Numa altura em que por causa dos juros elevados há uma quebra na procura por crédito à habitação, a banca está a apostar na promoção do crédito pessoal com cada vez mais campanhas. Há instituições financeiras a darem vouchers a clientes que usem o cartão de crédito, mas também a creditarem nestes cartões parte do dinheiro gasto no supermercado. Há também quem esteja a enviar notificações através das aplicações móveis a oferecer crédito pessoal, nomeadamente para a compra de smartphones. O Banco de Portugal desvaloriza a atuação dos bancos, afastando a ideia de que representa um risco para o sector e para os clientes.
São várias as campanhas que se encontram atualmente assim que se entra nos sites dos bancos nacionais. “Peça online o seu novo cartão de crédito até 30 de janeiro. Não paga comissão de disponibilização em 2024 e ainda pode ganhar até 100 euros em vales Fnac”, anuncia o Santander Portugal, numa oferta para clientes do banco que contratem um cartão de crédito Santander ou um cartão de crédito Gold, exclusivamente nos canais digitais do banco.
Na Caixa Geral de Depósitos, quem tem ou pedir um Cartão de Crédito Caixa Classic, Caixa Gold ou Caixa Platina tem acesso a um programa de cashback. O banco de capitais públicos promete devolver 1% das despesas “em supermercados e farmácias e em terminais de pagamento da Caixa nos outros setores de atividade” pagas com cartão de crédito, mas com um limite de 10 euros por extrato.
O BCP, por outro lado, está a reverter em cartão de crédito uma parte dos gastos que os clientes poderão ter com bens alimentares. Para isso, têm de domiciliar o salário no banco. “De 16 de janeiro a 15 de abril de 2024, ao trazer o ordenado para o Millennium, recebe de volta 10% de todas as compras de supermercado que fizer com qualquer cartão até dezembro de 2024”, anuncia a instituição financeira liderada por Miguel Maya, detalhando que o “valor máximo que pode receber todos os meses é de 30 euros, sempre no cartão de crédito associado à conta onde recebe o ordenado”.
Já o BPI, por exemplo, está a adotar uma estratégia mais incisiva, enviando notificações aos clientes através da sua aplicação móvel a oferecer crédito pessoal. "Conheça o novo simulador de crédito imediato (TAEG de 11,5%) na sua BPI App. Faça uma simulação até 30 mil euros e veja se os seus sonhos podem transformar-se em realidade", diz o banco, que também está a disponibilizar soluções para a compra de smartphones. “Na compra de um Samsung S24 receba como oferta o dobro do armazenamento do equipamento, campanha válida de 17 a 30 de janeiro de 2024”, refere o banco liderado por João Pedro Oliveira e Costa na sua página online.
“Já substituía? Então substitua já”, pode ler-se no site do banco liderado por Mark Bourke, remetendo para uma imagem de um computador obsoleto. O Novobanco promete até dar uma resposta em 24 horas e, caso o crédito seja aprovado, o dinheiro na conta em 48 horas.
Regulador afasta aumento de riscos
Esta aposta é feita numa altura em que há um aumento da procura por este tipo de empréstimos, mas também em que os juros máximos destes produtos estão mais elevados – a taxa máxima dos cartões de crédito subiu neste trimestre para 18,6%, um máximo de oito anos. De acordo com os dados divulgados pelo Banco de Portugal no final da semana passada, os empréstimos ao consumo atingiram 21,2 mil milhões de euros em dezembro, mais 500 milhões do que no final de 2022. O regulador adianta que estes empréstimos aumentaram 3,6% em 2023.
A par deste aumento, verifica-se igualmente uma quebra na contratação do crédito à habitação. O montante total de empréstimos para habitação era de 98,9 mil milhões de euros no final do ano passado, menos 1,4 mil milhões do que em dezembro de 2022.
Ainda assim, o BPI afasta que esta aposta sirva para compensar esta tendência nos empréstimos para a compra de casa. “Não se aplica ao BPI. Aliás, o banco tem vindo a ganhar quota na produção de crédito habitação e mantém estável a quota no crédito ao consumo”, afirma fonte oficial do banco liderado por João Pedro Oliveira e Costa.
Questionado se a promoção do crédito ao consumo pode representar um risco para o sector e para os clientes, o BPI afirma que não, desde que haja “uma adequada avaliação e prevenção do risco”. O banco, garante, “avalia sempre com rigor o risco e a capacidade de pagamento do Cliente, como é comprovado pelos seus indicadores de incumprimento”. Os restantes quatro bancos não responderam às questões colocadas pelo Jornal Económico.
Também o Banco de Portugal relembra que, “em Portugal, as instituições estão obrigadas a observar um conjunto de princípios e regras no âmbito da comercialização de produtos de crédito aos consumidores”. Além de terem de “garantir a transparência e a veracidade da informação transmitida” na publicidade a estes produtos, há também um conjunto de “requisitos que visam promover uma concessão responsável de crédito”.
“As instituições estão obrigadas a avaliar a capacidade dos clientes bancários para cumprirem as obrigações que pretendem assumir, ou seja, devem avaliar a sua solvabilidade. Assim, as instituições apenas devem conceder o crédito (ou aumentar o montante total do crédito, se for o caso) se resultar da avaliação da solvabilidade que é provável que o cliente bancário cumpra as obrigações decorrentes do contrato de crédito”, frisa o regulador, notando ainda que a recomendação macroprudencial impõe, por exemplo, que o rácio entre o montante da prestação mensal calculada com todos os empréstimos do mutuário e o seu rendimento mensal não pode ser superior a 50%.
“O Banco de Portugal fiscaliza a conformidade da atuação das instituições com estas obrigações, adotando as medidas consideradas adequadas sempre que verifica o seu incumprimento”, salienta, recordando que, “a médio prazo, estão previstas alterações ao quadro legal e regulamentar em vigor”. Os Estados-membros têm até novembro de 2025 para transpor a nova diretiva, publicada no final de outubro, sobre os contratos de crédito aos consumidores, que vem reforçar a proteção dos consumidores no âmbito do crédito ao consumo.