O mercado da habitação em Portugal continua a ser um dos principais dinamizadores da economia, tendo estado nos últimos meses na ordem do dia graças ao programa 'Mais Habitação' criado pelo Governo, numa tentativa de responder às principais necessidades de um sector fundamental para o dia-a-dia das famílias e jovens portugueses.
Após uma pandemia, o sector enfrenta agora as subidas das taxas de juro nos preços das casas e como tal necessita de soluções a médio longo prazo.
Foi com base nestes e outros pressupostos que a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FMSS), elaborou nos últimos meses um estudo intitulado 'A crise da habitação nas grandes cidades' e que é divulgado esta quinta-feira, 26 de julho, no qual identifica objetivos críticos que devem ser concretizados no curto e no médio prazo para resolver vários problemas do mercado de habitação.
Em entrevista ao Jornal Económico (JE), Hugo Vilares de Almeida, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, e um dos autores deste estudo, aborda as conclusões e preocupações analisadas por este documento e as recomendações que devem ser adotadas.
Que problemas pretenderam alertar com este estudo?
Em primeiro lugar, tentar compreender qual tinha sido o impacto que tanto a pandemia como a própria inflação tiveram no mercado da habitação e perceber se havia ou não alguma sobrevalorização de preços nas casas em Portugal.
Depois analisar a acessibilidade dos agregados familiares tanto na aquisição, como no arrendamento de habitação e por fim refletir um pouco em termos de estratégias de política pública internacionais que foram adotadas e ter um conjunto de recomendações de estratégia e de planeamento de política pública nesta área.
Foi basicamente tentar fazer uma revisão do estado atual do mercado, tentar compreender as suas dinâmicas e tentar recomendar alguns vetores de intervenção de política pública que pudessem ser úteis para eventualmente alguns problemas ou agravamento neste caso de acessibilidade que foi detetada.
Quais as conclusões que retiram e que podem gerar mais preocupação para o mercado da habitação e para os portugueses?
Desde logo a situação da acessibilidade é algo que nos preocupa. Nós sabíamos que os preços da habitação estavam em crescimento e estavam em crescimento com exuberância. Ou seja, nós não conseguíamos explicar pelas dinâmicas implícitas dos fatores macroeconómicos a evolução.
Mas o que nos surpreendeu e de facto é preocupante, é o agravamento da acessibilidade. Hoje em dia é muito mais difícil arrendar ou adquirir habitação nos grandes centros urbanos em Portugal. E não estamos só a falar de Lisboa e do Porto. Estamos a falar das áreas metropolitanas como um todo.
Ou seja, cada vez é mais difícil não é só viver em Lisboa, é mais difícil viver na Amadora, no Barreiro, em Loures, em Odivelas, em Almada. Tem havido tanto no arrendamento como na aquisição um agravamento das condições de acessibilidade. Temos cada vez mais uma fração populacional que tem dificuldades efetivas de encontrar habitação acessível e condigna.
Essas dificuldades devem-se a essa sobrevalorização dos preços da habitação que vieram num crescendo. Durante a pandemia sentiram que houve algum abrandamento?
Da análise que fizemos não notámos um abrandamento durante a pandemia. O que notamos foi que desde 2017, e o estudo anterior da fundação já apontava isso, é que há um comportamento exuberante de preços que se manteve. Desde 2017 e até ao final de 2022, que foi quando terminamos a nossa análise, temos um comportamento contínuo em que os preços da habitação crescem substancialmente acima dos rendimentos e do próprio comportamento do PIB e que tornam cada vez mais difícil a acessibilidade.
Portanto, a pandemia não trouxe um abrandamento ao nível do mercado da habitação. Alguma coisa se houve no apoio durante a pandemia, que foram instrumentos importantes para a proteção do rendimento das famílias, que também terão contribuído para um aumento de novos empréstimos de aquisição para habitação. Portanto, se houve algum fenómeno foi o inverso.
Que as soluções apresentam para que o problema do acesso à habitação possa ser resolvido de alguma forma a curto médio prazo?
A nossa ideia desde logo é que analisando os fundamentos tanto da oferta como da procura, dificilmente haverá uma solução imediata. As recomendações que nós fazemos em termos de política pública baseiam-se na ideia de providenciar um alívio imediato a situações mais problemáticas em termos de acessibilidade e manutenção de habitação, ao mesmo tempo que se tenta desbloquear uma estratégia de médio longo prazo que resolva estruturalmente a situação de acessibilidade.
Portanto, em termos de políticas de curto prazo para ajudar imediatamente, nós o que achamos que é possível ser feito e recomendamos é que haja alguma subsidiação no arrendamento, alguma subsidiação para atuais proprietários, porque os atuais proprietários que correm a crédito habitação estão a enfrentar situações de liquidez complexas com a subida de taxas de juro ou restrições de liquidez no orçamento das famílias que importa tentar aplacar, no sentido de tentar evitar situações de perda das habitações atuais.
Achamos que controlos às rendas não devem ser feitos no médio longo prazo porque têm efeitos distorcionários muito complexos. Estamos a falar de políticas que acabam por, de acordo com a evidência internacional, quando se mantém durante muito tempo, deprimir o mercado do arrendamento, diminuir o mercado do arrendamento. Recomendamos também que sejam tomadas medidas ao nível do Alojamento Local, porque temos uma grande disparidade de realidades.
Por exemplo, em Lisboa temos situações como a Baixa, a Estrela e Arroios onde temos uma prevalência de alojamentos locais que realmente é significativo, mas depois temos bairros como Benfica, Beato e Lumiar, onde tal não é tão evidente.
Portanto, tomar medidas para toda a cidade ou de forma generalizada. Recomendamos que seja evitado e que haja uma estratégia local nesse sentido.
Por último, relativamente à procura por estrangeiros o que nós refletimos foi que de facto o impacto seria globalmente limitado a restringir a procura externa. Em parte, porque grande parte dessa procura vem de cidadãos europeus que têm direitos constituídos para ter acesso à habitação em Portugal e porque as dimensões em termos dos programas de Vistos Gold, em termos dos programas dos nómadas digitais e até de residentes não habituais, portanto o desconto fiscal. Se considerarmos todos estes grupos, consideramos que mesmo que os removêssemos como um todo, não iria resolver de forma significativa o problema da habitação.
Fizemos todo o estudo com base em habitações medianas, ou seja, nem estamos a falar de média de preço. Estamos a falar da mediana de preço e a dinâmica que nós encontramos é muito substancial e não é fortemente explicada por estes fenómenos.
No curto prazo basicamente o que defendemos em termos de recomendação é procurar atender às situações mais extremas em que a acessibilidade se torne um problema grave. Ganhando tempo para desbloquear uma estratégia de médio longo prazo que deve passar em primeiro lugar por definir áreas de expansão nas áreas metropolitanas, criando centralidades, desenvolvendo políticas de transporte e serviços públicos que desbloqueiem novas áreas nas áreas metropolitanas e que permitam a expansão efetiva da oferta.
É importante não só expandir a oferta, mas também aumentar a elasticidade dessa oferta, ou seja, que de futuro estruturalmente face ao aumento de preços, o próprio mercado construa mais e gere mais oferta e, portanto, é importante pensar o licenciamento que deve ser mais previsível, mais ágil, menos burocrático, mais rápido.