Qual a melhor estratégia para o mercado de habitação em Portugal? Esta é uma das questões levantada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) no estudo intitulado 'A crise da habitação nas grandes cidades" que identifica o agravamento nas condições de acesso à habitação para compra e arrendamento. Um dos cenários mais preocupantes diz respeito aos jovens casais que desejam comprar casa e o rendimento para que tal necessitam. Os indicadores do estudo revelam que o capital inicial para um casal que é necessário dar de “entrada”, mesmo nos casos em que a avaliação bancária coincide com o valor de transação, aumentou para uma casa média de cerca de 30 mil para 56 mil euros (86%) no concelho de Lisboa, e de cerca de 16 mil para 37 mil euros (131%) no concelho do Porto, entre o período de 2017 e 2022.
Segundo o estudo da FFMS, para um agregado tipo com dois indivíduos no ativo, "o capital inicial que é necessário dar de entrada, mesmo nos casos em que a avaliação bancária coincide com o valor de transação, aumentou para a casa mediana de cerca de 30 mil para 56 mil euros no concelho de Lisboa e de cerca de 16 mil para 37 mil euros no concelho do Porto, entre 2017 e 2022".
Este fenómeno, frisa, "tem ainda maior expressão quando analisamos as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, onde é notório o agravamento das condições necessárias para aquisição de habitação mediana em todos os concelhos".
Os autores do estudo destacam ainda que uma das consequências do aumento dos preços das casas a partir de 2017 em Portugal, foi a deterioração da acessibilidade ao mercado da habitação. "O que significa que as famílias precisam de utilizar uma percentagem maior do seu rendimento para comprar ou arrendar casa. Para além do aumento dos preços das casas, a instabilidade do emprego e as condições de crédito mais restritivas têm também contribuído para aumentar a dificuldade do acesso à habitação", concluem.
É ainda realçado que "esta evolução deverá ter contribuído para alguma alteração demográfica das famílias que pedem crédito à habitação nos últimos cinco anos, verificando-se uma diminuição de pedidos de crédito por parte de agregados familiares mais jovens, provavelmente com perfil de risco mais elevado e a um aumento do número de agregados familiares em faixas etárias mais velhas e com um perfil de risco mais baixo".
Para melhorar o acesso ao mercado de habitação e arrendamento, o e estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos deixa recomendações para a política de habitação, como a subsidiação no arredamento e para proprietários para responder à subida dos juros. E ainda a necessidade de estímulo de projetos built-to-rent com garantias de estabilidade fiscal por parte do Estado - um modelo de negócio (construção para arrendamento) que é uma aposta vencedora em diversos países e que está a dar os primeiros passos em Portugal.
Do Beato a Santa Clara vão 107 mil euros de distância
Dados fornecidos ao Jornal Económico (JE) pelo Sistema de Informação Residencial (SIR) do Confidencial Imobiliário, mostram que em 2017, o preço médio de um apartamento de tipologia T2 na freguesia do Beato, então a mais barata do distrito de Lisboa era de 108.596 euros.
Em junho de 2023, esse estatuto pertence à freguesia de Santa Clara, onde o preço médio de um T2 custa 216.285 euros, uma diferença de 107.689 euros face à freguesia do Beato em 2017.
Por sua vez, na cidade do Porto em 2017 a freguesia de Paranhos era aquela onde se podia adquirir um T2 ao valor mais barato do distrito, por 92.692 euros. Já em junho deste ano, a freguesia da Campanhã é onde se encontram conta os apartamentos T2 ao preço mais "acessível", por 197.286 euros.
Acessibilidade e apoio às famílias com fragilidades económicas
Com cada vez mais dificuldades no acesso à habitação principalmente provocadas pela subida das taxas de juro este documento da FFMS recomenda várias soluções e medidas que podem ser aplicadas de forma a apoiar as famílias e jovens em Portugal.
Desde logo a existência de um planeamento das cidades assente em quatro pilares: a expansão efetiva da oferta e o aumento da sua elasticidade; planear a expansão das cidades e garantir a provisão de sistemas de transportes sustentáveis e de bens e serviços públicos; providenciar a qualidade habitacional aos cidadãos de forma sustentável, inclusiva, harmoniosa, acessível, e com menor volatilidade de preços e rendas; apoiar temporariamente as famílias em situações economicamente mais difíceis.
No segmento da procura e dirigindo-se a habitações para Alojamento Local (AL), o estudo enfatiza que tal ocorreu "de forma inicialmente descontrolada", o que provocou uma significativa "gentrificação turística" de alguns locais e bairros de Lisboa e Porto.
Como tal, o estudo defende que as restrições ao AL devem ser adotadas "a nível local atendendo à realidade de cada bairro/freguesia, procurando proteger unidades de maior valor acrescentado e os investimentos passados, enquanto evitam uma excessiva gentrificação turística".
Proteção atribuída aos arrendatários em face de despejos
O mercado do arrendamento é outro dos tópicos analisados neste estudo que realça a importância de um equilíbrio contratual entre senhorio e arrendatário, e nesse contexto a "proteção atribuída aos arrendatários em face de despejos", um mecanismo que realça o documento existe nas legislações da maioria dos países europeus.
Neste caso, uma das vantagens deste sistema é a estabilidade que providenciam aos arrendatários, muitas vezes associados a controlo de rendas.
No entanto, a principal desvantagem é a menor atratividade do investimento em imobiliário para arrendamento, que frequentemente tem um horizonte temporal de longo prazo.