É hora de dizer adeus ao IVA zero no cabaz dos bens essenciais, que abrange 46 produtos alimentares. A medida que foi implementada em meados de abril para mitigar os efeitos da inflação termina esta sexta-feira, depois de ter sido prorrogada duas vezes. Com os bens alimentares considerados essenciais a voltarem a ter IVA incluído no preço, os consumidores vão, a partir de amanhã, pagar mais 6% referente à taxa de imposto que é agora reintroduzida, a que acresce a pressão das matérias-primas, nomeadamente dos cereais com reflexos nos preços da carne, ovos e leite, e o custo da energia, avisa, em entrevista ao JE, o diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED).
Gonçalo Lobo Xavier perspetiva os reflexos do fim do IVA zero nos bolsos dos consumidores até ao final janeiro, período em que os produtos vão ser alvo de novas tabelas de preços e que entram no mercado na segunda metade deste mês.
“O aumento dos preços deverá sentir-se no final de janeiro. Desde logo são mais 6% de imediato que teremos de refletir no preço final e entregar ao Estado esse valor. Acresce que estamos ainda a enfrentar alguma pressão nas matérias-primas, que estão claramente inflacionadas, como, por exemplo, os cereais que tem consequências na produção de carne, leite e ovos devido às rações e no preço do pão”, avança ao JE Gonçalo Lobo Xavier.
O responsável da APED acrescenta que também o preço do cacau, com implicações noutros produtos, está “muito pressionado” e que há algumas descidas no açúcar, mas que “entre deve e haver, vai naturalmente sentir-se nos bolsos dos consumidores” a reintrodução do IVA nos produtos que foram abrangidos pela medida, bem como a manutenção de preços altos de algumas matérias-primas essenciais. E destaca também os custos de outros fatores de produção, num cenário de maior incerteza gerada pelos conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente, com impactos, por exemplo, nos preços da energia.
Gonçalo Lobo Xavier explica que os produtos que vão ser alvo de novas tabelas de preços só entram no mercado na segunda metade de janeiro, dando aqui como exemplos de bens alimentares como o azeite que tem atingido níveis recorde, a carne e o peixe, que, diz, “se encontram ainda com preços muito altos, tendo em conta esta época do ano”.
Os consumidores vão sentir, pois, os orçamentos "mais pressionados" com maiores gastos na compra dos bens alimentares que a partir desta sexta-feira, 5 de janeiro, deixam de ter IVA zero, numa medida em vigor desde abril do ano passado e que devia ter terminado em outubro, mas acabou por ser estendida até ao fim do ano e novamente para 4 de janeiro perante “dificuldade operacional” do retalho. O IVA zero estava previsto terminar no final de 2023, mas o Governo deu mais quatro dias para que as empresas pudessem adaptar-se à nova realidade - e aos novos preços.
Preços vão refletir aumento de outros custos
O preço final de muitos bens alimentares poderá ainda a vir a refletir, prossegue Gonçalo Lobo Xavier, o aumento de outros custos que recaem sobre as empresas. “Estamos a entrar em 2024 com um aumento significativo do salário mínimo, que terá implicações no salário médio de outros trabalhadores, e também com aumentos nas portagens e nos transportes, que naturalmente reflete-se em toda a cadeia de valor e no preço final dos produtos”, conclui.
Para o diretor-geral da APED, “as famílias estão com os orçamentos muito pressionados”, recordando que irá acrescer ainda a fiscalidade verde, nomeadamente as taxas que vão recair sobre os sacos ultraleves e embalagens de take away, que deverão estar em vigor no primeiro trimestre deste ano. “Tudo somado, obviamente que terá um impacto nos bolsos das famílias”, frisa.
APED aplaude impacto positivo do IVA zero
Já quanto ao balanço da medida ao longo dos oito meses em vigor, Gonçalo Lobo Xavier não tem dúvidas: “não há dúvidas que teve um impacto positivo nos consumidores e nas famílias. Desde logo na redução de 6% no preço do cabaz de bens alimentares na categoria de produtos selecionados”.
O responsável da APED salienta ainda ao JE que “o mais relevante foi a combinação que se conseguiu com o apoio de 200 milhões de euros à produção nacional” para apoiar vários setores agrícolas para compensação pelo aumento dos fatores de produção. Um montante que, segundo a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), inda não chegou na íntegra aos agricultores portugueses dado que, no final de dezembro, faltavam pagar 20 milhões de euros.
Gonçalo Lobo Xavier recorda que este apoio à produção foi uma decisão política tomada “depois de uma pressão enorme sobre a cadeia de valor e a conclusão que não era nem a distribuição nem a produção que estavam a aumentar os preços, cujos aumentos refletiam a pressão da inflação”.
“Para reduzir o preço destes produtos em 6% e garantir um efeito mais prolongado da descida de preços, tinha de ser combinado com os apoios à produção”, acrescenta o diretor-geral da APED, recordando que o IVA zero foi introduzido em meados de abril, “mas os apoios à produção só chegaram em meados de setembro”.
Para Gonçalo Lobo Xavier a medida do IVA zero “foi bem executada”. “Cumprimos escrupulosamente o que nos foi pedido. A combinação de apoios à produção acaba por ter um reflexo positivo ainda que não esteja completamente concluído”, realça, acrescentando que “o comportamento das empresas foi exemplar”.
Diz ainda que “ficou demonstrado em 2023 que o sector fez um esforço muito grande para acomodar o aumento dos preços. O retalho alimentar não aumento as margens e não houve lucros excessivos. Houve um aumento de vendas em valor fruto da inflação, mas não houve um aumento em volume”.
Cabaz alimentar aumentou quase 11 euros
O preço do cabaz alimentar aumentou quase 11 euros entre a primeira e a última semana de 2023. No azeite virgem extra e na pescada, a subida foi de mais de três euros. Já na laranja foi de 54 cêntimos por quilo, de acordo com as contas da Deco Proteste.
No ano passado, o cabaz alimentar de 63 bens essenciais monitorizado pela Deco Proteste aumentou 10,77 euros, para 230,17 euros. A 4 de janeiro de 2023, custava 219,40 euros. O azeite virgem extra foi o produto cujo preço mais subiu. A 27 de dezembro, uma garrafa de 75 centilitros de azeite custava já 9,44 euros, mais 3,52 euros do que na primeira semana do ano.
Este cabaz atingiu um valor recorde a 15 de março deste ano, chegando aos 234,84 euros. Contudo, a 18 de abril, com a entrada em vigor do IVA zero, começou a descer. Mas esta tendência inverteu-se em meados de setembro, altura em que o preço total do cabaz voltou às subidas, ultrapassando o valor registado no início do ano.
O valor mais alto foi verificado a 22 de novembro, quando custava 141, 92 euros. A 27 de dezembro, e de acordo com a Deco Proteste, este conjunto de alimentos custava 139, 93 euros, pouco mais de 1 euro do que em abril.
O IVA zero foi introduzido a 18 de abril, abrangendo um leque de 46 tipologias de bens alimentares que a partir de 4 de janeiro regressarão às taxas de IVA habituais, voltando, na maior parte dos bens, à taxa de 6% (como, por exemplo, no pão, azeite, ovos, leite, arroz, massas, algumas frutas e legumes, carnes e peixes) e, no caso do óleo, à taxa de 23%.
A medida, no entanto, não se refletiu da mesma forma em todos os alimentos, com alguns a baixarem de preço, como seria esperado, enquanto outros permaneceram mais caros do que antes da decisão do Governo, como mostra a monitorização de 63 produtos feito pela Deco Proteste.
Aprovada num contexto de inflação elevada, o Governo deixou cair a medida no Orçamento do Estado para 2024 (com a exceção de quatro dias, agora concedida), optando, em alternativa, pela “canalização dos apoios no domínio alimentar para as famílias mais carenciadas”, através do reforço das prestações sociais.