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Fundação Oceano Azul: “A Portugal falta dar passo determinante que é ter política externa para o oceano”

Em entrevista ao Jornal Económico (JE), o CEO da Fundação Oceano Azul, Tiago Pitta e Cunha, aborda esta parceria estratégica, avalia as políticas públicas que têm existido em Portugal e dá conta da vaga de inovação que o país tem tido ao nível da bioeconomia e da economia do mar. Deixa também o recado de que Portugal necessita de dar um passo determinante, no sentido de construir uma política externa nos oceanos, e que este ano pode ser um ano de ouro para dar esse passo.

Qual é a importância da parceria estratégica da Fundação Oceano Azul com o Pavilhão de Portugal para a Expo 2025, que se realiza no Japão?

Há vários fatores que tornam esta parceria importante para a Fundação Oceano Azul. Estamos a falar de uma exposição mundial onde vão estar 161 países representados na Expo de Osaka. E para uma Fundação como a nossa, que pretende mudar não apenas a perceção das pessoas, da comunidade internacional, sobre os temas da sustentabilidade e da conservação do oceano, mas também mudar comportamentos, poder chegar a um fórum com tantos países é absolutamente imprescindível para nós.

A Fundação tem uma missão internacional. Nós trabalhamos com muitos governos e com várias organizações internacionais do sistema multilateral ligados ao clima, à biodiversidade, aos oceanos e, como tal, isto tornava-se óbvio.

Mas depois há aqui a questão de ajudar e apoiar Portugal a passar uma mensagem, uma estratégia, uma visão. Os japoneses, hoje, há 500 anos, associaram-nos, ou se calhar à religião católica que levámos para o Japão, à pólvora que levámos e que eles também passaram a utilizar, outros costumes e outros hábitos que nós introduzimos no país.

Até, segundo se diz, a culinária, mas 500 anos depois, aquilo que de mais importante nós podemos levar ao Japão, de facto, é esta nossa relação especial com o oceano. Eles respeitam-nos por isso, são eles próprios uma ilha, são uma potência marítima e, portanto, apoiar também uma estratégia portuguesa em Osaka é algo que a Fundação não poderia dizer que não.

O tema que o Pavilhão de Portugal leva à Expo 2025 está ligado ao Oceano ("Oceano: Diálogo Azul"). Como é que avalia as políticas públicas que têm sido seguidas pelo país nesta área?

É difícil responder em poucas palavras a uma pergunta, porque Portugal teve ao longo da sua história ligações ao oceano intermitentes. Tivemos reis, tivemos dinastias, tivemos regimes depois da República que ligaram mais à questão do oceano e que até construíram uma relação com essa questão do oceano umbilical.

E tivemos períodos em que essa relação não existiu. Portanto, se olharmos para a nossa história recente, sabemos que, depois do 25 de abril, houve um afastamento de Portugal do oceano e que depois tem havido uma gradual reaproximação. Começou, como eu costumo dizer, com a Expo de 1998, a última exposição mundial do século XX, que foi em Portugal, em Lisboa, e que teve como tema os Oceanos e o futuro. E depois tem vindo a continuar e reforçou-se principalmente a partir do momento em que a Comissão Estratégica dos Oceanos, ali, ao virar do século, veio trazer esta nova ambição de Portugal ter uma estratégia para o mar. Desde então, começámos a ter os ministros do Mar a tomar posições. Portugal tem ocupado, de alguma forma, uma posição de liderança internacional nas Nações Unidas, na União Europeia, na questão do oceano, mas verdadeiramente ainda nos falta dar um passo que é determinante, que é termos uma política externa para o oceano.

Isso não existe ainda. Essa política externa é, primeiro, identificar os nossos interesses nacionais e depois, em função desses interesses nacionais e do que é a Agenda Multilateral Internacional do Oceano, conseguir, digamos assim, apoiar os elementos dessa agenda internacional que se coadunam com os nossos interesses nacionais. Não foi ainda construído este trabalho de criar uma política externa, mas Portugal tem este ano, em 2025, uma oportunidade de ouro de conseguir, através do Governo atual, criar essa política externa. E isso poderia ser feito através também da Conferência do Oceano, que vai ter lugar nas Nações Unidas no início deste ano e que vai suceder à Conferência que teve lugar em Lisboa, em 2022, e também naquilo que é a mensagem principal que nós queremos levar ao Japão.

E é nesse sentido que Osaka, o Japão, e o facto de numa Expo, que é sobre sustentabilidade, sobre o futuro, sobre inovação, Portugal levar e jogar a cartada do Oceano, torna tão importante a associação também da Fundação Oceano Azul a esta parceria com o Governo e com o Estado português.

E no que diz respeito ao trabalho da Fundação, que medidas é que têm implementado ou que vão implementar que ajudem a valorizar a questão dos Oceanos?

Bem, toda a ação da Fundação é sobre a valorização, a preservação, a conservação e o investimento no oceano. A Fundação tem desenvolvido ações em vários domínios. Um deles é a conservação pura e dura, ou seja, a construção de Áreas Marinhas Protegidas. E algo que me parece ser uma mensagem também muito importante a passar. A Fundação Oceano Azul tem sido muito bem-sucedida, mas também tem sido bem-sucedida porque tem trabalhado, quer com o Governo da República, quer com o Governo anterior e continuando agora com este Governo, construiu a Área Marinha Protegida do Algarve, juntamente com, obviamente, imensos centros de decisão da região, a começar nas Câmaras Municipais que estiveram envolvidas no Algarve também, na Universidade do Algarve, bem entendido, nas Associações de Pescadores, noutras organizações.

Também trabalhamos com o Governo Regional da Madeira na construção da Área Marinha Protegida das Selvagens e agora com o Governo Regional dos Açores, principalmente, com o Governo Regional dos Açores a resolver adotar esta rede de Áreas Marinhas Protegidas que não tem precedentes a nível mundial e que torna Portugal líder, de facto, na conservação do oceano.

Portanto, nós esperamos que, de mão dada com o Governo Regional dos Açores, mas também com a República, porque também houve aqui uma preocupação por parte do Governo atual da República de poder financiar as compensações das perdas que os pescadores da Região Autónoma dos Açores possam ter com esta rede de Áreas Marinhas Protegidas. E com tudo isso, em conjunto, é uma mensagem muito forte para levar a um país como o Japão que não tem uma abordagem, se calhar, tão clara como a de Portugal à conservação do Oceano.

Os arquipélagos da Madeira e dos Açores dão uma ainda maior dimensão a Portugal no que diz respeito aos oceanos. Portugal tem sido capaz de usar estas potencialidades da Madeira e dos Açores para desenvolver a sua política oceânica?

O exemplo dos Açores que acabei de referir é um trabalho extraordinário que o Governo Regional dos Açores, o Governo anterior e este Governo, ambos chefiados pelo mesmo presidente do Governo, José Manuel Bolieiro, fizeram. É um trabalho sem precedentes, como eu disse, a nível mundial. Estamos a falar de 300 mil km² de área protegida, só nos Açores.

Não podemos comparar as duas regiões [Madeira e Açores]. Os Açores, de facto, vão dar uma contribuição muito importante para Portugal, para esta liderança internacional da agenda do Oceano. E neste sentido, eu acho que aqui houve uma boa conjugação entre os esforços do Governo Regional dos Açores e do Governo da República e juntos conseguiram, digamos assim, criar esta medida de proteção que julgo que desloca Portugal para ter 17% do Oceano sob sua jurisdição protegido. Há um grande objetivo mundial a que toda a comunidade internacional se vinculou, que é chegar até 2030 com 30% do planeta protegido, incluindo 30% do Oceano. E todos os países têm de contribuir e Portugal contribuirá.

E desde logo, com os Açores, há uma grande contribuição.

Ainda para mais quando Portugal tem das maiores áreas marítimas ao nível mundial e europeu…

Temos uma responsabilidade acrescida, de liderar, de sermos pioneiros e de mostrarmos o caminho. Essa conservação do oceano é fundamental para as economias do futuro, para aquilo que nos vai tornar pertinentes no século XXI e, portanto, essa mensagem vai passar.

Que outros assuntos pretendem levar à Expo 2025, no Japão?

Há outro tema que a Fundação Oceano Azul pretende levar na parceria com o Pavilhão de Portugal em Osaka e que tem resultado também numa enorme abertura por parte da comissária nacional do Pavilhão de Portugal, que é a questão da inovação. E se Portugal decidiu jogar a cartada do Oceano nesse país tão importante e numa exposição mundial tão importante como esta de Osaka, é também importante que nós mostremos aquilo que estamos a fazer de melhor na economia do futuro e na economia do mar do futuro.

E aí temos, de facto, todo este trabalho que a Fundação Oceano Azul tem vindo a fazer com a aceleração, desde há sete anos, de startups do mundo inteiro, de biotecnologia azul, marinha, que têm vindo a Lisboa acelerar o seu modelo de negócios, os seus conhecimentos, validar o seu modelo tecnológico e, com isso, criar uma geração de talento que está a desenvolver esta grande indústria e este grande mercado do futuro que é o da bioeconomia azul.

Este trabalho em Portugal tem-se vindo a consubstanciar também num projeto piloto de grande escala, como é o consórcio industrial e Inovamar, que tem quase 140 milhões de euros investidos no desenvolvimento de polígonos. Uma parte do investimento vem de grandes líderes de grupos empresariais portugueses, incluindo o Grupo Semapa, o Grupo Amorim, o Grupo Sonae, o Grupo Jerónimo Martins, o Grupo têxtil de Manuel Gonçalves. É só capital português e capital também público do Plano de Resiliência e Recuperação (PRR).

E esse capital português está a permitir criar, de facto, um mercado em Portugal da chamada bioeconomia azul, que é a utilização de organismos vivos marinhos para, através da biotecnologia, criarmos muito mais valor acrescentado e tornarmos produtos em exportação da economia portuguesa, sejam eles têxteis, polímeros, resinas, materiais de construção civil. Há uma grande inovação nessa área.

Como é que Portugal está posicionado nas áreas que referiu, como a bioeconomia, a economia azul e a inovação?

Estou em Davos, nesta grande conferência sobre economia, e começa-se a falar também de bioeconomia, principalmente, e de biotecnologia. Não há dúvida nenhuma de que uma das próximas grandes revoluções industriais será a da bioeconomia e que isso irá permitir à humanidade não apenas alavancar o enorme talento de inovação, mas conseguir alavancá-lo para a sustentabilidade, que este é o grande objetivo para a transição para uma nova economia, uma economia verde. A matéria-prima da bioeconomia é a biodiversidade.

E 80% da variedade biológica de vida que existe no planeta vive no oceano. E, portanto, a biotecnologia azul vai ser cada vez mais importante dentro do que é a criação deste novo setor da biotecnologia. E aí Portugal não tem, neste momento, nenhuma política industrial para apoiar o desenvolvimento da biotecnologia azul em Portugal.

Mas é certo que quer o Governo anterior, quer o Governo atual têm mostrado estar atentos e estar com atenção a este novo setor emergente e, de facto, este consórcio Inovamar é a prova de que o setor privado, de baixo para cima, começou a fazer esse trabalho com o grande apoio também da Fundação Oceano Azul e também do acionista da Fundação Oceano Azul, a Sociedade Francisco Manuel dos Santos, e espera-se que tudo isso venha a ter resultados no futuro.

Ou seja, Portugal acabou por fazer uma boa transição desde a altura dos descobrimentos até à atualidade nestas áreas?

Há um caminho, e este é, de facto, um país como Portugal que tem uma enorme biodiversidade também. A nossa principal riqueza marítima é esta variedade biológica. É aqui que nós somos primeiros na Europa.

Nós também temos em Portugal centros de investigação do mar que podem produzir os cérebros para criar esta economia e a Fundação Oceano Azul tem trabalhado muito com os laboratórios, com as academias, com as universidades portuguesas e, portanto, nós aqui temos uma oportunidade. Eu não diria que é uma realidade, diria que é uma oportunidade que está a ser construída e que nós vamos levar ao Japão para mostrar que somos um país também de inovação e de tecnologia de ponta.