Há uma década que o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o ‘seu’ Partido Bharatiya Janata (BJP) habituou os indianos a uma retórica vencedora. Maioritariamente vencedora: uma ‘nova Índia’ livre do nepotismo e da corrupção que contaminou governos anteriores. Desta vez, apenas uma maioria ‘não-absoluta’ voltou a apostar nessa ‘nova Índia’, aparentemente mais cheia de promessas que de realizações: o BJP perdeu a maioria dominante, abrindo um primeiro problema antes de todos os outros que se lhe seguirem: precisa de uma coligação para governar.
Para trás ficaram as sondagens, que (mais uma vez) erraram na análise que dava uma nova maioria confortável a Narendra Modi e ao processo em contínuo que se lhe seguiria – e que tinha como principais objetivos a independência da sua estratégia externa e o ‘assalto’ ao Top3 das economias mais importantes do planeta.
Agora, a acreditar na comunicação social, o país (político) está mergulhado no drama das reuniões, encontros (públicos e secretos), enclaves e debates para perceber o que vão ser os próximos cinco anos. Líderes da Aliança Democrática Nacional (NDA), liderada pelo BJP, e da aliança opositora (Índia) correram para Nova Délhi, a capital para perceberem o que sucedeu. O quadro é simpres: a aliança India conseguiu conquistar 232 lugares na Lok Sabha, a câmara baixa do Parlamento e o BJP manteve apenas 240 – com a maioria a conseguir-se com 272 deputados.
Esta quarta-feira, os maiores aliados do BJP na NDA, incluindo o Partido Telugu Desam (TDP), do Estado de Andhra Pradesh, e o Janata Dal (United) – também conhecido como JD(U) – do Estado de Bihar, prometeram apoio ao BJP e a Modi. Modi foi “eleito por unanimidade como líder da NDA”, sendo de destacar que os partidos que formam aquela plataforma conquistaram 293 lugares, 21 a mais que a marca da maioria absoluta. No entanto, chamam a atenção os analistas, uma questão central paira sobre as discussões políticas: o primeiro-ministro Modi pode governar ficando numa situação de dependência de outros partidos, algo que ele nunca fez antes?
“É uma incógnita”, disse Neelanjan Sircar, cientista político do Centro de Investigação Política de Nova Délhi. “Modi só foi conhecido por trabalhar como um líder com poder absolutamente centralizado”, referiu, citado pela “Al Jazeera”. “O ‘fenómeno ‘Modi’ é baseado numa forma particular de governação, ter de se comprometer com aliados não é o Modi que conhecemos”.
O primeiro-ministro é, aliás, conhecido por criar e romper com frequência alianças com outros partidos – onde se inclui o próprio Nitish Kumar, líder do JD(U), que conquistou 12 lugares. As relações com o TDP pautam-se pela mesma inconstância (16 lugares).
Modi, que governou com maiorias tanto noo governo central como, anteriormente, no governo regional do Estado de Gujarat, não está preparado, segundo os analistas, para governar em aliança – num quadro que fará o país regressar aos ‘solavancos’ políticos anteriores a 2014, quando os governos de coligação eram a norma.
Tudo isso ficará mais claro dentro de dias, quando o lugar de presidente da Câmara Baixa for ocupado. É um lugar meramente cerimonial, mas, num quadro de alianças, permitirá perceber para que ‘lado’ está o primeiro-ministro virado.
Mas o grande desafio é mesmo o da formação do governo. Nos últimos dez anos, Modi habituou-se a chamar a si todos os dossiês importantes e praticamente esvaziou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Ministério da Economia, o Ministério das Finanças e uma parte do Ministério do Interior – ou mais propriamente as suas funções. Se tiver de abrir mão de alguma destas importantes áreas, o próximo governo será necessariamente mais fraco e conflituoso e poderá colocar em risco as metas políticas que são há muito perseguidas por Modi.
Para Nilanjan Mukhopadhyay, biógrafo de Modi, citado pelo mesmo jornal, “não há outra opção para Modi – se ele quiser comportar-se da forma como se comportou nos últimos 10 anos, terá que deixar o cargo. Modi precisará de criar uma personalidade humilde e aberta a trabalhar com os outros – um lado dele que nunca vimos.”