O diretor geral da Bain & Company para Portugal e Espanha, Ignacio Otero, concedeu uma entrevista exclusiva ao Jornal Económico, na qual fez o balanço da entrada física em Portugal há cerca de um ano, apresentou previsões macroeconómicas e revelou que os objetivos da empresa passam por duplicar ou triplicar o negócio entre 2026-2028.
Numa das entrevistas que dava há exatamente um ano, dizia que a sua maior preocupação era a subida dos preços. À data de hoje, qual é o maior receio que têm?
Boa pergunta. Por exemplo, se partirmos da questão da inflação, parece que estamos a assistir a uma certa moderação nas subidas de preços. Porém, como vimos, resultou num aumento substancial das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu (BCE) na Europa e da Reserva Federal nos Estados Unidos. No mês passado, o BCE disse que espera que as taxas de juro e a Euribor se mantenham altas durante pelo menos no próximo ano e 2025. Assim, o natural seria esperar que isso tenha um impacto no rendimento disponível das famílias e no consumo, porque se os preços das hipotecas estão a subir - embora os salários também estejam a recuperar – continuam a gerar alguma incerteza na evolução da economia. Por outro lado, há elevados níveis de emprego na zona euro em geral, mas assiste-se a situações diferentes na Europa. Por exemplo, a Alemanha a entrar numa recessão técnica em maio. Neste momento, talvez a maior incerteza continue a ser o contexto geopolítico.
Dos fatores que enumerou, é o que tem mais efeitos nefastos?
É aquele que tem mais impacto no momento, ou pode ter, sobre a economia. Acho que a situação na Ucrânia é muito difícil de prever. Não sei se alguém poderia ter previsto o que aconteceu no último fim de semana de junho na Rússia. Se havia golpe de Estado ou não. A situação ainda é muito instável e ainda existem tensões geopolíticas, obviamente, entre os Estados Unidos e a China e outras geografias. Veremos que impacto isso pode ter na economia. A questão é que é imprevisível, porque qualquer uma dessas tensões pode voltar a causar problemas na cadeia de abastecimento ou mais inflação. Muitos dos clientes com quem estamos a trabalhar, mais do que tentar prever o futuro – que neste momento é muito difícil de prever - pretendem antecipar possíveis cenários menos próximos. Logicamente, ter alguma visão de curto, médio ou longo prazo e, com base nesses cenários, pensar que impacto podem ter nas suas estratégias e, a partir daí, criar flexibilidade. Claro que depende sempre do sector em que operam.
O primeiro escritório da Bain em Portugal completou recentemente um ano. Volvido esse tempo, consideram que foi um investimento realmente necessário e que está a colher frutos?
Abrimos formalmente o nosso escritório em Portugal (Lisboa) no ano passado, mas a verdade é que há mais de duas décadas que trabalhamos com clientes e desenvolvemos talento em Portugal. Portanto, é um mercado, um país, que conhecemos muito bem e no qual, depois de vários anos de presença e sobretudo de construção de equipas, fazia sentido estabelecermos uma presença física a longo prazo que fosse complementar à que temos em Madrid e cobrir bem o mercado ibérico. Um ano depois, não podemos estar mais felizes com a decisão. O desenvolvimento, quer do negócio quer da equipa, superaram as expectativas. Estamos acima do plano a que nos propusemos. Temos mais de 30 pessoas fisicamente em Portugal, entre as quais quatro sócios localizados e dedicados, que também trabalham de forma muito próxima com as de Madrid. Evidentemente, um dos objetivos era captar talento que quisesse trabalhar no mundo da consultoria estratégica em Portugal e gerar impacto nos clientes. Somos uma firma global.
Com essas metas superadas, fizeram alterações no plano? Quais são os próximos objetivos?
Não estamos a considerar previsões específicas, mas se olharmos para a trajetória que tivemos só nos últimos dois anos, mais que duplicámos a nossa presença em ambos os mercados [Portugal e Espanha]. 2022 foi um ano recorde para nós na Península Ibérica em termos de negócio e geração de equipas e a nossa ambição é, certamente, aumentar nos próximos três a cinco anos. Estamos a apontar para, claramente, mais do que duplicar ou mesmo triplicar a nossa presença.
O que podemos esperar da Bain para essa duplicação ou triplicação do negócio?
Estamos a trazer para o mercado toda a nossa força na atividade de M&A e private equity com projetos estratégicos. Algo que é muito importante, especialmente nos últimos anos, são as capacidades que estamos a trazer na área digital: analítica avançada e todos os tópicos em torno da Inteligência Artificial generativa, que agora são muito relevantes para os nossos clientes. Além disso, todos os assuntos relacionados com ESG, sustentabilidade, diversidade, inclusão, etc. Vamos continuar a investir nisso. No caso de Portugal, há uma aposta muito forte, como é natural tendo em conta a economia portuguesa, nos serviços financeiros, na indústria, na energia, nos transportes e no retalho.
Como definiria o momento que atravessamos?
Estamos num ponto em que o pêndulo da globalização parece ter terminado e encontramo-nos noutro pêndulo com cadeias de abastecimento mais curtas. Falo em investimentos na construção de infraestruturas de abastecimento mais próximas, o que requer uma reflexão e transformação significativas de muitas das empresas com as quais operamos a diferentes níveis. Também vemos um peso maior da regulação, da intervenção dos governos, nestas situações macroeconómicas. Se juntarmos a isso a digitalização, por exemplo, a Inteligência Artificial, sobre a qual muitos dos nossos clientes estão a tentar perceber que impacto terá nos seus negócios, como podem aproveitar a tecnologia para gerar melhores experiências para os seus e mais oportunidades de amplificar o trabalho que os trabalhadores fazem. Acho que estamos num momento muito interessante, com muitas mudanças e turbulências, o que normalmente significa momentos de ótimas oportunidades para o nosso negócio, porque vamos navegar nessas mudanças e turbulências para os ajudar e sair vencedores.
Portugal teve agora uma comissão parlamentar à tutela política da gestão de uma grande empresa do Estado. O debate empresas públicas vs empresas políticas intensificou-se. Enquanto consultora de gestão, como é que lidam com dossiês deste género?
Trabalhamos mais com os privados. Sempre houve discussão sobre essa questão. No caso de Espanha, houve um importante processo de privatização de muitas dessas empresas estatais. É verdade que, por exemplo, o Governo espanhol continua a ter participações naquilo que considera alguns sectores estratégicos (defesa, etc.), mas o debate, de certa forma, diminuiu com o tempo. O nosso foco é a geração de resultados e o trabalho com as equipas de gestão das empresas em geral, apresentando resultados transparentes e mensuráveis nessas áreas, tanto económica como social e ambiental.