Os avisos da DBRS quanto aos efeitos da instabilidade política parecem ter sido algo precoces, dada, por um lado, a incerteza quanto à solução que emergirá após as legislativas deste domingo e, por outro, o desenho do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que depende de unidades técnicas que não mudarão com o Governo.
Após o resultado tripartido das eleições legislativas de 10 de março, a agência financeira canadiana alerta para a possibilidade de eleições já em novembro, face a uma instabilidade política que ameaça deixar o país ingovernável. Como tal, “a governação é a principal incerteza”, considera a agência, o que pode ter efeitos ao nível da execução do PRR.
“Um governo liderado pela AD vai manter uma política fiscal sólida e a redução do rácio de dívida pública durante a próxima legislatura, usando a folga que tiver para reduzir impostos”, reconhece a nota da DBRS, mas há riscos “relacionados com um parlamento bloqueado e um governo instável, o que complica a implementação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) em Portugal”.
António Nogueira Leite, economista e professor universitário, denota que, apesar de “um governo minoritário ter necessariamente condições de estabilidade menos asseguradas”, uma maioria absoluta também não é garantia absoluta de condições de governabilidade, como ficou demonstrado pelo Executivo demissionário liderado por António Costa.
“Há muitos países que têm governos minoritários ou governos de coligação que, por vezes, também não são maioritários, portanto, não penso que isso fosse um problema”, lembrou. Por outro lado, um governo minoritário da AD certamente dá mais garantias do lado económico do que uma maioria do PS suportada pelos partidos de extrema-esquerda, argumenta.
“É evidente que preferia que houvesse uma maioria estável em que pudesse levar a legislatura até ao fim, mas tudo depende muito da qualidade do Governo e das medidas que decida pôr em marcha”, completa.
Também Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, considera que a DBRS talvez se tenha precipitado no aviso, dado que “ainda é muito cedo para dizer que [a solução de governação] está a prazo”.
“Nas próximas semanas ainda muita coisa pode mudar”, considera, apontando às declarações dos líderes dos três partidos mais votados na noite eleitoral, que não permitem tirar grandes ilações sobre que solução será encontrada para governar o país. Ainda assim, caso não seja atingido nenhum acordo, a aprovação de um Orçamento do Estado para 2025 será complicada.
Em todo o caso, “o país pode aguentar meio ano ou um ano sem Orçamento”, sobretudo havendo a noção de que a situação é “temporária”.
“Não será por isso que as agências de rating irão rever as classificações da dívida portuguesa”, acrescenta.
Outra das preocupações da DBRS (e que a agência havia já manifestado antes das eleições) prende-se com a execução do PRR, que arrisca atrasar-se ainda mais. Quanto a este risco, António Nogueira Leite relembra que a Administração Pública não se rege por orientações políticas, pelo que a aplicação destes fundos depende sobretudo da sua competência.
“O importante é que seja competente. O Governo pode durar pouco e ser muito competente ou durar muito e ser incompetente”, resume.
Já antes das eleições, o coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), Rui Nuno Baleiras, recordava ao JE que a estrutura do PRR leva a que muitas das decisões de investimento estejam já tomadas e não dependam diretamente do Executivo.
“As decisões de contratação pública são tomadas ao nível das unidades orgânicas das administrações públicas, não numa base casuística pelos membros do Governo. De maneira que, estando o enquadramento das operações em todas as áreas de governação definido, não é por estarmos dois, três meses ou quatro meses sem Governo que os dirigentes das administrações se sentirão inibidos de agir e executarem as operações a seu cargo no calendário previsto, nomeadamente tendo em conta os prazos definidos”, ilustrou.
A eleição legislativa deste domingo terminou com a AD a conseguir 29,49% dos votos, contra 28,66% do PS, com 79 deputados para a AD e 77 para o partido liderado por Pedro Nuno Santos. Já o Chega reuniu 18,06% dos votos, quadruplicando o número de deputados para 48.