Em Portugal, em média, 11 mil professores faltam diariamente ao trabalho, sendo a taxa de absentismo de 9%, se for tido em conta que as faltas se concentram em períodos letivos, conclui o estudo “A realidade demográfica e laboral dos professores do ensino público em Portugal 2016/17 - 2020/21”, divulgado esta segunda-feira pelo EDULOG, think tank para a Educação da Fundação Belmiro de Azevedo.
O estudo, coordenador por Isabel Flores, revela que 10% dos professores são responsáveis por 80% dos dias de faltas, que entre 30% e 40% dos professores nunca faltam e 50% faltam ocasionalmente.
Considerando todos os professores, de todos os agrupamentos e grupos de recrutamento, os professores do ensino público português faltam cerca de dois milhões de dias por ano, contabiliza a equipa de investigadores, que, além de Isabel Flores, inclui Cláudia Vajão, Rute Perdigão e Vanda Lourenço.
O principal motivo de absentismo é a doença continuada, cuja possibilidade aumenta a partir dos 62 anos, com 20% destes professores a apresentarem faltas de longa duração. Cerca de 70% das faltas de longa duração ultrapassam os quatro meses e, dentro destas, 70% estão relacionadas com doença continuada. A possibilidade de os professores terem faltas de longa duração é sete vezes maior entre os docentes que tinham faltas de longa duração no ano anterior.
É entre os 40 anos e os 55 anos que os professores apresentam menos faltas de longa duração (5%).
O estudo concentra-se no período entre 2016 e 2021, anterior a algumas alterações legislativas. Na época, a substituição de professores ocorria apenas para faltas superiores a 30 dias, os grupos de recrutamento eram de configuração distinta dos que estão atualmente em vigor, e a legislação sobre a vinculação dinâmica ainda não existia. Estas mudanças na política de gestão de docentes poderão ter um impacto na relação contratual dos professores e na sua estabilidade nas escolas, sendo necessários estudos adicionais para avaliar esses efeitos.
Segundo o estudo, o número total de professores aumentou (6%) entre 2016/17 e 2020/2021 e a idade média tem aumentado ao longo dos anos (51,3 em 2021), estando acima da idade média da população empregada em Portugal (48,7 anos).
Isabel Flores, investigadora do ISCTE, coordenadora do estudo ao Jornal Económico:
"Alguns modelos de resolução passam por uma reorganização da carreira de professores e do sistema de professores, criando, por exemplo, a figura do professor assistente"
O que quis compreender e o que a surpreendeu neste estudo?
O ponto de partida deste estudo era tentar compreender se termos alunos sem aulas era devido a questões estruturais - ninguém querer ser professor e não haver professores no sistema - ou se temos professores e não os conseguimos substituir quando estão temporariamente fora, normalmente por baixas médicas. Esta questão vinha motivada pela ideia de que há muitos professores que concorrem aos concursos de colocação e que não ficam colocados e que andam anos e anos e anos até à sua colocação. Para mim, havia um contrassenso: porque é que os alunos estão sem aulas quando há pessoas a querer entrar no sistema!?...
É um paradoxo.
Um puzzle. O que fizemos foi olhar para os professores que estão no sistema e tentar analisar, acima de tudo, os padrões de absentismo. Já que tínhamos os dados, analisámos outras dimensões, mas o nosso foco era o absentismo.
Os motivos que levam os alunos a não ter aulas podem ser vários: não existirem professores; os professores que adoecem serem substituídos; haver muitas faltas a miúdo - o professor falta um dia, dois, três dias. Estas faltas não são sequer suscetíveis de serem substituídas.
A que conclusão chegaram?
Depois de analisarmos os dados dos cinco anos que tínhamos ao nosso dispor, o que concluímos é que temos 10 a 12% de professores que dão 80% das faltas. Esses professores têm de ser substituídos, porque dão faltas superiores a 30 dias. Hoje em dia já é diferente: tem de ser substituído o professor que dá faltas superiores a 12 dias, o que vai colocar ainda mais pressão. O sistema tem agora que garantir que tem 15.000 professores dispostos a fazerem contratos mensais.
Mensais?
Sim. A nossa estimativa é que cerca de 15 mil professores têm de ser substituídos todos os anos, melhor tinham, pois a mudança da regra algures no ano letivo passado, quando já tínhamos começado o estudo, em que a substituição passou a ter de ser feita aos 12 dias, aumenta as necessidades para 25 mil professores.
Para substituição?
Precisamos de substituir todos os anos 25 mil professores, com contratos que são sempre contratos de um mês, pese embora possam ser renovados. A questão é que ninguém sabe ao certo se vão ser renovados ou não e quando é que isso começa, porque está dependente da evolução da doença do professor, que está de baixa. É algo que não conseguimos controlar. É muito difícil encontrar pessoas com uma qualificação específica, que é o que precisamos, que estejam dispostas a ter contratos de um mês. Quando foram ao concurso inicial de colocação de professores, as pessoas estavam disponíveis para um contrato de trabalho por, pelo menos, um ano, não tendo ficado colocadas vão à sua vida ... mais adiante, não estão disponíveis para um contrato de um mês. Eu também não estaria.
Isto tem solução?
É uma situação muito complexa, numa profissão muito delicada. A principal conclusão deste estudo é que o ponto crítico do sistema está na substituição de professores. Neste momento - e digo neste momento, porque a segunda parte do estudo já nos começa a trazer algumas preocupações para o futuro - ainda não temos falta de professores de uma forma estrutural, agora, o que temos é falta de professores para aquilo a que chamamos o buffer, que amortiza o sistema e permite que este funcione.
Há alguns modelos de resolução.
Quer falar deles?
Alguns modelos passam por uma reorganização da carreira de professores e do sistema de professores, criando, por exemplo, a figura do professor assistente. O professor que fica alocado a uma escola ou a mais do que uma escola, isso depois depende do tamanho das escolas e da dimensão da região e que tem como missão ajudar os colegas que têm turma, mas também substituir os colegas que estão fora. E, portanto, esses professores existem já dentro do sistema e não têm que ser alocados desta forma tão difícil e tão precária. Ou o sistema realmente pensa em encontrar uma formulação para uma categoria profissional chamada professor assistente ou outra coisa parecida, a quem dá contratos no mínimo anuais, aí sim é possível encontrar essas pessoas ou, então, as crianças vão mesmo ficar muitos dias sem aulas e em alguns casos muito tempo.