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E se o passado tiver sido mais interessante do que pensamos?

Em textos anteriores, usei este espaço para escrever sobre a importância de tentarmos compreender os outros, mesmo os que têm visões do mundo radicalmente diferentes da nossa (como os povos indígenas), e para nos tentarmos compreender a nós mesmos através da visão que eles nos devolvem. Permita-se-me, no que se segue, que revisite de forma oblíqua estes temas, desta vez a propósito da obra “The Dawn of Everything”, escrita por David Graeber e David Wengrow e publicada em Portugal com o título “O Princípio de tudo – Uma Nova História da Humanidade”.

Narrativas comuns (e opostas) sobre o passado
Graeber e Wengrow assinalam que as nossas representações dos primórdios da Humanidade tendem a cair em narrativas unidimensionais. O exemplo por eles privilegiado (pp. 1-2) é o da origem da desigualdade. Com frequência, transformamos um debate que é, em essência, teológico (os seres humanos são, ‘por natureza’, bons ou maus?, p. 1) numa suposta inquirição sobre o que seria um pré-histórico ‘estado de natureza’. Chegados aqui, a opção que se toma é entre a versão de Rousseau do “bom selvagem” corrompido pela civilização ou a versão hobbesiana de uma “guerra de todos contra todos” que o Leviatã do Estado viria resolver.

Seja qual for a forma como representamos os humanos pré-históricos, em tons de cândida inocência ou brutal violência, aceita-se um conjunto de pressupostos sobre este alegado estado primordial: eram caçadores-recoletores que viviam de uma forma simples, com uma experiência do tempo radicalmente diferente da nossa, e incapazes de deliberação racional no sentido dos sujeitos modernos.

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