A invasão russa da Ucrânia gerou como resposta uma onda nunca antes vista de sanções internacionais, uma tendência que incluiu o futebol, com a FIFA e a UEFA a banirem as equipas e seleção nacional russa das suas competições. Sem autoridade sobre a vida financeira dos clubes, as vendas de jogadores de e para a Rússia prosseguem, com supostas abordagens por jogadores de clubes portugueses a ficarem fora das limitações impostas por Bruxelas para transações financeiras. Assim, os negócios do sector podem prosseguir, como tem acontecido nesta janela de transferências, remetendo a questão para o domínio ético e moral.
O apelo do treinador Paulo Fonseca para que o SL Benfica e o SC Braga se recusem a negociar jogadores com clubes russos surge depois de notícias que o Dínamo de Moscovo estaria interessado em Chiquinho, jogador encarnado, e que o Krasnodar estaria a tentar recrutar Vítor Tormena, central brasileiro dos bracarenses. Apesar de ambos os clubes estarem impedidos de disputar as competições europeias (como todas as equipas russas e bielorrussas), tal não impede a contratação de jogadores a clubes europeus.
Após a invasão da Ucrânia, a FIFA e a UEFA, órgãos que regem o futebol internacional global e europeu, respetivamente, tomaram ação quanto à possibilidade de clubes russos e bielorrussos participarem nas suas competições – mas a sua área de ação termina aí, começa por referir o advogado João Diogo Manteigas, especialista em direito desportivo.
Na prática, é como “uma espécie de embargo desportivo”, que impede a competição destes clubes com homólogos europeus; no entanto, a parte financeira fica fora da alçada da UEFA e da FIFA, pelo que as vendas e compras de jogadores (tal como todas as operações financeiras da vida dos clubes) não lhes dizem respeito.
Por outro lado, a Comissão também aplicou restrições à movimentação de capitais russos, congelando ativos e banindo o sistema financeiro russo do SWIFT, o que coloca grandes e sérios entraves à movimentação de fundos vindos da Rússia e para lá destinados. Ainda assim, há mecanismos para contornar estas sanções, como se tem visto em diversos sectores.
O advogado José Miguel Sampaio e Nora, especialista em direito desportivo, argumenta que estas restrições são passíveis de contorno “se uma entidade russa abrir uma conta bancária num país” que não a Rússia, embora esclarecendo não poder garantir que é esse o caminho utilizado.
No fundo, é um mecanismo semelhante ao desenhado pelo Kremlin para obrigar os países importadores de gás natural e petróleo a pagarem em rublos. À altura, Moscovo instaurou um instrumento para permitir países europeus, onde vigoram as sanções contra a economia russa, depositarem euros no Gazprombank, quantias que seriam convertidas em rublos para pagar as compras de matérias-primas daquele país.
Também João Diogo Manteigas lembra que a FIFA, no seu modelo de clearing house, age como intermediário financeiro para estas transações, garantindo o destino final dos montantes envolvidos em cada transferência de acordo com as regras em vigor. Ao centralizar estas operações, é possível que os clubes europeus que vendam jogadores a clubes russos recebam algum tipo de garantia da FIFA, que só posteriormente processa a operação quando esta já não estiver embargada. Ainda assim, pouca ou nenhuma informação circula sobre se o dinheiro a receber por parte de entidades russas fica suspenso ou não.
Desta forma, e apesar de serem formalmente ativos financeiros não-tangíveis, os passes dos jogadores de futebol poderão ser transacionados entre clubes europeus e russos sem problemas de maior.
De resto, os clubes russos têm vendido vários jogadores nesta janela a homólogos europeus: o Spartak encaixou 3,5 milhões de euros com a venda de Maxi Caufriez ao Clermont Foot, o Krasnodar recebeu dois milhões do Ferencváros por Cristian Ramírez e o Dínamo vendeu Nikola Moro ao Bolonha por 2,5 milhões de euros. De recordar ainda que logo após a invasão russa, em fevereiro do ano passado, a FIFA e a UEFA abriram uma janela de transferências extraordinária para jogadores estrangeiros que quisessem abandonar a liga russa.
Ao mesmo tempo, jogadores não-russos podem decidir terminar unilateralmente o seu contrato com os clubes russos dado o atual contexto de impedimento desportivo e, sobretudo, de alguma insegurança nacional. Isso mesmo fez Mathias Normann, jogador norueguês do Dínamo de Moscovo, a 10 de agosto, após novos ataques com drones no centro da capital russa.
“Compreendo a posição de Paulo Fonseca. A questão agora é sobretudo ética, porque as sanções que estão em vigor são apenas no que toca à participação em competições FIFA e UEFA”, resume Sampaio e Nora.