Os trabalhos da Comissão Técnica Independente (CTI), que tem até ao final deste ano para chegar a uma proposta final sobre a localização do novo aeroporto da região de Lisboa, "avançam a 200%", garantiu esta semana ao Jornal Económico (JE) a presidente deste organismo, Rosário Partidário.
Contudo, a turbulência nos trabalhos da CTI faz-se sentir desde o primeiro dia e logo com uma discórdia quanto àquilo que a CTI de facto tem de fazer. Este organismo, criado por despacho do Governo, foi mandatado para avaliar as opções de localização para o novo aeroporto da região de Lisboa (não do país), e logo nessa especificação os especialistas dividiram-se, por muitos entendem que a capacidade aeroportuária não se restringe à região da capital. Mas a resolução do Conselho de Ministros que atribui competências à CTI não deixou margem para dúvidas e também não foi alterada -- mesmo que essa proposta de alteração tenha partido da própria CTI.
Recorde alguns números que resumem o percurso desta CTI desde que foi criada.
278 dias desde que foi criada
A CTI foi criada por despacho da Presidência do Conselho de Ministros a 14 de outubro de 2022. O documento prevê que a comissão contribua para a análise estratégica e multidisciplinar do aumento da capacidade aeroportuária da região de Lisboa. A decisão de criar uma comissão independente - isto é, composta por membros alheios ao poder governativo ou a interesses terceiros do sector - foi tomada um mês antes.
O diploma diz que esta CTI deve ser coordenada "por uma personalidade com reconhecido mérito (coordenador-geral), designada sob proposta conjunta do presidente do Conselho Superior de Obras Públicas (CSOP), do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) e do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP)". Essa personalidade acabou por ser Rosário Partidário.
2 demissões precoces
A CTI é composta por seis coordenadores, responsáveis por diferentes áreas temáticas: planeamento, acessibilidades rodoviárias e ferroviárias, ambiente, análises económicas, financeiras e jurídicas. Todos eles remunerados.
Até à data, pelo menos dois dos seis coordenadores da CTI já bateram com a porta. Primeiro, saiu Daniel Murta, da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, supostamente por não ter "perfil para a função", chegou a dizer a coordenadora da CTI. "Às vezes não acertamos nas pessoas à primeira", disse ao JE sobre a saída.
Mas mais polémica foi a saída da jurista Mafalda Carmona. A própria disse que saiu por uma incompatabilidade com a coordenadora-geral, mas Partidário contestou essa versão e disse que a própria saiu "por falta de tempo".
1 contratação dúbia
Mais recentemente, e a somar ao rol de dúvidas quanto à isenção dos colaboradores desta comissão - que, recorde-se, tem de conduzir um trabalho de avaliação independente, foi contratado o engenheiro Victor Rocha.
Como o JE avançou, o ex-quadro da ANA vai receber 70 mil euros até ao final do ano (cerca de 11.600 euros por mês) para conduzir trabalhos técnicos. Contudo, o engenheiro civil foi signatário de uma plataforma cívica que se opunha à solução Montijo e chegou a escrever artigos de opinião a alegar que "não são necessários estudos para concluir que a opção NAL/Campo de Tiro de Alcochete é melhor".
Sobre um possível conflito de interesses, a coordenadora da CTI rejeitou ao JE que haja qualquer problema com a contratação.
9 soluções na mesa e 83 dias desde a lista final
Pelo menos cinco localizações vão ser alvo de avaliação obrigatoriamente, uma vez que constam da resolução da Presidência do Conselho de Ministros. São elas: Portela + Montijo, Montijo + Portela, Alcochete, Portela + Santarém, e Santarém.
De fora ficaram opções que tinham sido anunciadas e discutidas antes como Beja, Alverca, Monte Real e Ota, por exemplo, por não cumprirem os critérios decididos pela CTI.
Em abril deste ano, depois da consulta pública, a CTI colocou novas opções na mesa, que serão agora estudadas: Pegões; Humberto Delgado+Pegões e Rio Frio+Poceirão e Humberto Delgado+ Alcochete.
+100 sugestões recebidas
A CTI diz ter recebido "mais de uma centena" de sugestões dadas por entidades e cidadãos na plataforma pública criada para o efeito.
A consulta pública pretendia receber sugestões de qualquer pessoa ou organismo quanto à nova localização do aeroporto, mas apenas quatro dessas soluções chegaram à lista final, onde já estavam cinco opções decididas pelo Governo.
5 critérios de decisão
Quais foram os critérios para filtrar as localizações possíveis? A CTI definiu, pelo menos, cinco.
O primeiro diz respeito à segurança aeronáutica e pretende avaliar potenciais conflitos com áreas militares e a probabilidade de conflito com populações de aves, mas também tem em conta a limitação da operação de drones e novas tecnologias.
De seguida, importa perceber a acessibilidade, com atenção ao "contributo para o desenvolvimento e coesão territorial das opções" e às infraestruturas e serviços associados aos diferentes modos de transporte, nomeadamente o ferroviário. Tem também em conta a necessidade de processos de expropriação de territórios privados.
O terceiro critério prende-se com a saúde humana e a viabilidade ambiental. A CTI terá de avaliar variáveis como a exposição ao ruído, a poluição do ar, os riscos de inundação e de subida do nível do mar, bem como riscos industriais e de perigo sísmico.
Um quarto fator prende-se com a conectividade do novo aeroporto e o desenvolvimento económico - isto é, qual o grau de crescimento potencial do novo hub e os impactos macroeconómicos associados à expansão do aeroporto no futuro?
Por último, a CTI avaliará o investimento público necessário e o modelo de financiamento - no caso de Santarém, esse modelo deve destoar das restantes soluções.
170 dias até ao fim do prazo
A CTI tem até ao final deste ano para apresentar ao Executivo um relatório final que apresente a melhor opção para a localização - o documento deverá chegar às mãos do Governo até novembro, e segue depois para discussão pública.