As grandes tecnológicas, que detém as mais famosas redes sociais, vão enveredar pela criação de sistemas de pagamentos para restrição de publicidade, portanto os utilizadores vão começar a pagar mais mensalidades se não quiserem ter anúncios nos feeds. Quem o defende é o advogado e investigador Francisco de Abreu Duarte, em entrevista ao Jornal Económico (JE) a propósito da vitória na sexta edição do Prémio Abreu.
“Acho que vai haver uma mudança radical em quase todas as plataformas online em 2024 ao nível dos modelos de negócio, tanto por causa do DMA [Digital Markets Act] como do DAS [Digital Services Act]. As plataformas estão a perceber que no continente europeu têm um problema grave e a reação é um novo modelo de negócio de subscrição. Vamos entrar num mundo em que teremos de pagar para ter acesso a direitos que são nossos”, antevê Francisco Abreu Duarte.
No âmbito da tese de doutoramento, na qual trabalhou nos últimos quatros anos, passou algum tempo em Silicon Valley e percebeu que a visão destas empresas é bastante “americana e capitalista” de “se as pessoas querem ter uma experiência mais privacy oriented [orientada para a privacidade] então significa 2,99$, 7,99$ ou 8,99$”, referindo-se às subscrições a pagar para não ter anúncios publicitários no ecrã.
Esta e outras conclusões a que chegou o autor, e que o levaram à tese, foi adaptada numa obra mais curta que conquistou recentemente o Instituto do Conhecimento da Abreu Advogados. Designada “O Equilíbrio Digital: como os Indivíduos, as Empresas e os Governos negociaram a Regulamentação do Discurso Online na União Europeia”, recebeu 7.500 euros desta sociedade.
Francisco Abreu Duarte teoriza sobre três modelos relacionados com a liberdade de expressão online, entre os quais está um – o mais provável de ser bem-sucedido – ao qual chama “curadores certificados”, que cria outra camada concorrencial de empresas única e exclusivamente dedicadas a fazer a curadoria do conteúdo. Trata-se de intermediários entre a rede social e o internauta. Mais ou menos o que o Skyscanner faz entre os utilizadores (turistas) e as companhias aéreas mundiais.
“Entre o utilizador e o Facebook ou o Twitter está essa camada de empresas, cujo objeto de negócio é garantir que, por exemplo, quando vou ao Instagram, há um determinado feed cronológico decidido por um enorme conjunto de outras empresas em vez das plataformas. A vantagem é que o utilizador tinha a verdadeira escolha algorítmica”, esclarece, em declarações ao JE.
Assim, as pessoas podiam consultar o que queriam sem ter de fugir dessa plataforma. “Eu gosto do Instagram enquanto infraestrutura. As partes de mensagens e de stories estão bem feitas. Não preciso nem quero ter outro Instagram ao lado deste. O que quero é poder dizer ao Instagram: «Agora não quero ver o que seja que tu achas que eu quero ver»”, ressalva o académico.
“Se quero conteúdos de literatura, carrego e o feed transforma-se para literatura e pode ter anúncios na mesma, de literatura. A meio do dia estou aborrecido, carrego noutro ticker e mudo para conteúdo social”
Questionado sobre a monetização, retorquiu que é possível. “Basta pensar que a Disney podia ter um curador Disney para uma conta de algum grande fã da Disney, onde estavam comunidades com grandes discussões sobre esse tema”, exemplificou.
De onde partiu esta ideia? Dos anos em que viveu nos Estados Unidos, marcados pelo escândalo de dados da Cambridge Analytica e as alegadas intromissões nas eleições norte-americanas de 2016. “As plataformas digitais estavam a atravessar tempos difíceis. Achei que tinha de haver uma solução que resolvesse os problemas que estavam a surgir em termos de liberdade de expressão online, mas que ao mesmo tempo não destruísse completamente o ecossistema, porque era bom e as pessoas gostavam de ter as suas contas de Instagram, Tiktok, Twitter…”, conta ao JE.
Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Francisco de Abreu Duarte é mestre pela Universidade de Nova Iorque e está prestes a completar o doutoramento no Instituto Universitário Europeu, em Florença. A defesa da tese, de onde surgiu este trabalho, está marcada para o próximo dia 6 de março. Entretanto, receberá feedback de uma editora internacional, como Cambridge ou Oxford, para publicação da mesma.
O presidente do Instituto do Conhecimento da Abreu Advogados disse ao JE que o trabalho de Francisco Abreu Duarte é diferenciador não só pelo assunto escolhido como também pela abordagem, porque “não se limita a descrever o estado das coisas”, mas “propõe soluções originais”. Daí ter sido um dos seis finalistas e, na última ronda de avaliação do júri, vencido por unanimidade.
“Abordou um tema particularmente importante nos dias que correm, que tem que ver com a expressão de cada num tempo de plataformas digitais. Anteriormente, o problema da liberdade de expressão colocava-se, fundamentalmente, aos órgãos de comunicação social e era mediado pelos diretores editoriais. Havia um filtro que limitava esse acesso ao espaço público”, começa por explicar Luís Barreto Xavier.
Contudo, as redes sociais abriram o espaço público aberto a “uma multidão de identidades e, por vezes, até de bots criados por Inteligência Artificial”. “O paradigma da liberdade de expressão tem de ser analisado numa perspetiva diferente. Se grandes empresas tecnológicas têm um poder sobre os cidadãos comparável ao de alguns governos, como é que se encontra um equilíbrio?”, interrogou-se Luís Barreto Xavier. É por esse motivo que esta distinção “não podia ter ficado em melhores mãos”, crê.
Além do modelo de curadores, o doutorando escreve sobre um primeiro “futuro possível”, que passa por seguir os passos da Lei dos Serviços Digitais da União Europeia em todo o mundo, e um segundo em que os utilizadores põem as plataformas digitais completamente de lado. “É um tipo de serviço que algumas pessoas, quando fugiram do Twitter, começaram a utilizar e criaram pequenas comunidades. O problema disto é que não há controlo nenhum sobre o que é que acontece nessas comunidades”, alerta.
A sétima edição do Prémio Abreu - crido para promover a articulação entre a ciência jurídica e a prática do Direito e incentivar a inovação na resolução de problemas jurídicos - será lançada em 2025. Neste último caso, o apelido “Abreu” e a vitória serão mera coincidência.