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“É um Orçamento prudente e não muito ambicioso”

Fiscalista da EY considera que, no OE 2023, a ambição poderia ter ido mais longe nas medidas para apoiar famílias e empresas face ao excedente de receita fiscal cobrada este ano. Aponta aqui a redução da taxa do IVA da eletricidade e de gás e a redução da taxa do IRC.

Luís Marques considera que o Governo podia ir mais longe nas medidas fiscais para as empresas e empresas. E diz que esta ambição poderia ter sido maior, como por exemplo, apenas durante o ano de 2023, aplicar a taxa reduzida do IVA da eletricidade e do gás.

E também através de dedução, ainda que com caráter temporário, à coleta do IRS para fazer face aos encargos com imóveis,bem como a redução do IRC.

A proposta do OE23 traz uma resposta adequada aos efeitos da escalada da inflação nas famílias e empresas?
É uma resposta equilibrada do ponto de vista das finanças públicas. Atendendo a que o Governo acabou por registar um excedente na receita tributária cobrada em 2022, por via da inflação, seria “normal” esperar um pouco mais de ambição. Ainda que haja uma tentativa de atenuar os impactos da inflação por via da atualização dos escalões de rendimento coletável do IRS (o que não sucedeu com o OE 2022), e algumas mexidas ao nível do cômputo do IRC, tal como a alteração do regime de reporte de prejuízos fiscais, outras medidas tal como a redução (ainda que temporária) da taxa do IVA aplicável aos consumos de eletricidade e de gás e ainda a redução da taxa do IRC seriam sinais fortes de uma aposta clara em estimular as empresas e apoiar (ainda mais) as famílias. Contudo, o Governo acaba por querer manter alguma margem de segurança para, se necessário, poder intervir durante o ano de 2023, caso o cenário económico se venha a degradar.

Este é um OE que ajuda a economia portuguesa a crescer e a atenuar os efeitos de abrandamento económico?
Tal como referido anteriormente, é um Orçamento prudente e não muito ambicioso. Ainda que existam medidas pontuais que indiciem um estímulo pela via fiscal, a falta de medidas mais ambiciosas (v.g. descida da taxa do IRC, reformulação dos escalões da derrama estadual) são sinais claros que no essencial o Executivo pretende manter níveis elevados de receita tributária.

É um Orçamento do imposto escondido face à dimensão das medidas para combater a perda de poder de compra, que já tinham sido insuficientes no OE2022?
Tem algumas medidas nesse sentido, é um facto. Mas a ambição poderia ter sido maior, como por exemplo, e olhando para as famílias, a descida, ainda que temporária, por exemplo apenas durante o ano de 2023, da taxa do IVA (para aplicar a taxa de reduzida), nos consumos de gás e de eletricidade seria algo com impacto relevante, como foi efetuado por outros Estados-membros da União Europeia. Seria também interessante que se tivesse ponderado uma dedução, ainda que com caráter temporário, à coleta do IRS para fazer face aos encargos com imóveis, nomeadamente encargos com empréstimos para a compra de habitação própria e permanente, de modo a poder compensar, pela via fiscal, o acréscimo previsível que se irá sentir ao longo de 2023 nas prestações desses créditos em face do aumento das taxas de juro.

Este OE volta a estar mais focado no défice e menos na economia?
Este Orçamento tenta juntar as duas dimensões. É claro que o Governo não esqueceu o equilíbrio das contas públicas e isso é visível (como uma redução do défice para 0,9% do PIB), pois os compromissos com as entidades da UE existem e não foram objeto de flexibilização.

Antevê um regresso encapotado da austeridade devido ao impacto da inflação nos salários?
É uma austeridade distinta daquela que se verificou no tempo da troika, que se caraterizou por um aumento elevado da carga fiscal, nomeadamente ao nível do IRS. Talvez agora seja mais aceitável e compreensível por todos os que entende melhor as razões da inflação, mas ainda assim vai existir uma perda do poder de compra.

O aumento dos juros pode colocar em risco a sobrevivência das empresas?
Pode certamente contribuir para criar um desafio adicional. Cada caso deverá ser objeto de uma análise ponderada, e caberá aos gestores verem as melhores soluções em cada momento. Penso que o desafio que se coloca ao nível dos preços da energia será ainda para o tecido empresarial.

Podia ir mais além, nomeadamente ao nível do alívio da carga fiscal sobre as empresas?
O Survey que a EY apresentou poucos dias antes da apresentação da Proposta de Lei do OE 2023 davam a entender que o tecido empresarial esperaria um pouco mais. Contudo, existem ainda assim algumas medidas positivas, como por exemplo o desagravamento fiscal das tributações autónomas para as viaturas híbridas plug-in e ainda o fim da regra que estabelecia um horizonte temporal de cinco anos para a dedução de prejuízos fiscais, ainda que o montante máximo a deduzir em cada ano se fixe agora em 65% do lucro tributável por comparação a 70% tal como atualmente sucede. Ficou ainda adiada uma vez mais a descida da taxa nominal do IRC.

Quais as medidas fiscais com maior impacto nas empresas?
Diria que a nova regra de reporte de prejuízos fiscais sem horizonte temporal máximo, e aplicando-se a mesma quer aos prejuízos gerados pós 2023, quer ainda para os prejuízos fiscais gerados antes da vigência desta regra, será sem dúvida uma medida muito emblemática e relevante deste Orçamento do Estado para as empresas.

E em relação às famílias?
A atualização dos escalões de rendimento coletável em sede de IRS. Tal como resultam das simulações que efetuámos, tal facto irá contribuir para um desagravamento fiscal das famílias de forma generalizada. Terá um impacto positivo, i.e. existe claramente um aumento do rendimento disponível, mesmo numa situação limite em que o contribuinte possa não ter qualquer aumento salarial, sendo nesse caso o desagravamento pouco expressivo, mas ainda assim existente.

Que medidas dirigidas às famílias podiam ter sido reforçadas?
A criação de uma nova dedução à coleta do IRS (tal como já existiu no passado) que pudesse permitir uma redução ao IRS a pagar em termos finais por via dos encargos com juros suportados em créditos bancários para a compra de habitação própria e permanente. Paralelamente, a redução da taxa de IVA para o patamar da taxa reduzida aplicável aos consumos de eletricidade e de gás era igualmente algo que poderia ser ponderado, ainda que tal medida pudesse vir a ter um carater temporário.

Ao nível do IRC como vê a proposta de redução seletiva para as empresas que promovam o aumento dos salários e invistam em I&D?
São duas medidas que se saúdam. Contudo, parece-me que a medida que visa a majoração dos custos com a valorização salarial apresenta alguma dose de complexidade administrativa que faz antever a existência de entendimentos distintos entre contribuintes e a ATa, e por isso potenciadora de litigância tributária futura.

Partilha da opinião do ministro da Economia de que uma descida transversal do IRC seria “benéfica”?
Concordo. Beneficiaria todos os sujeitos passivos de IRC, grandes e pequenas empresas, e colocaria certamente Portugal como um País mais “amigo” do tecido empresarial. É preciso notar que a taxa de IRC para as grandes empresas, conjugada com a derrama municipal e com a derrama estadual coloca Portugal como um dos países com uma taxa de impostos sobre os lucros das mais altas da União Europeia.

Qual a avaliação que quanto à revisão do regime das tributações autónomas em sede de IRC e a revisão dos escalões da derrama estadual?
Há mexidas nas tributações autónomas em sede de IRC com alguma expressão (i.e. redução de 2,5 pontos percentuais nas taxas aplicáveis a viaturas híbridas plug-in e também às viaturas movidas a Gás Natural Veicular), incluindo o não agravamento, em 10 pontos percentuais, das tributações autónomas aplicáveis a empresas em situação de prejuízo fiscal. Contudo, nada foi alterado ao nível do regime da derrama estadual, um tributo excecional e temporário, tal como foi concebido e que se eterniza no nosso ordenamento jurídico-tributário.

Ao nível das empresas, tendo em conta os problemas crónicos de capitalização, as medidas são suficientes?
Penso que o incentivo à capitalização das empresas (que vem substituir os incentivos referentes à Dedução de Lucros Retidos e Reinvestidos e à Remuneração Convencional do Capital Social) é um passo importante, pela via fiscal, nesse caminho. Contudo, seria bom que o Estado pudesse contemplar ainda mais medidas de crédito bonificado (ou mesmo financiamento sem juros) com processos simples e céleres de aceder aos mesmos.

Como avalia as medidas de incentivo ao investimento?
Avalio de forma neutra. Se por um lado há uma vontade de premiar, pela via fiscal, alguns investimentos seletivos das empresas (nomeadamente, nas áreas de investigação e desenvolvimento), por outro lado, e se olharmos para as grandes empresas que verdadeiramente podem contribuir para o crescimento económico do País, nota-se uma ambição mais modesta.

Para a atratividade da economia portuguesa, em termos de investimento direto estrangeiro, esta é uma proposta que vai no caminho certo, nomeadamente ao nível da simplificação no cumprimento das obrigações fiscais?
No capítulo das obrigações fiscais, assiste-se a uma melhoria e a uma simplificação, nomeadamente ao nível dos reportes a efetuar para a Segurança Social. No entanto, e numa perspetiva de atratividade, era preciso ir mais longe, concretamente com medidas de maior alívio fiscal em sede de IRC.

Que alterações destaca ao nível dos impostos indiretos?
A grande novidade é que o IVA não sofreu alterações, o que não deixa de ser curioso (quase inédito). De resto, assiste-se a uma atualização de 4% ao nível dos restantes impostos indiretos.

Em que impostos, o Governo podia ter ido mais além na redução da carga fiscal?
Havia claramente uma expetativa essencialmente ao nível do IVA. Esperar-se-ia que a taxa reduzida do IVA pudesse vir a ser aplicada nos consumos de gás e de eletricidade, ainda que o Governo fosse dando sinais essa alteração não iria acontecer. Era de facto algo que o Executivo poderia ter ponderado, nem que fosse com caráter temporário, seguindo a lógica adotada por outros Estados Membros da União Europeia.

Como é que o montante adicional de receita fiscal que o Estado deverá arrecadar à boleia da inflação devia ser utilizado e redirecionado para a economia?
Por exemplo, em apoios financeiros de maior magnitude junto das empresas que estão mais dependentes de consumos energéticos e num maior alívio fiscal (i.e. descida da taxa nominal do IRC e aplicação da taxa reduzida do IVA nos consumos de gás e de eletricidade, ainda que, neste último caso, com uma natureza temporária) para as famílias e empresas.

Qual é a maior incerteza sobre o OE2023? Quais os principais riscos que antecipa?
A longevidade da situação de instabilidade que se vive presentemente na zona leste da Europa poderá conduzir a um agravamento da situação económica global, quer ao nível do mercado de matérias-primas, quer ainda ao nível dos custos energéticos. Se os mercados com os quais Portugal mais interage entrarem efetivamente em recessão económica, dificilmente Portugal ficará ileso, dados os efeitos sistémicos dessa situação. Esse é um risco que não está apenas dependente de Portugal, em face dos vasos comunicantes que a nossa economia tem com os mercados com os quais se relaciona. Existe, portanto, um risco claro de Portugal poder passar um período de estagnação económica e com o registo de uma taxa de inflação ainda relevante.

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