Os fornecedores de eletricidade e gás natural defendem a criação de uma lista negra para travar o fenómeno dos turistas energéticos, que deixam dívidas num fornecedor para passarem a ser abastecidos por outro fornecedor, sem nunca saldarem a dívida anterior.
A Associação dos Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado (Acemel) conta com mais de 20 associados e junta os operadores mais pequenos do mercado.
No topo do seu caderno de encargos para o setor encontra-se a criação desta lista de devedores que permitiria que as empresas do mercado liberalizado pudessem detetar quem tem dívidas a outra empresa antes de fechar contrato com um cliente.
"Há um tema que ainda não foi vertido para o regulamento que tem a ver com o problema de os consumidores hoje deixarem dívida nos comercializadores. Isto é um tema crítico para o setor porque, em primeiro lugar, privilegia o infrator porque sabendo que tem regras que lhe permite passar entre os pingos da chuva - entre o aviso de pré corte o e o corte efetivo há uma dívida que se vai acumulando - e, obviamente, dependendo do consumidor, essa dívida pode ser expressiva", disse João Nuno Serra, presidente da Acemel, ao JE
"Não podendo o comercializador impedir que o consumidor mude de fornecedor deixando dívida, porque não se pode fazer face ao regulamento em vigor, isto é dramático para os comercializadores. O que temos defendido é que haja um bocadinho uma equiparação do que acontece, por exemplo, nas telecomunicações, em que a pessoa não pode mudar de operadora se tiver uma dívida na operadora cessante, ainda que essa dívida possa ser reivindicada noutras instâncias - se é justamente aquele valor ou outro -, mas a pessoa tem que pagar para poder mudar de operador, ora, isto não acontece na eletricidade", acrescentou.
"O regulamento tarifário ainda não o prevê. Sabemos que quem está num mercado tem sempre riscos de cobrança, independentemente do setor. Nada é exigido e, portanto, o somatório de muitos domésticos incumpridores. O mercado não pode permitir que as próprias regras facilitem o infrator, que é isso que está a acontecer nessa matéria. Facilitaria se houvesse aqui uma lista de incumpridores e que fosse pública para as empresas, impedindo a saída enquanto o cliente não liquidar a dívida. E o turista energético - que passa de comercializadora e comercializadora de três em três meses - pode estar a mudar e vai deixando dívida uma nas outras", defendeu João Nuno Serra.
"No final do dia, quem vai pagar isto tudo, vamos ser todos nós. Certo que os comercializadores, pois tem que fazer repercutir isso nas suas margens de comercialização, mas se ficar sempre com esse peso, mais cedo ou mais tarde, abriria-se falência, não é possível estar a assumir isso ad eternum.
A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) aprovou recentemente o novo regulatório tarifário que vai vigorar entre 2026 e 2029, com a Acemel a deixar críticas ao documento, considerando que "peca" por não abordar a questão das dívidas aos fornecedores. "Peca porque é um tema para o qual vimos chamando a atenção há algum tempo".
"Devia haver uma visão holística do mercado e não olhar para uma parte do mercado, que são os consumidores, como se fossem os netos em que se tratam sempre com muito carinho e lhes permitimos alguns abusos. E olha para os comercializadores, como sejam os filhos em que tudo se exige e se é um pouco intransigente. Tem que haver aqui um critérios de equilíbrio nas relações das duas partes do mercado", segundo o líder da Acemel.
O responsável também deixou críticas ao alargamento da tarifa regulada até 2027, apontando que vai custar 236 milhões de euros no próximo ano. "Os que estamos no mercado liberalizado, estamos a financiar quem está na tarifa regulada. Olhando para as ofertas, a tarifa regulada está acima daquilo que o mercado liberalizado oferece. Está se a privilegiar o comodismo, o deixar estar. Vamos, com toda a paciência, esperar que em 2027 não haja mais adiamentos e que ela efetivamente seja extinta".
"Estamos a falar de cerca de 830 mil clientes na tarifa regulada, 13% do mercado total. Imagine uma empresa que tem 10 mil clientes e que ambiciona ir buscar ao regulado 10 mil clientes e duplicar a sua presença no mercado liberalizado...", sublinhou. "A questão do consumidor vulnerável está absolutamente garantida pela tarifa social".
Já sobre a tarifa social, cujo financiamento recai sobre os produtores e os fornecedores de eletricidade, João Nuno Serra defende que deve passar para a "esfera do Orçamento de Estado, porque é um peso que hoje vai nas faturas, sobretudo para os consumidores, porque, na verdade, para os comercializadores, impacta a circunstância de sermos cobradores de mais um imposto que estamos a cobrar aos consumidores e passamos para o Estado. Nós entregamos esse dinheiro, é mais uma taxa do audiovisual que estamos a cobrar".
Por último, o responsável também aponta para os encargos da regulação que estão "ligados com o acionamento das reservas que é preciso colocar no sistema elétrico. Descontruindo esta linguagem toda, são o custo do seguro que os portugueses têm de estar disponíveis a pagar para ter um sistema cada vez mais renovável. Isto traz outras complicações porque a tecnologia renovável depende da meteorologia, mas por vezes vezes há previsões que falham. E isso cria para a REN uma dificuldade acrescida pois tem de colocar centrais para responder quando as que estavam planeadas para produzir energia já não dá. Os encargos disto chegam mensalmente. Em 2023, estávamos com 2,5 euros por MWh mas em 2024, já fechámos nos oito euros por MWh. Em 2025, no primeiro semestre estava nos 12 euros/MWh e nos últimos meses tem andado nos 18 euros/MWh e devemos fechar o ano na casa dos 15 euros/MWh. Isto é um problema sobretudo para o consumidor", sendo paga pelos consumidores na rubrica 'Encargos de Regulação'.
A proposta da Acemel é que várias centrais deveria ser pagas pela reserva de capacidade, isto é, por a "central estar à espera e não pagar tanto quando é acionada, porque quando se chama a central, vai pedir o que quiser. 'É para ter dez megas ou dez gigas na rede num quarto de hora? Está bem, vais me pagar tanto e eu nem discuto', exemplifica.