A Centromarca vai realizar esta terça-feira a conferência "Geografia da Competitividade: Impactos na construção de valor das marcas". A sessão de abertura conta com a presença de Pedro Machado, Secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, e Nuno Fernandes Thomaz, Presidente da Centromarca.
Este foi o pretexto para uma conversa com Nuno Fernandes Thomaz, Presidente da Centromarca, que promete centrar o debate no apelo à harmonização do IVA no sector agroalimentar e para isso conta com um estudo da EY, encomendado pela Centromarca, com a FIPA - Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares e com a APED - Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, em articulação com a CIP.
A Centromarca tem em cima da mesa uma proposta concreta de harmonização da estrutura do IVA alimentar, e que será um dos temas centrais do debate da conferência. Em que consiste exatamente esta proposta e quais as vantagens?
Esse é de facto um dos temas centrais da conferência e vai ser endereçado por mim, pelos diretores-gerais da Centromarca, pela APED pela FIPA e pela CIP. A EY está a fazer um estudo sobre este tema para a Centromarca, FIPA, APED e CIP. Um estudo que estas entidades encomendaram à EY, através da CIP.
A Centromarca tem defendido que a harmonização da estrutura do IVA é uma reforma estrutural que o setor considera inadiável. O sistema atual é incoerente para não dizer outra coisa e eu diria mesmo que é um sistema totalmente arbitrário. Estamos a falar de produtos semelhantes que têm taxas de IVA completamente diferentes, o que distorce o mercado e confunde o consumidor.
Mas de que tipo de harmonização é que estamos a falar? Que taxa de IVA imperaria nessa harmonização?
Estamos a falar de vários produtos do setor alimentar serem abrangidos por esta harmonização fiscal, que no fundo é uma simplificação administrativa que traria maior transparência fiscal e acabaria por ser, ou acabará por ser (eu quero falar no futuro) um fator de competitividade e obviamente traria uma maior estabilidade e racionalidade fiscal ao setor. Não vou falar de números concretos porque o estudo da EY ainda não terminou.
"Estamos a falar de vários produtos do setor alimentar serem abrangidos por esta harmonização fiscal, que no fundo é uma simplificação administrativa que traria maior transparência fiscal e acabaria por ser um fator de competitividade"
Exemplos concretos...
Por exemplo, as bebidas e sobremesas lácteas que têm um IVA a 23% e um leite com o IVA a 6%. Isto acontece numa série de produtos dentro de uma mesma categoria. Não há racionalidade nenhuma. Tem que haver esta simplificação e coerência fiscal que eu gosto de chamar harmonização fiscal.
A harmonização seria, então, pelo IVA mais baixo?
A conclusão do estudo ainda não está totalmente desenhada, mas nós acreditamos que deveria reproduzir numa poupança fiscal ao consumidor. O objetivo não é encarecer os preços dos alimentos com o IVA.
O sistema fiscal português é o sexto menos competitivo entre os 38 países da OCDE considerados no Índice de Competitividade Fiscal relativo a 2025, de acordo com a avaliação da Tax Foundation. O índice subdivide-se em cinco áreas: impostos sobre a propriedade (Portugal surge na 20.ª posição), sobre o consumo (21.º), sobre os rendimentos individuais (21.º), sobre a tributação internacional (32.º) e sobre as empresas (36.º). Portugal surge, por exemplo, nos impostos sobre o consumo, em 21º lugar. Que comentário é que isto merece? A harmonização do IVA no setor alimentar pode ajudar, de alguma maneira, a que Portugal melhore o seu ranking do OCDE no que toca aos impostos sobre o consumo?
Eu acho que esta revisão estrutural nos impostos indiretos ao consumo, nomeadamente no nível alimentar melhoraria a coerência e a neutralidade fiscal. Portanto seria positivo. Mas uma das coisas que eu li no estudo é que Portugal tem uma combinação que eu diria que não é muito simpática, que é taxas elevadas com instabilidade e burocracia. Ou seja , não só as taxas são altas como há uma grande instabilidade, já que várias vezes se mexeu nestas taxas, e depois há a burocracia, e isto é quase um duplo, ou triplo bloqueio à competitividade. Essa é uma das conclusões deste estudo da OCDE. Enfim eu acho que tudo isto vai bater numa certa produtividade estagnada e numa perda de competitividade externa, o que é mau. Portanto, tudo o que seja simplificar, tudo o que seja trazer previsibilidade fiscal é positivo e é bom para o investimento. Por isso é que esta simplificação e coerência fiscal que o setor tem como uma prioridade clara é importante.
É a CIP que vai fazer a proposta da harmonização fiscal do IVA do setor alimentar ao Governo?
Sim, em total alinhamento com a Centromarca, a FIPA e com a APED. A proposta de harmonização do IVA alimentar, é um fator decisivo para a competitividade das empresas e para o poder de compra dos consumidores.
Mas e qual é a expectativa que têm de acolhimento por parte do Governo desta proposta?
A expectativa é que o Governo olhe de uma forma séria para este tema, que é relevante, obviamente ponderando todo o tema da receita fiscal. Ver quais são os efeitos e os impactos positivos que isto traria à economia, mesmo através de um aumento do consumo. Haveria aqui um trade-off entre alguma perda de receita fiscal e a compensação pelo aumento do consumo.
Então vai haver uma perda de receita fiscal por conta da redução do IVA, compensada pelo aumento do consumo?
Compensada, em parte, pelo aumento do consumo esperado pelo facto de alguns produtos estarem mais baratos, mas também por também haver menos compras transfronteiriças, o que é um impacto muito indireto na nossa economia. Em zonas próximas das fronteiras há pessoas que vão comprar determinados produtos que têm menor IVA a Espanha, e é negócio que se perde. Portanto, há aqui, eu diria, compensações que vão existir, não só pelo aumento do consumo, porque alguns produtos vão estar mais baratos, mas também por evitar a fuga do consumo nas zonas fronteiriças, Agora, muito mais do que falar da perda de receita, o importante é falar da harmonização fiscal, de haver uma lógica, uma racionalidade que hoje em dia não há porque existe uma grande arbitrariedade.
Entre os painéis da conferência estão “temas críticos como o equilíbrio entre regulação e impulso à inovação, o papel das empresas como vértices da competitividade e o posicionamento estratégico de Portugal na Europa”. Falando do primeiro, defendem que o excesso de regulação pode travar competitividade europeia?
Sem dúvida. Eu sou daqueles que desde sempre acha que um dos problemas da Europa é o excesso de regulação. Acho que tudo o que se puder fazer nessa frente para combater o excesso de regulação, deve ser feito. Não só neste setor, mas em todas as áreas. Estou a falar de uma forma transversal.
Neste setor agroalimentar em concreto o excesso de regulatório dificulta a inovação e a entrada de novas marcas. Portanto, é sempre necessário, como eu costumo dizer, ter um equilíbrio entre a proteção do consumidor e a competitividade. Tem que se proteger o consumidor, obviamente. Não estou a defender um mercado totalmente desregulado. Mas tem que haver um equilíbrio entre a proteção do consumidor neste setor e o espaço à competitividade.
"A simplificação da regulação é um imperativo da soberania económica"
Concordo. O multilateralismo é essencial para um comércio internacional previsível e estável, porque reforça a resiliência económica. O desafio nos próximos tempos é encontrar um equilíbrio entre abertura e autonomia estratégica. A ligação ao Mercosul, por exemplo, pode abrir oportunidades para o setor agroalimentar português, pode ser uma oportunidade para vários produtos, o que é interessante.
Paulo Macedo tem falado da recusa de as importações estarem dependentes de um único fornecedor como até aqui. "Agora querem o nearshoring quando antes queriam o offshoring e isso levará a um aumento dos custos”, disse o presidente da CGD. Concorda?
Em muitos dos setores, para não dizer em quase todos, as cadeias globais ficaram muito dependentes da China e o mundo apercebeu-se que não poderia ser assim e já não vai voltar a ser assim.
Agora as cadeias de valor tornam-se mais caras porque produzir aqui não tem o mesmo preço que produzir na China.
Mas o mundo já nunca mais vai estar tão dependente da China como esteve, ou mesmo dos Estados Unidos.
A reindustrialização e o nearshoring é que temos estado a assistir em muitas indústrias na Europa e sobretudo em Portugal. O que pode ser, de facto, uma oportunidade muito grande para Portugal tornar-se numa plataforma mais central e menos periférica.
Qual é o impacto que pode vir a ter para os setores do consumo e das marcas as tarifas norte-americanas?
Este tema das tarifas aumenta, no fundo, os custos e cria a incerteza e criam alguma inflação. Nos últimos dois anos vários fatores tem gerado uma inflação alimentar. Ao princípio foi por causa do Covid, mas nestes últimos tempos por causa das tarifas norte-americanas.
Agora é uma obrigação das empresas diversificarem fornecedores e mercados, reduzindo as dependências do passado. O importante é criar cadeias de valor mais resilientes.
"Nos últimos dois anos vários fatores tem gerado uma inflação alimentar"
O evento em Lisboa vai reunir decisores políticos e os principais líderes dos setores do grande consumo e agroalimentar para um debate sobre os fatores chave para a competitividade nacional.
A discussão vai abordar temas críticos como o equilíbrio entre regulação e impulso à inovação, o papel das empresas como vértices da competitividade e o posicionamento estratégico de Portugal na Europa. Um dos pontos centrais do debate será ainda a proposta de harmonização do IVA alimentar, apresentada como um fator decisivo para a competitividade das empresas e para o poder de compra dos consumidores.
O presidente do Banco de Fomento vai participar na conferência. Qual é o papel que o Banco de Fomento pode ter aqui?
O Banco Português de Fomento está a resolver o tema das garantias, da falta de financiamento, das falhas de mercado, está a tornar a indústria de private equity com alguma dimensão mínima, ajudando-o a deixar de ser incipiente. Isto tudo está a acontecer, mas precisamos de anos para acompanhar os outros países. Temos o Instituto de Crédito Oficial (ICO) em Espanha, o KPW, estes bancos todos de promoção e desenvolvimento. O Banco de Fomento está a traçar esse caminho e é um bom sinal que tenha ido buscar o Miguel Alves ao Fundo Europeu de Investimento [para CFO].
"É um bom sinal que o Banco de Fomento tenha ido buscar o Miguel Alves ao Fundo Europeu de Investimento"
Vai ser interessante saber o que é que neste setor em concreto, do grande consumo e agroalimentar, o Banco de Fomento pode fazer.
Conferência "Geografia da Competitividade: Impactos na construção de valor das marcas
Esta conferência conta com a participação de líderes da CIP, Business Roundtable Portugal, APED, FIPA, EY, Henkel, Nobre, Banco Português de Fomento, entre outros, e promete ser um momento fundamental para conhecer as perspetivas e os desafios de um dos setores mais vitais da economia nacional.
A Centromarca – Associação Portuguesa de Empresas de Produtos de Marca – foi fundada em junho de 1994. Atualmente, reúne mais de 60 associados, que detêm mais de 1.000 marcas, representam 7,5 mil milhões de euros de faturação e 2,2 mil milhões em receitas fiscais para o Estado e dão trabalho a 28.000 pessoas.