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Economistas relançam exames aos Orçamentos face a preocupação com contas públicas

O Institute of Public Policy, um think tank do ISEG que faz análises às propostas de Orçamento de Estado, vai relançar o Budget Watch, revelou ao JE o economista Paulo Trigo Pereira, coordenador do conselho científico da iniciativa que conta com os melhores economistas portugueses. Projeto, que foi suspenso em 2023 face à trajetória positiva do défice e da dívida, é retomado com exames aos Orçamentos face a preocupações com as contas públicas e aos impactos das recentes medidas aprovadas pelo Governo e oposição.

O Institute of Public Policy (IPP) – think tank do ISEG que faz análises técnicas e independentes às propostas de Orçamento de Estado, suspensas desde 2023 com a consolidação das contas certas, vai relançar o Budget Watch, um projeto que visa promover a transparência e o rigor orçamental, dadas as renovadas preocupações com as contas públicas. Após um hiato em 2023, a iniciativa será retomada após a série de medidas com impacto orçamental recentemente aprovadas pelo Governo e Parlamento, revelou o Jornal Económico (JE), Paulo Trigo Pereira, coordenador do conselho científico do Budget Watch.

“Vamos relançar este ano o Budget Watch precisamente porque está novamente preocupado com o futuro das finanças públicas deste país”, revelou ao JE Paulo Trigo Pereira, economista e professor universitário membro do conselho científico desta iniciativa, que classifica como “o maior projeto de transparência orçamental que se faz em Portugal”.

 
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Após um ano de interrupção em 2023, quando os membros deste observatório sentiam “que não valia a pena continuar, porque as coisas estavam a ficar tranquilas do ponto de vista das finanças públicas”, este ano marcará nova avaliação da proposta orçamental à luz de dez eixos relacionados com a transparência, rigor e controlo da despesa pública.

“Decidimos agora retomar porque estamos preocupados com estas negociações à la carte de todas estas corporações a quererem mais”, explicou Paulo Trigo Pereira.

Os alertas para riscos de voltar a défice

A discussão em torno do equilíbrio orçamental voltou a ganhar ímpeto nas últimas semanas, face à série de políticas aprovadas pelo Parlamento à revelia do Governo, com os avisos do Banco de Portugal (BdP) quanto à possibilidade de a margem orçamental desaparecer com estas medidas caso não haja mecanismos de compensação. Aos alertas de Mário Centeno juntam-se ainda o aviso do economista Ricardo Reis, professor da London School of Economics, que em recente entrevista ao Eco, diz que as várias medidas do Governo mostram ímpeto reformista, mas alerta que, apesar de não haver sinais de irresponsabilidade orçamental, é preciso ter atenção à despesa.

O BdP sinalizou a 7 de junho que as medidas aprovadas recentemente pelo Governo põem o país em risco de voltar a registar défices orçamentais nos próximos anos. Um alerta que consta do Boletim Económico de junho, onde o banco central considera que “a magnitude destas medidas e a sua natureza”, pelo impacto de diminuição de receita e/ou aumento de despesa, implicam uma redução do saldo orçamental sendo a consequência o risco de regresso a défices orçamentais.

O relatório dá conta de que “com a informação disponível, é expectável o retorno a uma situação de défice, colocando em risco a trajetória desejável para a despesa pública no âmbito das novas regras orçamentais europeias”. Em 2023, o saldo orçamental foi positivo em 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

“Com o Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) e as medidas que já foram implementadas este ano e conseguimos incluir no exercício, que são fundamentalmente o impacto do CSI [Complemento Solidário para Idosos] e o fim das portagens nas ex-SCUT […], verifica-se um incumprimento de 0,6%, acima da margem de 0,3% da Comissão”, alertou Mário Centeno na semana passada na apresentação do boletim económico de verão.

O exercício do BdP fala num aumento da despesa de 5.635 milhões de euros, o que, por si só, já excede a margem orçamental, aos quais se junta uma redução de receita de 1.820 milhões de euros. Tal resultaria numa variação do referencial para a despesa ascendendo a 7.455 milhões de euros segundo os critérios atualizados de Bruxelas para as finanças públicas, isto sem contar ainda com o impacto das negociações salariais com vários sectores da função pública.

No entanto, o governador frisou que este exercício visa sobretudo, de uma forma simplificada, uma estimativa dos impactos financeiros num cenário de políticas invariantes.

O economista Ricardo Reis – um dos 17 economistas consultados por Luís Montenegro em janeiro para preparar o Programa de Reformas e Cenário Macroeconómico que a AD apresentou nas eleições legislativas de março – considera também que o Executivo de Montenegro precisa de ter em conta o custo das medidas acumuladas, especialmente dada a incerteza sobre a inflação e a política monetária. E sinalizou ao Eco que todas as medidas “têm ido no sentido de agravar o défice público ou gastar mais dinheiro“, considerando normal num governo de minoria.

Nas últimas semanas o Governo da AD apresentou diversas medidas fiscais que implicam corte de receita como o corte do IRS (custo de 463 milhões em dois anos), cujo figurino de alívio fiscal que teve luz verde do Parlamento acabou por ser o projeto do PS para os novos escalões (impacto superior a 550 milhões), e também o programa IRS Jovem (medida comum custo de 1,2 mil milhões de euros). Do lado da despesa, foram apresentadas outras medidas nas áreas da habitação, da saúde ou dos apoios aos mais idosos.

Montenegro assegura: situação orçamental “completamente controlada”

Após os avisos do governador do Banco de Portugal, o primeiro-ministro, que disse não pretender comentar o alerta de Mário Centeno, salientou que o Governo irá assegurar o “cumprimento das metas” a que se propôs.

Luís Montenegro, assegurou na sexta-feira passada, que o Governo tem a situação orçamental “completamente controlada”, após o alerta do BdP para o risco de o país registar défices nos próximos anos. “Temos a situação completamente controlada”, salientou o chefe do Executivo no decorrer de uma arruada em Lisboa, na qualidade de presidente do PSD, no âmbito da campanha da AD para as europeias.

 Avaliação do Budget Watch foi sempre negativa

O Budget Watch, uma parceria entre o Institute of Public Policy e o ISEG (Universidade de Lisboa) desde 2013, é um projeto que visa a análise técnica e independente da Proposta de Orçamento do Estado sob a perspetiva do rigor, transparência e responsabilidade orçamental.

O Budget Watch consiste numa análise técnica de um painel composto por “alguns dos melhores economistas portugueses para estes votarem em várias dimensões do OE”, explanou ao JE Paulo Trigo Pereira, à semelhança do que já é feito em mais de 100 países.

Estes economistas recebem um questionário no qual lhe sé pedido para classificarem a proposta de OE em dez dimensões: transparência, rigor e análise de sensibilidade; responsabilidade política; saldos orçamentais consistentes com o nível sustentável da dívida pública; controlo das despesas de consumo público e da despesa com a Saúde e controlo das despesas com a Segurança Social. Juntam-se ainda outras dimensões como a consideração dos trade-offs entre objetivos de política; explicitação dos fluxos financeiros entre as administrações públicas e o sector público empresarial; bem como a  informação adequada sobre os projetos de investimento público, contratos e parcerias público-privadas. E por fim a solidariedade entre os diferentes níveis da administração e subsetores da administração central; e incorporação de melhorias no processo orçamental.

Desde que foi criado em 2013, as avaliações do projeto Budget Watch foram sempre negativas, tendo propostos várias recomendações para melhoria dos Orçamentos. Na última avaliação, correspondente ao OE2022, a avaliação global foi ‘insuficiente’, embora tenha sido o segundo melhor resultado do índice resultante deste projeto, com 47,4% de aprovação. O melhor resultado havia sido em 2020, com 48%, ou seja, ainda ‘insuficiente’.

O conselho científico conta por professores das universidades mais bem cotadas de economia e gestão do país, nomeadamente a NOVA SBE, ISEG, ISCTE, FEP e Universidade do Minho, mas também da London School of Economics. É o caso de Ricardo Reis (LSE), Francesco Franco e Susana Peralta (NOVA SBE); João Ferreira do Amaral, Manuela Arcanjo e Paulo Trigo Pereira (ISEG); bem como José Silva Costa (FEP), Linda Veiga (U. Minho) e Luís Teles Morais (NOVA-SBE e IPP), entre outros.