O advogado Rui Medeiros, sócio da Sérvulo & Associados, lançou-se na investigação e na escrita nos últimos três anos para apresentar esta quarta-feira a obra “Constituição e identidade nacional na era dos populismos” sobre o sentimento de pertença a um país e o impacto na criação de políticas de imigração ou cidadania. À margem da apresentação, no Museu Almeida e Medeiros, em Lisboa, o JE entrevistou o autor.
Qual a importância da identidade nacional na definição de políticas públicas?
Há países, como em Portugal, onde o problema ainda não é muito sentido, porque, felizmente, não tem grandes problemas identitários, mas há muitos países na Europa - como França ou Alemanha - em que a questão da identidade está muito associada a problemas de imigração, está na ordem do dia. Em muitas democracias liberais do mundo, saber quem é que pertence à comunidade e quem não pertence é um tema central. Uma democracia só funciona se houver cola. Os franceses revolucionários não falavam apenas em liberdade, mas também em igualdade e fraternidade, o que significa que posso discordar politicamente do outro, mas reconheço que pertence ao grupo. A democracia vive disto, de perceber que o outro, quem está ao meu lado, é alguém a quem - num estado social - devo transferir dinheiro para o apoiar se for mais favorecido. Para isso, é preciso sentir identidade. Na Troika, dizia-se muitas vezes que os países do Norte não queriam ajudar os países do Sul, porque eram outro mundo. Não pertencíamos ao grupo deles. É preciso que haja um sentimento de pertença coletivo.
Que mensagem se pode passar à nossa realidade político-económica?
O que estamos a ver, um pouco pelas democracias liberais por todo o mundo, é cada vez mais uma clivagem radical: nos Estados Unidos, entre republicanos e democratas, na Europa, em Israel… A democracia pressupõe que eu seja capaz de criar pontos e se eu não conseguir fica ameaçada. As democracias funcionam quando não há uma clivagem tão radical em que o outro seja o inimigo. O outro tem de ser alguém com quem partilho o poder, alternativamente, em quem confio, mesmo discordando. Isso pressupõe que haja um mínimo de afinidade. Se não houver essa afinidade as democracias tendem a romper.
O que levou
a escrever este livro?
Primeiro, acho que um professor tem o dever académico de investigar. É importante continuar a investigar a sério e para aprender. Foi uma investigação de três anos e meio em que aprendi muito.
Segundo, o tema. O tema da identidade nacional é um tema tabu. Ninguém gosta de falar e acha que não interessa para nada. Em Portugal, temos o nosso Presidente Marcelo a dizer que o que caracteriza Portugal é saudade, fado, bacalhau e Cristiano Ronaldo… Quando observamos o que se passa na Europa percebemos que a questão é relevante. A tal “cola” da democracia pode ser fundada em valores políticos, mas muitas vezes é fundada em fatores culturais. Acho que vale a pena pensar em que medida é relevante atender a essa cola fundada em fatores culturais. Foi um desafio intelectual que valeu a pena trilhar.
Terceiro, acho que em Portugal vivemos muito no branco e prato e no prós e contras. Não tenho muito essa visão, tenho mais cinzenta clara ou escura. Acho que é importante na vida académica e na vida cívica haver propostas assim.