Numa altura em que o país se encaminha para definir a composição da Assembleia da República, nas eleições do próximo dia 10 de março, a Pordata, base de dados estatísticos da Fundação Francisco Manuel dos Santos, divulga um conjunto de dados que permitem fazer um retrato da evolução das eleições legislativas em Portugal. Um dos aspetos mais marcantes dos 50 anos de democracia é que o eleitorado nunca deixou de se concentrar nos dois partidos do centro do espectro político: PS E PSD. Mas as sondagens indicam que esse elemento fundacional da democracia pode estar a desaparecer – com as margens mais radicais, à direita e à esquerda, a assumirem posições de relevo.
A ‘jurisprudência’ europeia indica, contudo, que pode ser um movimento meramente passageiro – um interregno até tudo voltar ao ‘normal. “PS e PSD representam, desde 1987, mais de dois terços do total dos votos válidos”, referem os dados coligidos pela Pordata. Afinal, “59% dos cidadãos afirmam posicionar-se politicamente ao centro ou mais à esquerda” – o que implica uma concentração de votos ao centro.
A segunda parte do estudo retrata a população dos residentes em Portugal sobre a política nacional e “demonstra que 8 em cada 10 residentes tendem a não confiar nos partidos políticos; que 62% tendem a não confiar na Assembleia da República; que 56% dos cidadãos estão satisfeitos com a democracia nacional (comparando com 55% da média europeia); e que, a nível europeu, estão entre os que menos confiam na sua capacidade de participar na política.
Na generalidade, “em 50 anos de democracia tiveram lugar 16 eleições legislativas em Portugal. Neste período, mais de metade dos eleitores foram sempre votar, com exceção das legislativas de 2019, aquando do segundo mandato de António Costa como primeiro-ministro, em que a taxa de abstenção foi de 51,4%”. Como é sabido, a taxa de participação eleitoral tem diminuído ao longo dos anos e, a partir de 2009, “já menos de 60% dos eleitores exerceram o seu direito de voto”.
Ao longo do período democrático, o partido com mais votos numa eleição legislativa foi o PSD (2,9 milhões de votos), na recondução de Cavaco Silva em 1991. O PS obteve a sua maior votação em 2005, com o primeiro governo de José Sócrates (2,6 milhões de votos).
“Desde que Portugal é uma democracia, o PS formou governo por nove vezes, e cinco destes governos ocorreram nas últimas duas décadas. Assim, nos últimos 21 anos, apenas seis corresponderam a um governo liderado pelo PSD. O PS formou governo entre 2005 e 2010 e desde 2015 que se encontra no poder, sendo que, entre 2015 e 2021, o governo foi apoiado pelo PCP, PEV e BE”. Nos 16 governos que já tomaram posse, apenas seis concluíram o mandato. Cavaco Silva, António Guterres, José Sócrates, Pedro Passos Coelho e António Costa foram os autores do inesperado sucesso. E apenas seis governos foram eleitos com maioria absoluta: dois com a Aliança Democrática (AD) liderada por Sá Carneiro (1979 e 1980), dois com Cavaco Silva (1987 e 1991), um com Sócrates e outro com António Costa – mas, mesmo assim, nem todos chegaram ao fim da legislatura – só cavaco e Sócrates o conseguiram.
A Pordata chama ainda a atenção para o facto de, “desde 2015 as mulheres representam pelo menos um terço dos deputados na Assembleia da República. O parlamento com menos mulheres foi o de 1976 (15 deputadas que representavam 5,7% do total) e o parlamento com mais mulheres foi o de 2019 (38,7%).
“Nos últimos 30 anos, o partido que elegeu o maior número de deputados numa eleição foi o PS (121 deputados em 2005). O partido que mais deputados perdeu numa eleição foi o PSD, em 2005, quando passou de 105 para 75 deputados”. De destacar ainda a perda do número de mandatos do CDS-PP nestas últimas 3 décadas: mesmo tendo estado, em quatro eleições, entre as três forças partidárias com maior número de deputados, incluindo em 2011, com 24 mandatos, não obteve representação nas últimas eleições.
O número de deputados eleitos pelo PSD tem vindo a diminuir nas últimas três eleições, assim como decresceu o número de deputados do PCP, BE e PAN nas eleições de 2022. Nas últimas duas eleições, o Chega de André Ventura e a Iniciativa Liberal foram os partidos que mais cresceram, representando atualmente a 3.ª e 4ª. forças partidárias na Assembleia da República.
Fracas perceções
De acordo com os dados do Eurobarómetro, em 2023 oito em cada dez inquiridos em Portugal “tendem a não confiar nos partidos políticos. Esta é, aliás, uma tendência em 19 dos 27 países da UE, em que mais de 70% das pessoas tendem a não confiar nos partidos políticos (a média da UE é 77%). E em todos os países, com exceção da Dinamarca, que regista empate, é maior a proporção de pessoas que não confiam do que as que confiam”.
Assim, 62% dos cidadãos em Portugal tendem a não confiar na Assembleia da República, valor acima da média europeia (56%). Em 19 países, mais de metade dos inquiridos tendem a não confiar no Parlamento nacional. Só nos países nórdicos e no Luxemburgo é que mais de 60% dos inquiridos tendem a confiar nos seus deputados.
Portugal está entre os nove países da UE em que mais de metade (53%) dos inquiridos tendem a não confiar no sistema de justiça, valor 9 pontos percentuais (p.p.) acima da média europeia (44%). Em contrapartida, mais de metade dos inquiridos (54%) em Portugal tendem a confiar na União Europeia (face a 47% da média europeia).
Por outro lado, “mais de metade dos inquiridos em Portugal afirmam-se satisfeitos com a democracia nacional (56% vs. 55% da média europeia), embora 43% refiram a sua insatisfação. Em 11 países da União Europeia, a maioria dos cidadãos manifestam insatisfação com a democracia dos seus países, sendo os gregos e os búlgaros os mais insatisfeitos (acima de 60%).
Em contrapartida, nos países nórdicos, Luxemburgo e Irlanda, mais de 80% dos inquiridos dizem-se satisfeitos com a forma como a democracia funciona nos seus países”.
Atestando a evidência do distanciamento entre o mundo político e o cidadão comum, “os dados do European Social Survey revelam que Portugal está entre os quatro países cujos cidadãos menos confiam na sua capacidade de participar na política (83%), depois da Eslováquia (84%) e ao lado da Letónia e Chéquia (83%). Só na Suíça, Islândia, Áustria e Noruega é que mais de metade dos cidadãos confiam na sua capacidade de participação”.
É que 73% dos cidadãos em Portugal consideram que “o sistema político nacional não permite, ou permite pouco, a influência das pessoas na política. Esta perceção é partilhada por mais de metade dos países analisados, com exceção da Noruega, Suíça, Finlândia, Islândia e dos Países Baixos, onde se considera que os sistemas políticos permitem às pessoas algum grau de influência na política”.
Por outro lado, 59% dos portugueses afirmam posicionar-se ao centro ou mais à esquerda do espectro político: 31% dos portugueses afirmam posicionar-se ao centro, 28% mais à esquerda e 19% mais à direita. Em média, na UE, 38% das pessoas dizem posicionar-se ao centro, 28% mais à esquerda e 23% mais à direita. Destacam-se, contudo, os 16% de inquiridos portugueses que não sabem responder a esta questão e os 6% que recusaram fazê-lo.
Genericamente, a realidade portuguesa – pelo menos a que está explanada nos números – não é diametralmente diferente do que se passa em toda a Europa. No próximo dia 10 de março, todas estas realidades vão estar mais uma vez em jogo para a escolha do próximo governo. Ou da próxima crise política.