As relações entre Israel e as Nações Unidas nunca foram propriamente harmoniosas – salvo talvez à época da formação do Estado hebraico – e nas últimas décadas foram particularmente tensas, mas nunca chegaram ao ‘ground zero’ a que estão a chegar. Desde que o secretário-geral da ONU disse o que disse sobre Israel e sobre Gaza que o governo de Netanyahu tem liderado uma campanha pela demissão de António Guterres, no que foi secundado por alguns países.
Agora, à medida que o conflito avança e nada indica que não pare senão quando já pouco restar no enclave, o abespinhamento entre as duas partes aumenta todos os dias. Esta terça-feira, o órgão do Ministério da Defesa israelita responsável pelos assuntos civis palestinianos acusou as Nações Unidas de não fazerem o suficiente para processarem a ajuda humanitária em Gaza e acusou o organismo tutelado pelo antigo primeiro-ministro português de ser responsável pelo facto de os fornecimentos não chegarem ao território de forma suficientemente rápida.
“Aumentámos as nossas capacidades para realizar inspeções à ajuda entregue Gaza. [O posto de controlo de] Kerem Shalom será aberto, o que fará dobrar o número de inspeções. Mas a ajuda continua à espera à entrada de Rafah", lê-se numa nota emitida pela Coordenação das Atividades Governamentais nos Territórios (COGAT). “A ONU deve fazer melhor – a ajuda está lá e as pessoas precisam dela", acrescentava o comunicado, citado pela imprensa israelita.
Antes do ataque de 7 de outubro e guerra, cerca de 500 camiões de ajuda humanitária entravam em Gaza todos os dias, principalmente pela passagem de Kerem Shalom. Depois do início do conflito, Israel permitiu que a ajuda entrasse apenas por Rafah, na fronteira com o Egipto e só depois de cada camião ser minuciosamente inspecionado.
Nos últimos dias, a distribuição de ajuda só foi possível em Rafah, uma vez que os combates aumentaram de intensidade, espalharam-se pelo território e diversas estradas estão fechadas ou intransitáveis, disse, por seu turno, o gabinete de ajuda humanitária da ONU. Do mesmo modo, este domingo, uma centena de camiões com ajuda humanitária entraram em Gaza, disse Wael Abu Omar, um dos porta-vozes da Autoridade Palestiniana, muito aquém do necessário.
Dentro de abrigos e das áreas protegidas, os civis em Gaza têm enfrentado uma grave escassez de alimentos – esta semana a palavra ‘fome’ começou a ser usada – e de outros bens essenciais. De acordo com a ONU, cerca de 80% dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza foram deslocados pela guerra, alguns deles mais de uma vez.
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O embaixador palestiniano na ONU disse também esta terça-feira que “o nosso esforço é garantir um cessar-fogo humanitário imediato” e que vai apresentar uma resolução nesse sentido. Recorde-se que os Estados Unidos vetaram uma resolução anterior do Conselho de Segurança (na passada sexta-feira) que pedia um cessar-fogo em Gaza e o regresso de todos os reféns a Israel.
No terreno, é o caos: Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os Territórios Palestinianos Ocupados, expressou apoio à proposta de um cessar-fogo. Os relatos dos combates no sul do enclave são descritos como “o inferno na terra”.
E o conflito, evidentemente, tende a alastrar: o úmero de mortos em Jenin, na Cisjordânia, subiu para cinco após um ataque israelita na região durante a manhã de terça-feira. O Ministério da Saúde palestiniano disse que o homem, de 36 anos, sucumbiu à perda de sangue provocada por ferimentos, mas principalmente porque nenhuma ambulância foi capaz de o socorrer, dados os bloqueios israelitas. O ataque, com o uso de um drone matou um total de cinco palestinianos. Um deles, um jovem de 13 anos, também não terá podido contar com ajuda médica.