A reunião do Banco Central Europeu (BCE) de setembro está a gerar uma expectativa acrescida, com o mercado dividido entre uma pausa no ciclo de subidas mais agressivo da história da moeda única e novo aumento de 25 pontos base (p.b.) nas taxas diretoras. A inflação surpreendeu pela negativa em agosto, mantendo-se inalterada em valores desconfortáveis para o banco central, mas a atividade económica dá sinais claros de quebra, deixando os decisores europeus preocupados com uma possível recessão. Desde há um mês, investidores e analistas atribuem agora mais probabilidades para nova subida dos juros.
Antes dos dados de agosto, a generalidade do mercado antecipava que o pico dos juros tivesse sido atingido na reunião de julho, perante uma série de oito leituras em queda nas nove anteriores que levou o indicador do pico de 10,6% até 5,3%. No entanto, o abrandamento na desinflação foi notório a partir de maio e agosto trouxe nova leitura sem variação, adensando as preocupações com uma possível segunda vaga da pressão nos preços. Os alertas chegaram também, há uma semana, do governador do Banco de Portugal com Mário Centeno a sinalizar o risco de o BCE "fazer demais" na subida dos juros no combate à inflação, complicando a vida às famílias dependentes do crédito.
Após os novos dados de agosto da inflação na zona euro que se fixou ainda num nível elevado de 5,3%, o mercado parece agora mais inclinado para nova subida, a décima consecutiva. O cenário inverteu-se: de 25% de probabilidades atribuídas a um aumento há um mês, investidores e analistas atribuem agora 75% de hipóteses a este cenário, sobretudo depois de a ‘Reuters’ antecipar que as previsões do BCE irão rever a inflação em 2024 em alta, deixando a projeção acima de 3%.
Os analistas sublinham a dificuldade que cai sobre os decisores do BCE esta quinta-feira. A Ebury fala numa “das mais difíceis decisões neste ciclo”, inclinando-se para uma subida e perspetivando novo discurso hawkish da presidente Lagarde. Parte do racional por detrás desta projeção está nas próprias expectativas do mercado, que têm vindo a ajustar em alta.
“O BCE não é tão sensível às projeções do mercado como, por exemplo, a Reserva Federal, mas também não é completamente insensível, por isso este tipo de incorporação de margens aumenta a probabilidade de uma subida”, afirma o analista da Nordea, Jan von Gerich, citado pela ‘Reuters’.
O banco ING projeta que os juros voltem a subir 25 p.b., sublinhando a necessidade de o banco central manter e sinalizar ao mercado uma postura agressiva contra as pressões nos preços. Por outro lado, o risco de uma recessão pode inclinar a decisão para uma pausa, sobretudo dada a noção de que a zona euro está já em contração – uma teoria com ampla evidência nos inquéritos de atividade dos índices de gestores de compras (PMI) e de confiança.
Já Felix Feather, analista de economia europeia na abrdn, salienta que a possibilidade de uma pausa é reforçada por dois fatores: por um lado, vários dos membros mais hawkish do painel de política monetária do BCE não terão votos este mês, ao abrigo do sistema rotativo do banco; por outro lado, “a única solução de compromisso do banco – uma pausa com discurso hawkish – evita uma subida não imediato”, pelo que a projeção passa por este cenário.
Martin Wolburg, economista sénior da Generali Investments, tem igual expectativa, esperando que as taxas se mantenham inalteradas, mas com Lagarde a manifestar uma postura agressiva “sinalizando claramente que tal não deve ser interpretado como o fim do ciclo, mas sim como uma pausa”.
Von der Leyen preocupada
Na véspera da reunião do BCE (que coincidiu com o dia após a atualização de previsões da Comissão Europeia, antecipando 2,9% de inflação em 2024), a presidente da Comissão elogiou o trabalho do BCE, mas admitiu a sua preocupação com a pressão nos preços.
Von der Leyen classificou a elevada inflação como "um grande problema a resolver", sublinhando o compromisso de Christine Lagarde e restantes decisores do BCE no combate às tensões inflacionistas. A presidente da Comissão recebeu de braços abertos os recuos de preços da energia no bloco europeu, frisando o seu impacto na inflação, mas destacou outros dois desafios a abordar no seio da moeda única além da pressão nos preços.
A falta de mão-de-obra qualificada afeta a capacidade produtiva europeia, argumentou, bem como os entraves burocráticos que enfrentam as empresas atuantes na zona euro. Assim, é necessário pensar o futuro, tarefa para a qual o antigo líder do BCE, o italiano Mario Draghi, foi contactado pela Comissão.