A questão do Impostos Único de Circulação (IUC) – imposto que o Governo quer ver aumentado em até 25 euros para os veículos matriculados entre 1981 e junho de 2007 – transformou-se num dos temas centrais da audição do ministro das Finanças. E Fernando Medica deixou a porta aberta a que o que está na proposta do Orçamento venha a ser mudado – se os parlamentares do PS assim decidirem propor.
Mas Medina só à segunda tentativa é que foi mais explícito: depois de deixar o deputado social-democrata Duarte Pacheco sem resposta, o ministro acabou usando uma intervenção semelhante de André Ventura, do Chega, para ser mais específico: “A proposta que apresentámos, é uma proposta de aumento de 25 euros, que não tem relação com a campanha de distorção de que foi alvo. A linha que definimos não é um texto constitucional e por isso” pode ser retirada pelo Parlamento. Ventura quis esclarecer se o PS está disposto a mexer no assunto. “O grupo parlamentar do PS irá fazer a sua avaliação”, disse Medina, abrindo a porta a uma qualquer alteração, que, aliás, foi antecipada por vários analistas imediatamente depois de ser conhecida.
Do outro lado do espectro político e das bancadas da sala, Medina voltou a ser confrontado, desta vez por Mariana Mortágua, líder do Bloco de Esquerda, sobre o imposto dos automóveis mais velhinhos – sendo de recordar, mas ninguém o terá feito, que, quando o Orçamento entrar em vigor, os automóveis comprados até 1994 passarão à condição de clássicos (o seu valor aumenta), o que talvez pudesse ter tido merecido atenção do legislador.
Medina disse especificamente a Mortágua (sobre o IUC), que “não consigo dizer melhor que o que já disse: o Governo sustenta o que propôs; já admitimos que pudesse haver correções. O grupo parlamentar avaliará”.
O debate passou quase totalmente e de forma algo inesperada ao lado do momento político que o país atravessa. Com a exceção do PS – que, pela voz de Miguel Cabrita, se queixou da decisão do Presidente da República: novas eleições em 10 de março, quando o país conta com um quadro de um parlamento que tem uma maioria absoluta. Inqualificável – não o disse, mas o advérbio estava implícito.
E também com a exceção do Chega. Como sempre mais cáustico, André Ventura afirmou que se dava ao trabalho de discutir a proposta socialista de Orçamento do Estado para o próximo ano apesar de não valer a pena: “em março, vou atirar este Orçamento para o caixote do lixo”, afirmou – daí podendo concluir-se que o ex-social-democrata coloca seriamente a possibilidade de vir a ser o próximo primeiro-ministro depois das eleições antecipadas que o PS se queixa de terem sido precipitadamente marcadas por Marcelo Rebelo de Sousa. ”Este orçamento é para pegar em março e atirá-lo para o caixote do lixo: vou pegar nele e destruí-lo”, o que será uma “salvação nacional” ou uma parte dela, disse. Depois colocou algumas perguntas, mas com certeza eram meramente retóricas, dado que o OE24 é para ir para o lixo em março.
De um modo geral, não foi apenas o IUC que esteve na quase totalidade das perguntas deixadas pelos partidos da oposição. Medina já antes tinha deixado o quadro geral, que iria servir de esteio à defesa da honra do documento e que o ministro teria de dar-se ao trabalho de repetir inúmeras vezes – até à altura em que decidiu optar por responder que “sobre esse ponto já me pronunciei”.
“O abrandamento e até a entrada em recessão de alguns dos mercados que são clientes das nossas exportações” irá induzir “grandes constrangimentos ao progresso das economias e Portugal não ficará fora deste quadro, disse o ministro das Finanças. A acrescentar, os juros altos “vão manter-se provavelmente até ao final do ano de 2024”.
Do lado bom, está o número de empregados, que continua a crescer, para além do turismo e mesmo de algumas indústrias pujantes – que defendem Portugal desta maré negra que Fernando Medina antecipa, vinda do exterior. Daí uma das tónicas da proposta: substituir por consumo interno o que o país vai provavelmente perder em exportações – o que dá sempre jeito quando a ideia é não diminuir a receita fiscal, antes pelo contrário.
O governo definiu uma estratégia com o OE24: mais rendimentos – com uma justificação social que não passa despercebido a ninguém - mais investimento (nomeadamente o apoio ao investimento com capitais próprios na área das empresas privadas) e mais proteção do futuro (o saldo orçamental positivo e o fundo para gastar a partir de 2026). O contributo da procura interna está, disse Medina, no horizonte, “para compensar o menor dinamismo dos mercados externos”.