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Líbia vive caos 13 anos depois da queda de Kadafi, mas há uma empresa lusa a fazer negócios

A Resul fechou um contrato de quase quatro milhões no país do Norte de África. A grande aposta da empresa de equipamentos de energia continua a ser o continente africano: “Temos um capital de simpatia em África”.

Milícias armadas, ataques terroristas, instabilidade política, e criminalidade elevada. Este é o cenário na Líbia depois da revolução de 2011 que culminou na deposição e morte do ditador Muamar Kadafi, originado pela Primavera Árabe, e que resultou em duas guerras civis e num país dividido.

Mas no meio de todo este caos, e apesar dos governos dos EUA, Reino Unido e Portugal desaconselharem viajar para este país, há uma empresa portuguesa que consegue fazer negócios na Líbia.

“A Líbia é um mercado que não existe neste momento. Está dividido em três, controlado por milícias diferentes e neste momento a GECOL [elétrica estatal], é um grande cliente nosso”, disse o presidente da Resul, companhia fundada em 1982 que vende equipamentos de energia, em particular para as redes de distribuição de eletricidade.

“Este ano vamos fornecer 3,8 milhões de euros à Líbia de um negócio que começou a ser falado em princípios de 2023. timing é muito longo, porque a decisão é longa, há muita burocracia. Exigimos pagamentos com cartas de crédito confirmadas e irrevogáveis. E demoram algum tempo até conseguir emitir a tal carta de crédito”, acrescentou Carlos Torres em conversa com o JE.
 
“Eu costumo muitas vezes dizer que uma das grandes mais valias da minha empresa é o know how adquirido em África. Nós sabemos como se trabalha em África, porque é um mercado que tem muitas especificidades e muitas dificuldades e onde é preciso ter muitas cautelas. Apesar da experiência que temos, já tivemos alguns desgostos. Mas são mercados em que, por exemplo, o timing de decisão do negócio é muito longo. Sabemos que para crescer nas vendas temos que procurar novos mercados”, afirmou.
 
Em 2023, as vendas atingiram os 12,7 milhões de euros, com o EBITDA a crescer mais de 50%, e o EBITDA recorrente a registar um aumento de 26%, com a empresa a salientar que a venda média por cliente cresceu 18% em 2023 face a período homólogo. A exportação representou mais de 50% da receita total da empresa. No mercado nacional, a faturação dividiu-se entre a unidade de negócios de fornecimento de mercadorias e a de centrais fotovoltaicas. Para 2024, a companhia prevê um crescimento da faturação superior a 12% e um EBITDA a crescer mais de 60%, impulsionado pelo crescimento das vendas acima de 12%.
 
No filme de 2016 War Dogs (Os traficantes), com o ator Jonah Hill, dois jovens norte-americanos tornam-se fornecedores do exército dos EUA, após a invasão do Iraque em 2003, especializando-se em contratos mais pequenos, rejeitados pelas grandes multinacionais do sector. A história é inspirada em factos reais e o modus operandi de negócio revelado no filme poderia aplicar-se à história da Resul.
 
“Interessamo-nos sempre muito por mercados pequenos. Quando há uma hipótese de um negócio de 400 mil euros no Burundi, por exemplo, não há nenhum dos tubarões meus concorrentes, que se interesse por uma encomenda destas. Para nós, é fundamental. Se calhar, oito dias depois já estamos lá. São mercados que não despertam a atenção dos tubarões. Para mim, uma encomenda de 300 mil/400 mil euros é extremamente interessante. Trabalhamos sobretudo para concursos de projetos, de eletrificação. Temos de ter vários mercados de maneira em que cada ano há sempre um que compensa outro”, explica o empresário.
 
Mas em 2018, o cenário era diferente para a empresa sediada na Bobadela, distrito de Lisboa. Com uma dívida bancária de 13 milhões de euros, a empresa entra em Processo Especial de Revitalização (PER).
 
“Chégamos a um ponto com um índice de dívida bancária muito alto. Nunca tivemos dívidas nem a fornecedores, nem a trabalhadores, nem à Segurança Social, nem ao fisco. Portanto, vimo-nos obrigados a passar por esse calvário”, afirma, revelando que a dívida recuou desde então para os nove milhões de euros.
 
A empresa chegou este ano a um acordo extrajudicial com os credores, que substitui o PER inicial, aligeirando o custo da dívida. “Isto permitiu-nos aligeirar bastante a pressão sobre a empresa. O serviço da dívida está muito mais aligeirado neste momento. A empresa tem a perfeita capacidade para o cumprir. Estou convencido que vamos amortizar o PER muito antes do seu término: dentro de três a quatro anos”.
 
“O único senão do PER é que eu não posso retirar dividendos da empresa, mas isso não me preocupa, a empresa é minha. E os dividendos que vamos acumulando permite-nos amortizar mais cedo a dívida”, acrescentou.
 
O empresário destacou o continente africano como um mercado onde a empresa gosta de atuar. “Temos um capital de simpatia. Portugal, enfim, não é uma potência económica, não assusta ninguém com alguma tendência imperialista. Em África temos algum prestígio, porque, quer nos países francófonos, quer nos anglófonos, eles têm boas relações com as antigas potências colonizadoras. Mas quando aparece alguém que oferece os mesmos níveis de confiança fora desse universo, nós somos preferidos. Temos um capital de simpatia em África que não é negligenciável. No Burundi, normalmente compravam tudo à Bélgica…”.
 
Os equipamentos são produzidos numa fábrica em Braga, com quem a Resul tem “há 42 anos, uma ligação muito forte. É uma fábrica altamente tecnológica. Exporta bastante para o mercado da subcontratação e para o mercado elétrico. Somos os distribuidores exclusivos”.
 
A empresa também tem contratos nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP):  “somos o fornecedor mais antigo das eléctricas de Cabo Verde, de Angola, de Moçambique e de São Tomé. Temos uma tradição e uma credibilidade acumulada”.
 
Em relação a Angola, o gestor aponta que há grande projetos de eletrificação no país, mas que são “financiados pelos americanos e pelos alemães. Aí não chegamos, porque os produtos têm de ser comprados na origem”.
 
Sobre Cabo Verde, destaca que o país está a fazer um “esforço imenso de eletrificação” que está “quase todo conseguido”. “Mas têm uma necessidade de reparação e de reposição de redes muito grande, como acontece nos Açores, porque a duração das redes elétricas nesses países insulares é muito menor do que em países tipo continental por causa da corrosão marítima e da salinidade”.
 
Nos Açores, a empresa já criou “alguns acessórios especiais feitos em aço inox, o que torna esta rede muito mais cara, cuja duração é muito inferior. Uma rede de distribuição eléctrica de baixa tensão em Portugal terá uma duração de 25 anos; nos Açores, chega a ter 10 anos”.
 
A empresa faturou 12,7 milhões de euros em 2023 e prevê fechar 2024 com 14 milhões, com um crescimento nas vendas. “Acho que vamos ultrapassar. Sou muito otimista, mas para aquilo que está em carteira está certo. O maior crescimento virá de exportação para África. O nosso grande universo de exportação será sempre África”.
 
A companhia também desenvolveu uma unidade para criar projetos solares fotovoltaicos de autoconsumo e já concluiu projetos em Cabo Verde e Espanha.
 
Internamente, destaca um concurso do grupo EDP (E-Redes) no valor de nove milhões de euros, distribuído por três anos. “Para já, isto assegura-nos três milhões de faturação no mercado interno”.
 
Na América Latina, diz que a empresa não pode vender “porque a tecnologia de rede da América Latina não tem nada a ver com europeia, é uma tecnologia de rede americana, os produtos não são compatíveis”, à exceção de um pequeno país para onde já vendeu: “no Suriname,  como foi uma colónia holandesa, toda a tecnologia de rede ali instalada é europeia”.
 
O empresário defende uma mudança nas regras do PER, considerando que “como está legislado, não é verdadeiramente um instrumento de recuperação de empresas. Antes pelo contrário, cria um estigma que depois torna difícil às empresas superá-lo. No nosso caso, o âmbito da dívida era restrito e foi fácil negociar. Tivemos o acordo dos credores porque provámos a viabilidade da empresa”.
 
E defende mesmo uma “desburocratização do processo”: “porque é que tem de passar por um tribunal, se os credores e eu chegamos a um acordo? Porque é que tem de haver a nomeação de um gestor judicial? Isto assusta o mercado. Se se chega a um acordo com os credores, só entro em incumprimento se não cumprir no novo acordo. É muito complicado, no primeiro PER perdemos oito meses até que o processo todo fosse desencadeado”.
 
A Resul vende equipamentos de energia em Portugal e em vários mercados, como Espanha, França, Itália, Angola, Argélia, Benim, Burundi, Cabo Verde, Egipto, Guiné-Equatorial, Guiné-Bissau, Israel, Líbia, Maurícias, Mauritânia, Moçambique, Quénia, São Tomé e Príncipe, Senegal, Tanzânia, Tunísia, Zâmbia, Zimbabwe, Sri Lanka, Suriname e Macau.