A economia alemã continua em dificuldades, tendo fechado 2023 com crescimento negativo no último trimestre e arrancando este ano com um corte considerável nas previsões para o PIB. Um modelo económico esgotado tem gerado descontentamento social e protestos em vários segmentos da população, uma realidade não muito comum naquele país, levando o governo federal a admitir que os próximos tempos serão conturbados.
O quarto trimestre do ano passado fechou com um recuo de 0,3% no PIB alemão, isto após dois trimestres de estagnação – ou seja, formalmente, a economia alemã não cumpre o requisito para uma recessão técnica, de dois trimestres seguidos com crescimento negativo. Ainda assim, o ministro da Economia, Robert Habeck, admitiu na passada quinta-feira que o país navegava “águas agitadas”.
Os comentários foram feitos na atualização de perspectivas macro do governo federal alemão, que cortou o crescimento em 2024 de 1,3% para 0,2%, uma redução assinalável e que sublinha os problemas económicos germânicos.
No total de 2023, a economia alemã recuou 0,3%, registando a pior performance entre os sete países mais ricos do mundo. A projeção de 0,2% para o crescimento do PIB este ano é também a pior no grupo destas sete economias.
O PIB recuou à custa de uma forte quebra do investimento, uma fraqueza estrutural alemã nos últimos anos e um reflexo da subida dos juros na zona euro. Esta componente caiu 1,9% em cadeia, pressionada pelo menor investimento em maquinaria e equipamento e em construção, que retrocederam 3,5% e 1,7%, respetivamente.
O consumo surpreendeu pela positiva, subindo 0,2% depois de estagnar no terceiro trimestre, isto “à medida que a descida da inflação leva a subidas dos salários reais”, explica a Pantheon Macro. Já a componente externa manteve-se estagnada em relação ao trimestre anterior, ao passo que a produtividade medida pelo PIB real por horas de trabalho recuou 0,4% em termos homólogos.
“Olhando para a frente, os dados preliminares dos inquéritos de mercado para o primeiro trimestre sugerem que a economia alemã continuará atrasada em relação ao resto da zona euro”, projeta a Pantheon. Esta visão coincide com a análise do banco ING, baseando-se nos índices de gestores de compras (PMI) e no índice Ifo conhecidos na semana anterior.
O PMI composto alemão voltou a cair em fevereiro, recuando até mínimos de quatro meses com 46,1, isto quando o mercado até esperava uma subida dos 47,1 de janeiro para 47,5. São já oito meses seguidos com o indicador nominal abaixo de 50, sinalizando contração da atividade. Os serviços até melhoraram ligeiramente, embora mantendo-se em terreno negativo com 48,2, mas a indústria continua a pesar e renovou mínimos de quatro meses com 42,1. A procura continua fraca, levando a uma cada vez menos novas encomendas em ambos os sectores, embora com maior intensidade no lado da indústria.
O índice Ifo divulgado no dia seguinte até mostrou uma melhoria marginal de 85,2 em janeiro para 85,5 em fevereiro, mas “insuficiente para trazer de volta o otimismo” a Berlim, escreve a análise do banco ING. O indicador relativo à indústria caiu de -15,8 para -17,4, sinalizando uma deterioração ainda mais rápida das condições das fábricas do país. Também o retalho registou uma leitura ainda mais negativa do que em janeiro, de -27,6 depois de ficar em -26,6, deixando antever mais fraqueza do lado do consumo.
Em sentido inverso, os subíndices referentes aos serviços e à construção subiram ligeiramente, chegando a -4,1 e -35,4, respetivamente.
“Os dados divulgados esta semana e os desenvolvimentos políticos confirmam a nossa projeção de nova contração ligeira da economia alemã no primeiro trimestre e uma recuperação fraca a partir daí”, lê-se na nota do ING, que relembra a crise energética no país, o decréscimo da produção industrial para menos 10% dos valores pré-Covid e a quantidade de greves para argumentar que os próximos tempos não serão fáceis.
O banco neerlandês espera novo recuo da economia este ano, desta feita de 0,2%, e aponta às expectativas de longo prazo do governo federal, de 0,5%, para argumentar que a Alemanha enfrenta agora “as consequências da sua inação política”.