E se o fim do regime de autorização de residência temporária (golden visa) como sempre o conhecemos em Portugal fosse reaproveitado para vistos de investimento em startups? É algo no qual a Dealflow, base de dados e plataforma de matchmaking da União Europeia (UE), está a trabalhar.
O projeto ainda é prematuro, mas a colaboração com o capital de risco português vai de vento em popa, de acordo com o managing partner da Dealflow. “Estamos a tentar ajudá-los a criar um novo fundo de vistos gold. Estamos a trabalhar de forma muito próxima para construir esse fundo, porque queremos apoiar startups e investidores”, avançou Thijs Povel ao Jornal Económico (JE).
Trata-se de um fundo de capital de risco inspirado no golden visa em Portugal sem a vertente de habitação, que tem gerado controvérsia ao longo dos últimos anos. “É uma entidade diferente da Dealflow, chama-se venture studio. É ótimo que em Portugal existam políticas boas de incentivo ao investimento em startups. Havia os vistos gold em que tinhas de investir em imóveis, que foram proibidos, e é fantástico que agora esse dinheiro possa ir para fundos de capital de risco”, detalha.
À primeira vista, é um fundo público-privado, para apostar em empreendedores, com um nome sonante. O valor que pretendem arrecadar ainda não é conhecido. “Estamos num excelente momento para os fundos de capital de risco que estão a começar. As avaliações estão aceitáveis, talvez outras fontes tradicionais de financiamento estejam a esgotar-se, mas o objetivo das fontes de financiamento dos vistos ainda é forte. Então, vemos como uma ótima oportunidade. Ou seja, para novos fundos de capital de risco que cresçam em fundos de vistos gold. Estamos entusiasmados com esta parceria para, depois, aplicar o dinheiro em startups em Portugal”, avançou o especialista em venture capital.
O ponto de partida desta empresa foi a necessidade, sentida pela Comissão Europeia, de conectar projetos de investigação europeus com investidores. A Dealflow é financiada pelo programa Horizonte Europa, tem por trás a DG Connect e, desde que foi criada, em 2020, ajudou mais de 700 empresas a obter financiamento de investidores de, em média, um milhão de euros. No total foram mais de 607 milhões de euros de investimento que essas empresas em estágio inicial (early-stage) angariaram, conta Thijs Povel.
“A UE é o maior financiador público de projetos inovadores, mas centra-se muito na investigação e não financia as suas necessidades de entrada no mercado (go-to-market), o desenvolvimento dos negócios e as suas vendas. A maior parte é I&D. Daí a criação do Dealflow, para colmatar essa lacuna e para que todos os projetos de I&D que a UE financia possam ligar-se a investidores e crescer”, explica.
Questionado sobre a concorrência, o managing partner da Dealflow mencionou as aceleradoras, embora não as considere verdadeiramente rivais, porque não apresenta tabela de preços nem a startups nem a investidores. “Somos colegas. Nós aqui construímos esta plataforma gratuita para qualquer investidor descobrir projetos de investigação e organizamos eventos como este [Innovation Radar Summit 2023]. A Web Summit é um ótimo momento, porque todos estão na cidade, num só sítio”, afirmou.
Em relação ao investimento em capital de risco, que só em Portugal caiu para metade no último ano, reconhece que os tempos estão difíceis, mas mostra-se confiante de que esta quebra em comparação aos anos da pandemia ou estabilização face a 2019 permitirá a entrada de novos operadores no mercado, até porque as empresas estão mais baratas por terem tido diminuições de avaliação. É hora de investir, crê.
“Há por aí unicórnios que já não são unicórnios e a maioria dos fundos de capital de risco que estão a tentar levantar financiamento estão com dificuldades, porque os mercados abrandaram um pouco. Mas este também é o melhor momento para investir. As avaliações caíram, o que significa que é um bom momento para os investidores assumirem compromissos. Há dry powder e alguma atividade. Não parou completamente”, realça o líder da Dealflow.
Thijs Povel diz que esta contração se sente mais nas séries A, B ou posterior e não tanto em seed (inicial), uma vez que os montantes associados são mais baixos. E acredita que os ventos contrários nas contratações das multinacionais possa ser uma boa notícia para as empresas recém-criadas, com menos capacidade de competir com as propostas salariais que costumam apresentar.
“Se olharmos para a última crise financeira, 2008-2009, foi quando algumas das maiores empresas foram criadas (Ubers, Airbnbs…) e quando os Facebooks e Googles estavam a contratar sem parar. É bom que tenham parado de recrutar com essa força, porque as startups precisam de engenheiros”, diz.