O primeiro-ministro francês, Sébastien Lecornu, cedeu à mais importante reivindicação dos socialistas, atirando a revisão da idade da reforma dos gauleses para nunca antes das próximas presidenciais – que, se tudo correr pelo calendário, serão apenas no segundo trimestre de 2027. O resultado foi o esperado: os socialistas não só não avançarão com a sua própria moção de censura, como estão dispostos a sentar-se à mesa das negociações do Orçamento do Estado para 2026. Lecornu suspirou de alívio e diz que estão reunidas as condições mínimas para o novo executivo lançar o Orçamento e ter alguma esperança de que as duas moções de censura com que terá de se confrontar – uma da extrema-esquerda outra da extrema-direita – não sejam bem-sucedidas.
"O grupo do Partido Socialista não votará na moção de censura e não apresentará uma moção de censura", anunciou o deputado socialista Laurent Baumel. A decisão dos socialistas elimina o risco de censura – ou pelo menos atenua-o, e portanto, de dissolução da Assembleia Nacional, permitindo a realização de um debate parlamentar sobre o orçamento de 2026. "Isso não significa que estejamos comprometidos em votar o orçamento. Não significa que não solicitaremos outras concessões, outros compromissos como parte da discussão ", acrescentou Laurent Baumel. Também o presidente do grupo socialista, Boris Vallaud, garantiu que os socialistas estão prontos para "arriscar" no debate parlamentar, abrindo assim caminho para a permanência do governo em funções.
Mas nada está garantido. De facto, o ex-presidente do Les Republicains (LR), Eric Ciotti, que se aliou a Marine Le Pen, propôs ao seu sucessor, Bruno Retailleau, "uma reunião para lançar as bases para uma reversão da aliança à direita com o Rassemblement National (RN)". "Reféns do Partido Socialista, os deputados do LR estão a assinar um pacto com o diabo", escreveu Ciotti, usando os mesmos termos de Retailleau, que acabara de acusar o governo de Lecornu de ser "refém dos socialistas", após a decisão de suspender a reforma da previdência. "Devemos extinguir o macronismo e repelir a esquerda", continuou Eric Ciotti, juntando-se assim a Bruno Retailleau, que se encontra em desacordo com os parlamentares do seu partido, liderados por Laurent Wauquiez, que optaram por não censurar o governo.
Entretanto, as diversas medidas do Orçamento do Estado – que observa cortes que não vão tão longe como os 44 mil milhões de euros que eram o objetivo do governo anterior de François Bayrou, precisa que a França de ir aos mercados buscar 310 mil milhões de euros em 2026 para financiar o défice público e refinanciar dívidas vincendas, de acordo com o programa publicado pela Agência Francesa do Tesouro (AFT), responsável pela gestão da dívida do Estado. Esse montante deve representar, em relação à riqueza produzida pelo país ao longo do ano, cerca de 10,1% do PIB em 2026, proporção que não se alterou em relação a 2025 e que continua inferior ao pico de 11,2% alcançado em 2020, ano da crise do Covid.
Mas, ainda o debate sobre o Orçamento não começou e a França já teve uma ‘ajuda’ importante: apesar de uma relação dívida pública/PIB próxima dos 115% e um défice público que ainda ultrapassa 5%, a situação financeira francesa e a dificuldade do governo em aprovar um orçamento pelo segundo ano consecutivo não pesam sobre o sistema financeiro europeu, avaliou Tobias Adrian, chefe do departamento de Mercados Financeiros do Fundo Monetário Internacional (FMI), durante a apresentação do relatório sobre estabilidade financeira global.
"A situação atual é muito diferente daquela observada em 2014" , durante a crise da dívida europeia, que afetou particularmente a Grécia, mas também outros países do sul do continente, em particular Itália e Portugal, explicou Adrian, citado pela imprensa francesa. "Estamos a observar um aumento no spread [a diferença nas taxas dos títulos franceses de dez anos em comparação com os da Alemanha, considerados o valor de referência dentro da União Europeia] até certo ponto, mas isso permanece bastante contido ", acrescentou.
Essa diferença vem aumentando desde 2022 e atingiu 0,89 pontos percentuais no início de outubro para os títulos de dez anos. "Há uma revalorização até certo ponto, devido às incertezas políticas, mas, ao mesmo tempo, há um impacto limitado no preço dos títulos franceses", disse o analista. Além disso, os riscos de contaminação para a zona euro são limitados, garantiu: "Não estamos a ver nada parecido em outros países europeus" – disse, dando pouco significado ao facto de as taxas de juro da maioria dos países do euro ter subido ao longo da semana passada.
Vale a pena referir que as taxas de juros pagas pela dívida francesa caíram nos mercados esta terça-feira. A taxa de juros a 10 anos, referência para investidores internacionais, estava em 3,41% a meio da tarde, face aos 3,47% no fecho de segunda-feira. A equivalente alemã atingiu 2,61%, contra os 2,64% no fecho de segunda-feira. O spread diminuiu para 0,80 pontos e chegou mesmo aos 0,79 pontos após o discurso do primeiro-ministro, pela primeira vez desde 16 de setembro, sinal de uma diminuição da tensão sobre a dívida francesa. Para servir de comparação, spread subiu para 0,85 pontos quando Sébastien Lecornu renunciou na segunda-feira, 6 de outubro.