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Jacques Delors: "Senhor Europa" morreu aos 98 anos

Presidente da Comissão Europeia entre 1985 e 1995 (Portugal entrou para o bloco em 1986), Jacques Delors foi decisivo na construção da Europa contemporânea: criação do mercado único, assinatura dos acordos de Schengen, o lançamento do programa Erasmus, a reforma da política agrícola comum e o início da União Económica e Monetária que conduziria à criação e introdução do euro.

"Todos somos herdeiros da obra de vida de Jacques Delors: uma União Europeia dinâmica e próspera". A reação de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, ao desaparecimento do homem que marcou definitivamente este cargo resume o enorme peso que o francês teve na construção da identidade europeia.

O antigo presidente da Comissão Europeia Jacques Delors morreu esta quarta-feira em Paris aos 98 anos, informou a sua filha Martine Aubry à agência France Presse esta quarta-feira. "Morreu esta manhã na sua casa em Paris, enquanto dormia", afirmou a filha e presidente socialista da câmara de Lille.

Jacques Delors esteve à frente dos destinos da Europa durante três mandatos em Bruxelas e foi entre 1985  1995 que se tornou uma figura incontornável da construção do projeto europeu e considerado o “pai do euro”. Era o francês que presidia à Comissão no momento em que se deu a adesão de Portugal à União Europeia em 1986.

Foi a partir da capital belga que Jacques Delors "vestiu o fato" de arquiteto na definição dos contornos da Europa moderna. Em 1986, no mesmo ano em que Portugal aderiu à União Europeia, aprovou o Ato Único Europeu, o qual levou à criação do Mercado Único Europeu, em 1993.

O "Senhor Europa", como era conhecido nos corredores da Comissão Europeia, foi ainda responsável pela assinatura dos acordos de Schengen, o lançamento do programa de intercâmbio de estudantes Erasmus, a reforma da Política Agrícola Comum e o lançamento da União Económica e Monetária que conduziu à criação do euro. Assim, este francês de esquerda, fez a transição da Comunidade Europeia para a União Europeia, com reforços significativos na política de moeda única mas também para uma maior cooperação ao nível da defesa.

O político, nascido em Paris em 1925, defendeu até ao fim o reforço do federalismo europeu e apelou a uma maior "audácia" quando ocorreu o ‘Brexit’ (saída do Reino Unido da UE) e perante os ataques de "populistas de todos os tipos".

Renunciar às presidenciais como favorito

Proveniente da esquerda francesa, onde era um dos nomes mais proeminentes, Jacques Delors desempenhou o cargo de ministro da Economia entre 1981 a 1984 (na presidência de François Miterrand) antes de rumar a Bruxelas. No final de três mandatos na Europa, e quando todos esperavam uma candidatura às eleições presidenciais francesas de 1995, o momento que frustrou a esquerda em França.

No momento em que liderava as sondagens, mais de 13 milhões de telespetadores viram com surpresa a recusa de Jacques Delors em apresentar-se a escrutínio contra Jacques Chirac. No entanto, o arquiteto da Europa disse nunca se ter arrependido desta decisão. "Estava demasiado preocupado com a independência e sentia-me diferente dos que me rodeavam. A minha forma de fazer política não era a mesma", referiu na mesma ocasião.

Em março de 2020, apelou aos chefes de Estado e de Governo da UE para que demonstrassem maior solidariedade, numa altura em que se debatiam para conseguir uma resposta comum à pandemia de covid-19.

Do Banco de França à arquitetura da Europa

Após uma carreira no Banco de França, de 1945 a 1962, tornou-se membro do Conselho Económico e Social e chefe de serviço dos Assuntos Sociais no Comissariado Geral do Planeamento até 1969, onde foi nomeado secretário-geral para a formação permanente e para a promoção social.

Foi membro do gabinete do primeiro-ministro Jacques Chaban-Delmas, de 1969 a 1972, encarregado dos assuntos sociais e culturais, bem como das questões económicas, financeiras e sociais.

Foi professor associado da Universidade de Paris-Dauphine, de 1974 a 1979, e dirigiu o Centro de Pesquisa Trabalho e Sociedade. Foi membro do Conselho Geral da banca francesa, de 1973 a 1979. Ensinou também na Escola Nacional de Administração.

Enquanto membro do Partido Socialista francês, em 1974, e do seu comité diretor, em 1979, foi eleito parlamentar europeu em 1979 e presidiu à Comissão Económica e Monetária até maio de 1981. De maio de 1981 a julho de 1984, Jacques Delors foi ministro da Economia e das Finanças e foi também eleito presidente da Câmara de Clichy, de 1983 a 1984.

Entre o período 1992-1996, presidiu a Comissão Internacional sobre a educação para o século XXI na UNESCO. Durante a década de 2000, foi também presidente do Conselho de Emprego, de Receitas e da Coesão Social (CERC).

Durão Barroso: "Europa perdeu um dos mais extraordinários líderes"

O antigo presidente da Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso considerou que a “Europa perdeu um dos seus mais extraordinários líderes” com a morte de Jacques Delors, hoje em França.

“Com a morte de Jacques Delors, antigo presidente da Comissão Europeia com quem tive a honra e o prazer de colaborar em tantas ocasiões, a Europa perdeu um dos seus mais extraordinários líderes. Alguém que combinava os 'pequenos passos' da integração europeia com o ideal de uma Europa unida”, considerou em nota enviada à Lusa Durão Barroso, que liderou a Comissão entre 2004 e 2014.

Em mensagem enviada à agência Lusa, Durão Barroso recordou ainda que em “negociações difíceis” em que esteve enquanto ministro português dos Negócios Estrangeiros assistiu à forma como Delors “compreendia e apoiava um país como Portugal” e que como “grande europeu que era transcendia todos os sectarismos ideológicos”.

von der Leyen: "Somos herdeis da sua obra de vida"

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, recordou a “obra de vida” do antigo presidente do executivo comunitário Jacques Delors, que morreu ontem, assente numa União Europeia (UE) “dinâmica e próspera” e numa identidade comunitária.

“Todos nós somos herdeiros da obra de vida de Jacques Delors: uma União Europeia dinâmica e próspera. Jacques Delors forjou a sua visão de uma Europa unida e centrada no seu empenho na paz durante as horas sombrias da Segunda Guerra Mundial”, reagiu Ursula von der Leyen.

Num comunicado, a líder do executivo comunitário recorda o seu antigo homólogo como um “defensor incansável da cooperação entre as nações europeias e, posteriormente, do desenvolvimento da identidade europeia”, destacando a sua “inteligência notável e uma humanidade sem paralelo”.

“Uma ideia que concretizou graças, nomeadamente, à criação do Mercado Único, ao programa Erasmus e às primeiras etapas de uma moeda única, dando assim forma a um bloco europeu próspero e influente”, elencou.

Destacando o empenho de Jacques Delors na liberdade, justiça social e solidariedade, Ursula von der Leyen descreveu-o como “um visionário que tornou a Europa mais forte”.

“O seu trabalho teve um impacto profundo na vida de gerações de europeus, incluindo a minha. Estamos-lhe profundamente gratos. Honremos o seu legado, renovando e revigorando continuamente a nossa Europa”

 

COM LUSA