É um dos poucos temas que une o Governo, o principal partido da oposição e os principais sindicatos da TAP. Num ou noutro momento – (ainda que no caso do Governo, as declarações tenham variado ou mudado antes e depois) – elementos do executivo de António Costa, o líder do PSD e o sindicato dos pilotos, um dos mais fortes da companhia, pela voz do seu presidente, mostraram-se contra a possibilidade de o Grupo IAG (que detém a British Airways, mas sobretudo a Iberia) vir a comprar a TAP.
A razão é simples: de uma ou outra forma, o ministro da Economia, António Costa Silva, o líder social-democrata Luís Montenegro e o representante dos pilotos Tiago Faria Lopes receiam que o hub de Lisboa, atualmente no aeroporto Humberto Delgado, seja esvaziado em detrimento de Madrid. Daí que, em alguns casos, se fale na necessidade de “proteger” o hub de Lisboa, caso a eventual proposta da IAG venha a ser considera melhor do que a de outros potenciais interessados (fala-se da Lufthansa e da Air France/KLM).
Desde que o primeiro Governo de António Costa reverteu a privatização da TAP em 2016 – medida reforçada anos depois com a saída em 2020 de David Neeleman – que a intervenção do Estado para “proteger” o interesse público e a companhia aérea traduziram-se, segundo a oposição, em intervenções sobre rotas, escolha de administração e modelos de governance, em decisões de gestão corrente como substituição de frotas automóveis e num contacto quase permanente com uma CEO, Christine Ourmieres-Widener, que depois foi exonerada em conferência de imprensa ainda antes de se ter realizado uma assembleia-geral para oficializar o ato. Mas neste caso da atual venda da TAP poderão estar em cima da mesa a inscrição de “garantias” no decreto-lei da privatização, destinadas a limitar a ação do IAG no que diz respeito às rotas de e para Lisboa.
É neste ponto, apurou o Jornal Económico, que pelo menos um dos interessados, o Grupo IAG, choca com alguma força. O grupo – que pelo seu trajeto na compra da espanhola Iberia e da irlandesa Air Lingus considera deslocados os receios quanto ao fim da aposta no “hub” de Lisboa – considera que as tais “garantias” são uma via com dois sentidos. Se de um lado estarão exigências do Governo, do outro estarão condições do grupo, sendo que o mais importante é a capacidade de poder gerir profissionalmente a TAP.
O Grupo IAG, mais do que proteger o que já existe do hub de Lisboa, planeia desenvolvê-lo – como diz ter feito em Dublin, no caso da Air Lingus, e em Madrid, já com a Iberia absorvida. Mas face ao modelo de privatização que vier a ser decidido, vai pôr a pergunta “Tenho ou não tenho condições para fazer uma gestão profissional da empresa?”. Será essa uma das suas principais linhas vermelhas, mais do que a percentagem do capital que (ainda ficará) do lado do Estado português. Recorde-se que o Jornal Económico adiantou na sua edição de 30 de junho, que o Governo privilegia uma privatização estilo SATA, em que ficaria a deter entre 15 e 49% da companhia aérea portuguesa. Mas o Estado poderia sempre incluir nas negociações um plano concreto para, de forma faseada, ir saindo cada vez mais do capital da TAP, a caminho da solução que o Grupo IAG prefere: deter 100% das companhias que compra.
A variação da percentagem de capital é demasiada para que algum dos interessados de pronuncie, mas a expectativa é grande quanto ao decreto-lei que estava previsto até ao final deste mês e que, depois, o ministro das Infraestruturas, João Galamba, já disse que demorará um pouco mais. Nesta quarta-feira, Fernando Medina, prometeu um documento pronto nas próximas semanas, mas sem especificar.
Ainda assim, segundo também apurou o Jornal Económico, o tema das garantias foi colocado perante o IAG nos processos anteriores, Iberia e Air Lingus, mas o desenvolvimento do negócio que se seguiu torno-as numa “não questão”. Ou seja, não foram acionadas. Mas nesses dois casos não havia participação do Estado no capital de nenhuma das empresas. E o grupo IAG – apesar de ter uma cúpula – não tem uma estratégia única para as companhias que detém, antes atribui-lhes autonomia para que as suas administrações façam e executem os seus próprios planos de crescimento. O mesmo se aplica às condições salariais dos trabalhadores das várias companhias do grupo: os mercados em que operam, o histórico de acordos de empresa, de aumentos e benefícios e mesmo a dinâmica de uma companhia – se é companhia de bandeira ou concorre com os low-cost tem levado o grupo IAG a não ter uma solução única para todos.
Mas se não há “one size fits all” para a estratégia, isso também significa que na TAP poderá ser preciso algo que nunca foi necessário nas outras.
Por outro lado, tal como o Estado português parece agora admitir, também na IAG se acredita que os Governos não sabem gerir companhias aéreas. E a principal razão para isso é uma visão de curto prazo que é impeditiva de uma boa gestão numa empresa deste sector.
Sobre os atrativos da TAP para investidores do sector já muito se escreveu. A oferta da companhia portuguesa no Brasil abre o apetite – tem 47% dos lugares disponíveis (Available Seats per Kilometer ASK, a métrica mais usada) – contra os 3% da IAG. Claro que grande parte do valor assenta numa resolução da Assembleia da República – a última das quais aprovada em 2021 – que aprova um acordo aéreo entre Portugal e o Brasil sobre serviços aéreos, mediante o qual cada país escolhe companhias para operar em exclusividade. Lisboa tem escolhido a TAP.