Os espanhóis debatem por esta altura com uma dúvida: saberem se a enorme crispação política em que os partidos com assento nas Cortes vão serenar depois da investidura do socialista Pedro Sánchez, ou se ela vai continuar a marcar o seu quotidiano. Com a violência sectária a chegar às ruas a o debate parlamentar a dar mostras de forte radicalização, a sociedade espanhola regressa à sua tradicional bipolarização – que não deixa de ser um traço histórico numa sociedade que alguns analistas consideram semi-federalizada.
O debate da investidura – que esta quinta-feira se materializará – mostrou dois discursos radicais que partem da mesma base: o lado esquerdo do parlamento a tentar demonstrar que a coligação de partidos que não venceram as eleições mas vão formar governo resulta de um estádio avançado da democracia; e o lado direito a vociferar que esse quadro é causa suficiente para deitar por terra essa mesma democracia. Nada que os portugueses não tenham visto nunca – e que a partir do seu próprio exemplo ‘fez escola’ em Espanha, podendo avançar Europa fora.
Pedro Sánchez afirmou que as suas duas principais preocupações são devolver sensatez política a uma situação incompreensível – a dos acusados de sedição depois do referendo sobre a independência da Catalunha – e retirar margem de manobra política aos sectores mais radicais da extrema-direita. Como era de esperar, Sánchez tentou acantonar o Partido Popular de Alberto Núñes Feijóo no mesmo redil para onde já tinha atirado o Vox – responsável pela violência nas ruas – afirmando que os argumentos contra a sua investidura se repetem em ambos os partidos. Nesse quadro, disse, o radicalismo de populares e de extremistas são o mesmo.
Feijóo – que inaugurou a lista dos vencedores de eleições espanholas que não chegaram à presidência de um governo legítimo – foi dos que mais lutou contra a situação política que o país está a seguir, tendo repetido que o acordo entre socialistas e independentistas é uma traição não só aos valores da democracia mas também aos da Constituição espanhola, que expressamente impedem atos que possam tender à secessão do território. É neste quadro que a oposição de direita não vê forma de a coligação PSOE-Junts per Catalunya cumprir o acordo que firmou sem atropelar de morte o texto constitucional.
Isso mesmo tentou o Vox no dia anterior, quando pediu para que a seção de investidura fosse travada pelos tribunais na forma de suspensão preventiva face ao que diz ser a evidência de uma prática inconstitucional.
A direita europeia tem feito a sua parte: em vários países europeus – Portugal incluído – líderes daquele lado do espectro político (no caso português pelo menos o líder do CDS, Nuno Melo) têm tentado deixar clara a ilegitimidade da solução que a Espanha está a adotar. Adiante se verá se a Alemanha não é o caso seguinte: se nas próximas eleições o SPD ganhar a maioria mas, com os Verdes não tiver a maioria do parlamento, pode suceder que os conservadores da CDU e os liberais do FDP sejam tentados a engendrar uma alternativa, se se der o caso de estes últimos crescerem até serem a quarta força política.
Santiago Abascal, líder do Vox acusou Sánchez de realizar “um golpe de Estado”. Antes dele, Alberto Núñez Feijóo disse que a investidura vai culminar com uma maioria legítima, “mas também com uma fraude". “Tomar decisões contra o interesse geral em troca de benefícios pessoais é corrupção política”, segundo o Partido Popular.
No meio da vozearia e dos ataques pessoais que ‘minaram’ o debate desta quarta-feira, os espanhóis puderam ainda aperceber-se de uma parte do projeto de Sánchez para o próximo governo, que os analistas dizem ser muito mais social que económico – pelo menos quando comparado com os governos anteriores. Mas Sánchez tem a mesma preocupação que o primeiro-ministro António Costa demonstrou ter há uns dias: assegurar aos investidores estrangeiros que, apesar da investidura, o país continua a ser totalmente confiável e merecedor da sua escolha.