a Bial e estamos a desenvolver dois produtos, em conjunto com eles, que endereçam as necessidades que têm e são um produto de IA.
Acredita que o Estado, o SNS ou mesmo outras instituições públicas, têm disponibilidade financeira para apostar nesta área?
Nós estamos a investir, com o apoio, com a alavanca do PRR- Programa de Recuperação e Resiliência, alguns milhões de euros nesta área. E posso apresentar um outro exemplo de um produto que estamos a trabalhar, que é o produto da Sword Health, uma startup portuguesa já com o estatuto de unicórnio, que é um produto que permite fazer fisioterapia remotamente. Alguém que esteja, por exemplo, a recuperar de um AVC deixa de ter a necessidade de se deslocar a um centro de fisioterapia e pode fazer a sua reabilitação em casa remotamente, com a ajuda de IA, com a ajuda dos sensores que são colocados no corpo e depois de assistido por um fisioterapeuta remotamente.
Isto é absolutamente incrível. Isto é investimento que inclusive se faz em conversações, precisamente, com o SNS no sentido de massificar em Portugal. Isto são tecnologias todas muito recentes e, com este investimento, com esta escala de investimento de 78 milhões de euros, no conjunto de todos os produtos do centro de Responsible AI, é uma fatia importante, sendo a principal para a área da saúde. Está a posicionar Portugal na vanguarda destes domínios. Agora existem aqui questões que são as questões da ética, da privacidade, dos dados.