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“Fantasma” da inflação e indecisão sobre aeroporto preocupam sector da logística

Especialistas ouvidos pelo JE destacam ainda a incerteza política e os impactos que as guerras podem ter na economia nacional como desafios para o próximo ano. “Esperamos que das eleições saia uma solução governativa estável”, afirma Raul Magalhães, presidente da Associação Portuguesa de Logística.

Inflação, guerras, incerteza política e a não decisão sobre o aeroporto de Lisboa. Estes são os principais desafios e preocupações que os especialistas do sector da logística ouvidos pelo Jornal Económico (JE) antecipam para o próximo ano em Portugal, depois de um 2023, que de um modo geral foi positivo para esta área de atividade e onde o volume de investimento deverá registar um aumento de 7%, face ao ano anterior.

“O ano de 2023 não foi de projetos pequenos. O projeto do Leroy Merlin com a Montepino do ponto de vista imobiliário e logístico é um marco histórico. Apesar da inflação e dos custos energéticos haver umas perspetivas mais sombrias, o sector não se pode queixar de falta de volume em 2023. Juntando a parte alimentar e eletrónica, em média estamos a falar de um aumento de volume a rondar os 7%”, afirma Vítor Figueiredo, presidente da Associação Portuguesa de Operadores Logísticos (APOL).

Olhando para aquilo que podem ser os projetos para 2024, o responsável aponta que do ponto de vista imobiliário e da construção de novos armazéns é possível detetar um aumento da procura, mas também um aumento do preço associado às rendas por m2. “Não há aqui um projeto icónico, mas os operadores continuam a investir. Tudo o que está direcionado para os serviços de entrega online é que o tem crescido mais”, salienta Vítor Figueiredo.

Sobre os desafios que o país terá pela frente em 2024, o líder da APOL destaca o acesso à mão-de-obra e a incerteza política com a questão do aeroporto e da TAP, bem como alguns atrasos no lançamento de grandes obras que de alguma maneira têm lançado incerteza sobre este sector.

Contudo, o principal “fantasma” que existe sobre a logística é para Vítor Figueiredo a questão do efeito que a inflação pode ter naquilo que é o consumo privado. “Pode ser aqui o desacelerador desta situação”, refere, mostrando-se também na expetativa sobre a linha férrea, sobretudo pela questão da sustentabilidade e da necessidade do sector em modernizar-se e fazer mudanças estruturais que impliquem menos pegada de carbono.

Alcochete? “Importante é que seja tomada uma decisão”

A solução de Alcochete como futura localização do aeroporto de Lisboa apontada pela Comissão Técnica Independente (CTI) é vista com bons olhos por parte do presidente da APOL, que revela sim preocupação pelo facto de ainda não existir uma decisão final do ponto de vista governativo.

“Não nos parece despropositado. É uma localização que faz sentido. Não tomar uma decisão é que nos causa apreensão, porque efetivamente o aeroporto de Lisboa está completamente condicionado, muito para lá daquilo que é a capacidade normal deste tipo de infraestruturas, mas mesmo que não seja em Alcochete, o importante é que seja tomada uma decisão”, sublinha Vítor Figueiredo.

“Se Alcochete é a solução então que seja aprovada o mais rapidamente possível”

Quem mostra uma opinião diferente sobre a localização do novo aeroporto é Raul Magalhães, presidente da Associação Portuguesa de Logística (APLOG). Apesar de aceitar a solução de Alcochete e de pedir a sua aprovação com a maior brevididade possível, o líder da APLOG, considera que a opção Montijo ainda seria exequível aos dias de hoje.

“Fiz parte de uma equipa que em 2013 propôs uma solução mais rápida e imediata para desbloquear o estrangulamento que o aeroporto de Lisboa estava a ter. A solução era o Montijo. Se tivesse sido tomada nessa altura, agora já estaria a funcionar. Essa solução não foi tomada na altura e não foi por decisão política, apenas não foi para a frente pelas dificuldades e limitações que as autarquias da margem sul levantaram na altura”, afirma Raul Magalhães.

Como tal, o presidente da APLOG defende que se tal solução tivesse adotada a situação neste momento poderia ser mais confortável e sem necessidade de prejudicar a TAP, para que dessa forma pudesse ser pensada uma eventual solução estrutural fosse ela no Montijo ou Alcochete.

“Neste momento o que sugeria é que não houvesse mais adiamentos. Se Alcochete é a solução então que seja aprovada o mais rapidamente possível”, refere, alertando que a solução seja ela qual for vai incorporar custos indiretos, nomeadamente de outras infraestruturas.

“Todos temos de ter consciência que um aeroporto de raiz é um investimento brutal. A tradição em outros países é de que normalmente estes investimentos têm sempre derrapagens, seja ao nível do tempo ou de custos e nós dificilmente seremos uma exceção”, realça o presidente da APLOG.

De resto, o responsável acrescenta que a decisão a tomar sobre o aeroporto de Lisboa tem não são só implicações na economia portuguesa, mas em particular com a TAP, que será tanto ou mais interessante do ponto de vista da privatização, quanto mais garantias tiver de poder exercer a sua função de potencial hub de circulação entre três continentes.

“Alcochete como solução de raiz é a solução que deve ser adotada. Se a capacidade financeira do país ou a necessidade de tomarmos decisões a curto prazo for a escolhida, o Montijo continua a ser hoje uma solução perfeitamente exequível”, salienta Raul Magalhães.

Sobre o balanço de 2023 para o sector da logística, o presidente da APLOG destaca a existência de alguma perturbação originada pelo tema dos combustíveis, que são uma peça fundamental para as empresas de logística e transportes.

“Tudo isto foi ainda mais acelerado por estarmos a viver um clima de inflação que não é habitual e que provocou alguma perturbação e mexida nas pequenas e médias empresas”, refere, acrescentando também os atrasos na ferrovia, bem como o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que “para a componente das empresas de transportes foi uma desilusão”.

Para 2024 o maior receio para o líder da APLOG prende-se com as duas guerras e os impactos mais ou menos diretos que estas podem vir a ter na atividade económica de Portugal.

“A guerra na Ucrânia já sabemos que os efeitos têm repercussões do ponto de vista energético e perturbação em algumas rotas marítimas. A guerra no Médio Oriente envolve temas com mais riscos, nomeadamente o acesso ao Canal do Suez, que já está a fazer com que algumas empresas marítimas evitem a passagem pelo canal”, afirma Raul Magalhães.

Um cenário que o presidente da APLOG considera que cria uma perturbação muito grande não só nos fornecimentos de produtos petrolíferos, mas também nos fornecimentos que vêm da Índia ou da China, que representam 20% das importações portuguesas, nomeadamente de produtos textil ou eletrónicos.

“Para a área do retalho tem um impacto brutal. Se vier a confirmar-se este agravamento das condições de segurança no Canal do Suez poderemos ter algumas cadeias de abastecimento que poderão ver ainda mais agravadas as suas dificuldades ao longo do próximo ano”, refere.

A incerteza política no país é outro motivo de preocupação para Raul Magalhães, que deixa um apelo para o pós 10 de março, dia das eleições legislativas. “Esperamos que das eleições saia uma solução governativa estável, que garanta alguma normalidade no funcionamento das decisões do Governo na política laboral e fiscal e que dê garantias de alguma capacidade de execução para as reformas que o país necessita”, sublinha.