A ofensiva eólica offshore (marítima) na Europa é uma "grande oportunidade" para a indústria portuguesa de produção de componentes para o sector. Quem o diz é Ben Backwell, o CEO da Global Wind Energy Council (GWEC), uma associação que agrega produtores e a indústria de produção de componentes para a energia eólica que junta mais de 1.500 empresas, organizações e instituições de 80 países.
Antigo jornalista, Ben Backwell viveu algum tempo no Brasil e as apresentações para a entrevista foram feitas em português com açúcar, bastante fluente. Em conversa vídeo desde Londres, o gestor britânico destacou que as fábricas nacionais da Siemens Gamesa, da Enercon e da CS Winds podem contribuir para os projetos do leilão offshore em Portugal e noutros países.
Ben Backwell também destacou que os projetos renováveis estão a avançar em várias regiões do mundo ao mesmo tempo, o que ameaça criar problemas na cadeia de abastecimento.
Sobre a China, considera que o Império do Meio não pode ficar de fora da cadeia de abastecimento europeia, dada a escala da ofensiva renovável. Por outro lado, apontou que os projetos europeus não podem ficar também dependentes dos fornecedores de um único país.
Como é que olham atualmente para o offshore na Europa? Vai ser desafiante?
Estamos a ver muita ambição dos governos. O vento offshore está a crescer exponencialmente na Europa, também nos Estados Unidos com o Inflation Reduction Act (IRA) e na Ásia, com um grande crescimento na China, Japão, Coreia do Sul, Vietname, Filipinas e Austrália. São metas ambiciosas, 370/380 gigawatts (GW) até ao fim de 2030. É muito ambicioso. Não tenho dúvidas de que é possível porque a eólica offshore é a única grande fonte de energia com carbono zero disponível para muitos países. Os custos são muito competitivos. Não há muitas alternativas para desenvolver energia com carbono zero em grande escala. Por outro lado, o processo para fazer as coisas é complexo. O planeamento em qualquer lugar no mundo de uma central eólica demora tempo, os processos são lentos. Mesmo nos locais mais rápidos como no Reino Unido demora entre sete a nove anos para o licenciamento e planeamento, portanto isto precisa de ser melhorado, e há muitos governos que pretendem reduzir os tempos.
A União Europeia (UE) tem agora novas regras para tentar reduzir os tempos, os EUA já têm uma task force para tornar o planeamento menos complexo. Existe definitivamente um grande desafio em termos de processos de governo. E o segundo grande desafio é a cadeia de abastecimento. O desafio é que todos estão a tentar construir ao mesmo tempo e antes, por exemplo, a China tinha um ano melhor, no ano seguinte era a Alemanha. Mas nos próximos anos, todos vão estar a construir ao mesmo tempo. Quando chegarmos a 2030, todos os países vão ter projetos e vai haver potencial para uma data de problemas de abastecimento para equipamentos para as eólicas e para a rede, como cabos, subestações e navios para os trabalhos. Não é muito tarde para evitar isso, mas precisamos de começar a investir, e agora.
A eólica offshore é a única grande fonte de energia com carbono zero disponível para muitos países
Dos projetos que existem em Portugal, a grande maioria diz respeito a tecnologia flutuante que ainda não está muito desenvolvida. É possível construir 8 ou 9 gigas de eólicas flutuantes no espaço de 10 anos?
As boas notícias é que esta é uma boa oportunidade para Portugal que tem sido um pioneiro nas renováveis, nas hídricas, na eólica e no solar. Recordo-me de visitar Portugal no início da década de 2000.
Ainda não existia nada de eólica e solar…
Certo. E Portugal foi pioneiro nas renováveis. É certo que depois veio a crise financeira e as coisas abrandaram, mas agora Portugal está de volta. Sobre a tecnologia flutuante, ainda não estamos lá. Portugal tem uma boa oportunidade porque tem dois bons portos no norte e no sul do país, tem uma boa cultura de inovação & desenvolvimento e bons talentos. Tiveram um projeto-piloto. Mas a tecnologia já está a 100%? Não está. Mas por vezes para um país isso é melhor. Porque permite ir à frente e liderar. Os conhecimentos reunidos permitem exportar a tecnologia para outros países. O Mediterrâneo é flutuante na sua maioria, Espanha e Itália, e existem outros mercados à volta do mundo. Se Portugal apostar nisto, vai desenvolver projetos de classe mundial.
Se Portugal apostar nisto, vai desenvolver projetos de classe mundial
Uma das discussões que está a ter lugar em Portugal é se o leilão vai ser desenvolvido em uma ou duas fases. Qual a vossa opinião sobre este tema?
Somos pragmáticos, depende do mercado. Se fizermos um leilão em duas fases, e em que se permite às empresas levarem a cabo os seus estudos detalhados e criarem os seus modelos de negócios, incluindo a produção de hidrogénio e de amónia. A vantagem de ter duas fases é que permite aos promotores fazerem o seu trabalho e terem o local como querem, permitindo criar modelos de negócio. A vantagem de uma fase é que é mais simples. Há vantagens para os dois modelos, mas uma única fase implica que o Governo tenha mais trabalho, tem de fazer tudo, e então as empresas só licitam, porque as condições do local e a rede elétrica já está tudo definido. Aqui a vantagem é simplicidade e garantir a ligação elétrica. A desvantagem é que há menos envolvimento do sector privado, menos criatividade do modelo de negócio e existe mais dependência do Governo que tem de fazer tudo.
Olhando para países como a Alemanha, Dinamarca ou os Países Baixos. Aqui, talvez uma fase faça mais sentido porque já fizeram outros leilões antes. Já fizeram os estudos, já conhecem bem as necessidades da rede. Mas, exemplo, se formos ao Brasil ou às Filipinas, talvez os promotores não tenham tempo para esperar pelos governos. Depende dos contextos. Em Espanha realizaram um leilão em novembro em que só colocaram 5% a 10% da potência. Porquê? Porque o preço máximo previsto era muito baixo. A inflação está alta e os preços da eletricidade no mercado estão muito altos. As empresas preferem mais risco e pagar o seu projeto mais rapidamente porque os preços da eletricidade estão elevados. Não estou a dizer que isto vai acontecer no offshore, mas penso que é necessário algum tipo de CfD (contrato de diferenças). Algum mecanismo que permite previsibilidade para a produção. Gostaríamos de um modelo destes, mas existem outros.
Do que tem visto noutros países, é fácil financiar estes projetos? É possível chegar a um banco ou a um fundo e pedir dinheiro para desenvolver um projeto offshore? Há apetite dos mercados para estes investimentos, visto que o risco é maior do que nonshore, por exemplo?
Sem dúvida. Há um grande apetite e provavelmente existe mais investimento disponível do que projetos. Penso que neste momento não há falta de financiamento, mas sim de projetos disponíveis com ligação resolvida. O apetite do investidor é grande porque há muitos novos atores que chegaram ao mercado, como fundos de pensões ou fundos soberanos. A questão é como tornar estes projetos rentáveis. Para isto, é preciso que não estejam a tentar colocar o preço sempre em baixo. Existem agora uma série de projetos licenciados e financiamento não é o problema principal. Mas isto pode vir a mudar. Estamos agora num ambiente diferente devido aos juros e à inflação, já não estamos na era de dinheiro barato. É muito importante os governos criarem bons leilões para manter os custos de financiamento baixos.
Há um grande apetite para estes projetos
Ligar 10 gigawatts de eólica offshore vai custar muito dinheiro. Os consumidores irão pagar este valor, quer seja diretamente ou indiretamente...
Garantir a rede elétrica é muito importante. Em termos de custo, temos de comparar com as alternativas. O custo da eólica offshore está a tornar-se competitivo, mesmo com a rede, mas os projetos implicam postos de trabalho e a criação de uma fileira industrial. Existe um custo, mas é preciso comparar esse custo como construir terminais de gás natural e importar gás.
A Wind Europe apresentou dados onde concluiu que para os preços da tecnologia flutuante descerem, a Europa tem de construir 7 gigas de vento offshore, devido à economia de escala. Este é o número mágico para a indústria europeia offshore?
Não penso que seja um número mágico, mas faz sentido. É preciso atingir uma certa escala para industrializar o processo, e então os custos começam a descer rapidamente. No Reino Unido, recordo-me de estar sentado a discutir com várias pessoas sobre qual seria o preço ideal e de pensarmos que 100 libras/MW hora seria o ideal, mas o preço desceu para 37/40 libras/MW hora. Isto vai acontecer, estou muito confiante. Quando se atinge escala, os custos descem. Mas é importante sermos realistas. Os custos não vão continuar a descer para sempre. Existe o preço do aço, o preço do cimento, os custos laborais. E todos estes custos estão a subir neste momento.
O sector das energias renováveis precisa de 5 milhões de trabalhadores na Europa na próxima década, mas a falta de mão-de-obra qualificada é atualmente um problema. É um tema que o preocupa?
Vai ser um problema e gostava que fossem tomadas medidas agora, com medidas para aumentar a formação e o treino para este sector. Porque antes os recursos eram partilhados porque os países avançaram com os projetos em alturas diferentes, mas dentro em breve todos os países vão estar a lançar projetos, só os EUA têm projetos muito agressivos. Neste momento, não há programas para formar pessoal qualificado. É preciso começar a trabalhar nisto agora.
Neste momento, não há programas para formar pessoal qualificado
Ainda há espaço para projetos eólicos em terra? Tanto em Portugal como na Europa?
Depende. Em alguns países sim. No Reino Unido seria possível, mas não se pode por razões políticas. Penso que existem 8 gigawatts que poderiam ser construídos muito rapidamente na Alemanha, França e Espanha. Penso que existe potencial para construir mais onshore em Portugal.
Os projetos offshore vão precisar de muito equipamento. Há centenas de empresas na Europa que constroem de tudo para este sector. O offshore vai ser uma oportunidade para estas empresas, que têm sofrido perdas nos últimos anos, ou devemos temer a concorrência de empresas chinesas?
Penso que é uma grande oportunidade. Mas a capacidade europeia não vai ser suficiente para todos os projetos, tal como nos EUA. Penso que a falta de equipamento vai afetar estas duas regiões.
Mas é uma oportunidade. Os fabricantes de aerogeradores sofreram nos últimos anos. E o mercado está agora a crescer no onshore e offshore. Portugal tem dois grandes centros de produção, em Vagos e em Viana do Castelo. E vamos precisar de toda a capacidade industrial nos próximos 10 anos. Penso que é uma boa oportunidade para Portugal que tem uma boa localização, no Atlântico, perto de Espanha, próximo de França e do Reino Unido. Existem boas oportunidades para Portugal em termos de cadeia de abastecimento. É preciso pensamento estratégico. Portugal tem uma vantagem aqui, pode trabalhar para o mercado Atlântico e para o Mar do Norte.
Existem boas oportunidades para Portugal em termos de cadeia de abastecimento
Sobre a China, penso que vamos precisar de todos. A maioria da produção chinesa vai para o mercado interno que é enorme. Por ano, constroem 50-60 gigawatts de eólicas onshore, o que corresponde a 40-45% do mercado global. E agora no offshore também estão a ganhar grande escala, só em 2021 construíram 17 gigawatts de offshore. Portanto, vão precisar da maioria da sua produção. Mas também produzem componentes, como torres, lâminas, caixas multiplicadoras e também vamos precisar disto para não termos problemas no abastecimento.
Deveremos ver empresas chinesas a investir em unidades fora da China, levando investimento para outros países. Precisamos de ter uma cadeia de abastecimento diversificada para não estarmos completamente dependentes da China, e termos resiliência na cadeia. Mas não devemos excluir nenhum mercado, devemos tentar manter o comércio livre como pudermos. Penso que há aqui duas questões: uma é termos produção local e a criação de empregos, mas também devemos ser flexíveis o suficiente para garantir que temos uma fonte estável de componentes e equipamentos críticos. Muitos dos componentes precisam ser produzidos localmente, como as lâminas, por exemplo, em vez de vir por navio do outro lado do mundo. Penso que vai haver muita produção local, criação de empregos, mas não devemos entrar numa guerra de comércio, excluindo outros países de participar, porque também vão excluir-nos.
Como é que olha para a dependência da Europa de minerais críticos da China que é um dos principais fornecedores mundiais? Estes minerais são essenciais para a transição energética, um exemplo são os aerogeradores.
Penso que faz sentido evitar a dependência de um país em particular. Precisamos de mais diversidade e mais diversificação na cadeia de abastecimento. Não queremos estar dependentes de um único local para o abastecimento de aço ou cobre. Mas mais uma vez, é preciso ter uma cadeia de abastecimento equilibrada, sem fechar a porta. O licenciamento na Europa demora bastante tempo, imagine-se o tempo que demora licenciar uma nova mina, que é um projeto caro e com um grande potencial de poluição. Isto acontecer na Europa não é realista, precisamos de fontes diferentes, incluindo a China, mas não só a China, claro.
Precisamos de fontes diferentes, incluindo a China, mas não só a China
Tivemos o exemplo da energia solar. A aposta chinesa levou à destruição da indústria europeia.
Certo. Os chineses escalaram o solar e industrializaram-no para uma escala tão grande que ninguém consegue competir, e isso criou uma situação em que não existe investimento industrial local, o que não é saudável, precisa de haver um equilíbrio. A China vai ser importante porque tem uma grande economia industrial. Tem escala, o que significa que podem exportar tecnologia para muitos locais. E também tem capacidade para construir redes, como no caso do Brasil, onde estão a investir. Prevejo que a China venha a ter um grande papel nos mercados globais, assim como os EUA, a Índia, e Portugal. Penso que tudo vai correr bem se os países trabalharem em conjunto.
A China vai ser importante porque tem uma grande economia industrial